¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, novembro 07, 2005
 
STRULDBRUGS



Um bom amigo me pergunta se fui ao cemitério, neste dia de Finados, visitar minha Baixinha. Não fui. Além de detestar datas, detesto multidões. Não bastasse isto, ela não está em cemitério algum. Para tê-la junto a mim, joguei suas cinzas em meu jardim. Passo por ela - entre ela, melhor dizendo - todos os dias, ao sair e voltar para casa. Em agosto, quando as azaléias florescem, sinto que ela me sorri. Dói, mas me sinto bem estando sempre junto a ela.

Segundo os historiadores, nos cemitérios está a origem das cidades. À medida em que as tribos nômades escolhiam um território para sepultar seus mortos, as cidades iam se formando em torno a este território. Nos países escandinavos, encontrei uma instituição muito simpática. Os cemitérios são construídos em torno às igrejas. Assim, toda vez que um fiel vai a um ofício religioso, sempre pode fazer um aceno aos entes queridos que já passaram. Em sueco, cemitérios chamam-se kyrkogården, isto é, jardins da igreja. Já bati muita perna pelo mundo e hoje estou um tanto cansado de nomadismo. Estabeleci então meu kyrkogård particular - ou janergård, como quiserem - onde certamente deixarei também minhas cinzas, quando voltar ao grande nada.

Mal falo em grande nada, não falta quem me pergunte se acredito em uma vida eterna. Ainda bem que não. Só a idéia me apavora. Se no decurso de uma vida a humana insensatez já me entedia, que dirá uma eternidade. A primeira percepção disto, eu a tive ao ler Todos os homens são mortais, um dos raros livros de Simone de Beauvoir que gostei de ler. Neste romance, Simone narra a tragédia do conde Fosca, personagem do século XIII, que teve a desgraça de beber do elixir da imortalidade e chegar a nossos dias. Fosca vê a história sempre se repetindo, as revoluções se instaurando com os mais belos propósitos e acabando em tiranias atrozes, os homens repetindo sempre os mesmos erros, e ele, Fosca, carregando a maldição de não poder morrer.

Imaginemos o inverso da hipótese de Beauvoir, que todos os homens fossem imortais. Pra começar, não daria nem para respirar no planetinha. Quem tivesse nascido em era civilizada, teria de conviver com os bugres da época do tacape. O trabalho seria uma maldição para a eternidade, pois qualquer sistema previdenciário seria inviável. Toda vida perderia seu sabor, pois o que a torna dinâmica é sua curta duração. Imortais, os jovens só pensariam em uma universidade talvez aos cem anos, no casamento aos mil. Decididamente, não funciona. Só de imaginar a quantidade de crias que gerariam pessoas eternas, dá vertigens.

Só no século passado, tivemos não poucas estupidezes mortíferas. Nazismo, comunismo, maoísmo, polpotismo, castrismo, Envers Hodja, Ceaucescu, o terrorismo islâmico, Chávez, o PT. Como nunca depositei confiança no tirocínio das massas, viver mais um século ser-me-ia doloroso. Ainda mais quando se prevê que em 2020 cem milhões de turistas chineses invadirão a Europa. Se sem os cem milhões de chineses a Europa já está começando a ficar desconfortável, imagine o horror daqui a quinze anos. Para ter uma pálida idéia do que nos espera, leia os jornais destes dias. Paris, cercada por um cinturão africano-árabe de ódio, está sendo depredada. Na noite deste último sábado, 1.300 carros foram incendiados, o que dá um total de 3.500 veículos destruídos nos últimos onze dias. As ondas de ressentimento ameaçam espalhar-se por outras cidades do interior do país, como Rouen, Dijon, Lyon, Marselha, Bordeaux e Lille, cercadas por negros e muçulmanos. Não, não quero eternidade. De preferência, não quero chegar nem a 2020.

Outro autor que dissuade qualquer mortal de veleidades de vida eterna é Swift. Em suas Viagens de Gulliver, ao chegar na ilha de Luggnagg, encontra uma peculiar estirpe de habitantes, os struldbrugs, seres que nasciam com uma pinta vermelha e circular na testa, em cima da sobrancelha esquerda, sinal infalível de que nunca iriam morrer. É o sonho de um amigo e leitor: "Discordo de ti quanto à imortalidade: se pudesse ser imortal (com este cérebro e corpo e saúde), imagino que seria possível descobrir incessantemente novos desafios e conhecimentos, de modo que não vejo o tédio na imortalidade como um perigo tão grande. Só para dominar o conhecimento atual já iriam séculos e séculos e, então, ainda mais haveria por saber".

É o que imaginava Gulliver em Luggnagg. Ocorre que tudo que respira fenece. A princípio, o viajante se entusiasma e louva copiosamente tal circunstância, o prazer de presenciar as várias revoluções - o que para o conde Fosca era puro tédio -, o descobrimento de países ainda desconhecidos, a barbárie que devasta as nações mais civilizadas (pensaria Swift na França de hoje?) e a civilização que se apodera das mais bárbaras. As louvações são longas e ocupam quase três páginas.

O mesmo não pensam os luggnaggnianos. Os struldbrugs viviam normalmente até os trinta anos. "Depois dessa idade, eram tomados pela tristeza e pelo desalento, que aumentavam até os oitenta. Quando completavam os oitenta, idade tida em Luggnagg como o limite máximo de vida, tinham não só toda a insensatez e todas as enfermidades dos outros velhos, senão muitas outras, nascidas da medonha perspectiva de nunca morrer. Não somente eram opiniáticos, rabugentos, avaros, impertinentes, tolos, tagarelas, mas também incapazes de amizade, e mortos para todos os afetos naturais, que nunca ultrapassavam os netos. A inveja e os desejos impotentes eram suas paixões predominantes. Mas os objetos principais das primeira são os vícios dos moços e a morte dos velhos. Refletindo naqueles, vêm-se privados de toda possibilidade de prazer; e sempre que assistem a um enterro, lamentam e lastimam que hajam outros chegado a um porto de repouso, a que nunca esperam chegar".

"Aos noventa, perdem os dentes e os cabelos; já nessa idade não distinguem nada pelo gosto, mas comem e bebem o que se lhes apresenta sem prazer nem apetite. As moléstias a que estavam sujeitos continuam, sem aumentar nem diminuir. Ao falarem, esquecem a denominação comum das coisas e os nomes das pessoas, até os dos amigos e parentes mais chegados, Pela mesma razão, nunca podem saborear uma leitura, pois a memória não os ajuda a irem do princípio ao fim de uma sentença; e esse defeito os priva do único entretenimento de que poderiam, de outro modo, ser capazes".

"Como a língua deste país sofre contínuas modificações, os struldbugs de uma época não compreendem os de outra nem lhes é possível, depois de duzentos anos, travarem conversação alguma (além de poucas palavras gerais) com os seus vizinhos, os mortais; e têm assim a desvantagem de viver como estrangeiros em própria terra".

Vida eterna? Não, muito obrigado. Uns setenta ou oitenta anos, me parece, está de bom tamanho. Como em Luggnagg. Dito isto, estou partindo nos próximos dias para Paris. Antes que acabe. A vida é curta e os muçulmanos proliferam como coelhos. Sugiro o mesmo aos leitores jovens. Em uma década, Paris talvez viva uma condição de maior violência que o Rio. Não há retorno. Os cinco milhões de árabes que infestam a França jamais serão mandados de volta.

Vá, antes que seja tarde. Antes que proíbam o vinho. Santé!