¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, junho 22, 2004
 
OS NOVOS REACIONÁRIOS


Ora, meu caro secretário dos Direitos Humanos do Grupo Gay da Bahia, que todos são iguais perante a lei, isto é ficção que ninguém ignora e que consta de todas as constituições. Como se o filho do presidente de um país tivesse direitos iguais aos do filho do Zé Ninguém. Que caiba à República Federativa lutar contra preconceitos, isto só está escrito em teu bestunto. Não está entre os objetivos fundamentais da República, capitulados no artigo 3º da Constituição, lutar contra coisa alguma, muito menos contra a tal de homofobia.

Por homofobia, neologismo de fim de século, entenda-se o medo, ódio ou aversão a homossexuais. Ora, deste mal não sofro. Desde que me conheço por jornalista, tenho defendido o direito de cada um conduzir sua vida sexual como bem entender. Disto, meu caro Mott, sabes muito bem. Suponho não tenhas esquecido um distante domingo de março de 92, quando me acordaste com um entusiasmado telefonema, para saudar-me por artigo que escrevi na Folha de São Paulo, intitulado Bíblia relata vários casos de amor entre homens. Neste artigo, eu comentava o desespero do rei Davi, ao saber da morte de Jônatas. Enlouquecido de dor, o rei rasga suas roupas e chora a morte do amado: "Tu me eras imensamente querido, a tua amizade me era mais cara que o amor das mulheres", diz o soberano inconsolado. Recebi dezenas de telefonemas indignados, acusando-me de homossexual. Palavra que, na época, era palavrão. O único telefonema de apoio foi o teu.

Jamais alimentei preconceitos, meu caro secretário, em relação a comportamentos sexuais ou a quaisquer outros comportamentos. Desde o ginásio, convivo bem com homossexuais e tive entre eles bons amigos. Criei-me em uma pequena cidade da fronteira gaúcha, entre cujas virtudes sempre foi marcante a da tolerância. Décadas antes de Berlim ou Paris, Dom Pedrito elegeu um prefeito homossexual. O fato não mereceu nenhuma primeira página de jornais. Primeiro, porque Dom Pedrito não é Berlim ou Paris. Segundo, porque a nenhum pedritense causava espécie as práticas sexuais de seu alcaide. A nenhum daqueles gaúchos da fronteira, tidos como machões embrutecidos, ocorreu vetar ou mesmo criticar a candidatura do prefeito por razões de ordem sexual. O que importava era sua postura política, e por estas razões foi eleito.

Sou, isto sim, doentiamente mecenatofóbico. Da mesma forma que abomino cineastas, músicos, escritores e gente de teatro metendo a mão no bolso do contribuinte, vejo os homossexuais como corruptos e cúmplices de corruptos quando assumem o mesmo gesto. Não vejo razão nenhuma para que o Ministério da Cultura financie paradas de deslumbrados nem privilegie determinados comportamentos na cama. Ser homossexual, para mim, é opção individual, não uma questão de Estado. Quanto mais distante permanecer o Estado das questões morais, melhor para a saúde do cidadão. E a Igreja também. Diga-se de passagem, sempre condenei as catilinárias de João Paulo II contra o homossexualismo. Não se pode admitir que, em pleno século XXI, um líder religioso pretenda dar diretivas sobre a vida sexual de cada um.

Curiosamente, os gays contemporâneos fecham com o líder obscurantista, ao reivindicar a formação de família. Quanto mais o casamento tradicional faz água, mais os homossexuais lutam pelo direito de casar. Se possível com a benção desta mesma Igreja que os vê como enfermos. Ou de qualquer outra igreja. Chamando-se igreja, já serve. O que importa é sacramentar a união. A Igreja Católica Ortodoxa, que já celebrou quatro casamentos de parceiras lésbicas em São Paulo, já pensa em uma chácara em Atibaia, com toda a infra-estrutura para um casamento. "Os casais homossexuais serão abençoados por um rito de consagração. A festa terá bufê, lembrancinhas e mesmo o buquê de flores, que será jogado para os participantes".

Mais um pouco e estarão exigindo fidelidade do parceiro. Muito em breve, teremos tédio conjugal e divórcio, males que antes não afetavam os homos. Em vez de fugir ao modelo que está se revelando inadequado ao mundo contemporâneo, os gays nele buscam proteção. Como se núpcias de véu e grinalda os redimissem de um hipotético pecado original. O que um dia foi transgressão e libertação, está virando instituição. Homossexualismo está perdendo a graça. Mais um pouco, os homos - da mesma forma que os negros - estarão exigindo cotas na universidade.

"Temos família e orgulho", foi um dos temas da parada gay em São Paulo. O slogan, como todo slogan, é idiota. Primeiro, porque família, bem ou mal, todos temos. Segundo, porque esta ou aquela sexualidade não deveria ser motivo de orgulho algum. Orgulhar-se de ser homossexual é relegar a uma subespécie de humanidade quem tem outras preferências sexuais. Na parada, não faltou nem mesmo o cartaz absurdo: "Viva o homossexualismo, morra o capitalismo". Quem bolou o slogan parece não ter percebido que é justamente no capitalismo que os homossexuais florescem como alfeninados cogumelos após a chuva. Nos socialistas, estariam - e estão - atrás das grades.

Estamos assistindo ao surgimento de um novo obscurantismo, com nítidas características de proseletismo religioso. Para aplauso do respeitável público, os novos reacionários.