¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, fevereiro 27, 2006
 
O DIREITO DE OFENDER



Já citei algumas vezes Ayaan Hirsi Ali, deputada do Parlamento holandês, de origem somáli, roteirista do filme Submissão, em função do qual o cineasta Theo Van Gogh foi assassinado por um muçulmano em novembro de 2004. Ao lado de Oriana Fallaci, é um dos raros intelectuais europeus com coragem de enfrentar a agressão muçulmana ao velho continente. Ela vive sob proteção policial. Convidada a Berlim dia 9 de fevereiro passado, Ayaan Hirsi Ali pronunciou um discurso sobre a affaire das caricaturas de Maomé, contra o islamismo e pela defesa da liberdade. Como a imprensa brasileira observou um silêncio obsequioso em torno ao pronunciamento da deputada holandesa, segue a tradução do mesmo.

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Estou aqui para defender o direito de ofender. Tenho a convicção que esta empresa vulnerável que se chama democracia não pode existir sem livre expressão, em particular nas mídias. Os jornalistas não devem renunciar à obrigação de falar livremente, da qual são privados os homens de outros continentes.

Minha opinião é que o Jyllands Posten teve razão ao publicar as caricaturas de Maomé e que outros jornais na Europa fizeram bem em republicá-las.

Permita-me retomar o histórico desta affaire. O autor de um livro infantil sobre o profeta Maomé não conseguia encontrar ilustrador. Ele declarou que os desenhistas se censuravam por medo de sofrer violências da parte dos muçulmanos, para os quais é proibido a qualquer um, onde quer que seja, representar o Profeta. O Jyllands Posten decidiu investigar a esse respeito, estimando - a justo título - que uma tal autocensura era portadora de graves conseqüências para a democracia. Era seu dever de jornalistas solicitar e publicar os desenhos do profeta Maomé.

Vergonha aos jornalistas e às cadeias de televisão que não tiveram a coragem de mostrar a seu público o que estava em causa na affaire das caricaturas! Estes intelectuais que vivem graças à liberdade de expressão, mas aceitam a censura, escondem sua mediocridade de espírito sob termos grandiloqüentes como responsabilidade ou sensibilidade.

Vergonha a estes homens políticos que declararam que ter publicado e republicado aqueles desenhos era "inútil", era um "mal", era "uma falta de respeito" ou "sensibilidade"! Minha opinião é que o primeiro-ministro da Dinamarca, Anders Fogh Rasmussen, agiu bem quando se recusou a encontrar os representantes de regimes tirânicos que exigiam dele que limitasse os poderes da imprensa. Hoje, nos deveríamos apoiá-lo moral e materialmente. Eu gostaria que meu primeiro-ministro tivesse tanto peito quanto Rasmussen.

Vergonha a estas empresas européias do Oriente Médio que puseram cartazes dizendo Nós não somos dinamarqueses, Aqui não vendemos produtos dinamarqueses! É covardia. Os chocolates Nestlé não terão o mesmo gosto depois disso, vocês não acham? Os Estados membros da União Européia deveriam indenizar as sociedades dinamarquesas pelas perdas sofridas pelo boicote.

A liberdade se paga caro. Pode-se muito bem despender alguns milhões de euros para defendê-la. Se nossos governos não vêm em ajuda a nossos amigos escandinavos, eu espero então que os cidadãos organizem coletas de doações em favor das empresas dinamarquesas.

Nós fomos submergidos em uma onda de opiniões nos explicando que as caricaturas eram ruins e de mau gosto. Disso resulta que estes desenhos não tinham trazido senão violência e discórdia. Muitos se perguntaram qual vantagem havia em publicá-los.

Bem, sua publicação permitiu confirmar que existe um sentimento de medo entre os escritores, cineastas, desenhistas e jornalistas que quisessem descrever, analisar ou criticar os aspectos intolerantes do Islã na Europa.

Esta publicação também revelou a presença de uma importante minoria na Europa que não compreende ou não está disposta a aceitar as regras da democracia liberal. Estas pessoas - cuja maior parte são cidadãos europeus - fizeram campanha em favor da censura, dos boicotes, da violência e de novas leis proibindo a "islamofobia".

Estes desenhos mostraram com evidência que há países que não hesitam em violar a imunidade diplomática por razões de oportunismo político. Vimos governos maléficos como o da Arábia Saudita organizar movimentos populares de boicote ao leite e iogurte dinamarqueses, enquanto esmagariam sem piedade todo movimento popular que reclamasse o direito de voto.

Estou aqui hoje para reclamar o direito de ofender nos limites da lei. Vocês talvez se perguntem: por que em Berlim? E por que eu?

Berlim é um lugar importante na história das lutas ideológicas em torno da liberdade. É a cidade onde um muro encerrava as pessoas no interior de um Estado comunista. É a cidade onde se concentrava a batalha pelos corações e mentes. Os que defendiam uma sociedade aberta mostravam os defeitos do comunismo. Mas a obra de Marx era discutida na universidade, nas rubricas de opinião dos jornais e nas escolas.Os dissidentes que tinham conseguido escapar podiam escrever, fazer filmes, desenhar, empregar toda sua criatividade para persuadir as pessoas do Oeste que o comunismo não era o paraíso na terra.

Apesar da autocensura de muitos no Ocidente, que idealizavam e defendiam o comunismo, apesar da censura brutal imposta ao Leste, esta batalha foi ganha.

Hoje, as sociedades livres estão ameaçadas pelo islamismo, que se refere a um homem chamado Muhammad Abdullah (Maomé) que viveu no século VII e é considerado como um profeta. A maioria dos muçulmanos são pessoas pacíficas, não são fanáticos. Eles têm perfeitamente o direito de serem fiéis às suas convicções. Mas, no seio do Islã, existe um movimento islâmico puro e duro que rejeita as liberdades democráticas e faz tudo para destruí-las. Estes islâmicos procuram convencer os outros muçulmanos que sua forma de viver é a melhor. Mas quando aqueles que se opõem ao islamismo denunciam os aspectos falaciosos dos ensinamentos de Maomé, eles são acusados de serem ofensivos, blasfemos, irresponsáveis - ou mesmo islamofóbos ou racistas.

Por que eu? Eu sou uma dissidente, como aqueles da parte leste desta cidade que foram para o Oeste. Eu nasci na Somália e passei minha juventude na Arábia Saudita e no Quênia. Eu fui fiel às regras editadas pelo profeta Maomé. Como os milhares de pessoas que manifestaram contra as caricaturas dinamarquesas, eu por longo tempo acreditei que Maomé era perfeito - que ele era a única fonte do bem, o único critério permitindo distinguir entre o bem e o mal. Em 1989, quando Khomeini lançou um apelo para matar Shalman Rushdie, eu pensava que ele tinha razão. Hoje, não penso mais assim.

Eu penso que o profeta Maomé errou em subordinar as mulheres aos homens.
Eu penso que o profeta Maomé errou ao decretar que é preciso assassinar os homossexuais.
Eu penso que o profeta Maomé errou ao dizer que é preciso matar os apóstatas.
Ele errou ao dizer que os adúlteros devem ser chicoteados e lapidados, e que os ladrões devem ter as mãos cortadas.
Ele errou ao dizer que os que morrem por Alá irão ao paraíso.
Ele errou ao pretender que uma sociedade justa possa ser construída sobre essas idéias.
O Profeta fazia e dizia boas coisas. Ele encorajava a caridade em relação aos outros. Mas eu sustento que ele também é irrespeitoso e insensível em relação àqueles que não concordavam com ele.

Eu penso que é bom fazer desenhos críticos e filmes sobre Maomé. É necessário escrever livros sobre ele. Tudo isto pela simples educação dos cidadãos.

Eu não procuro ofender os sentimentos religiosos, mas não posso me submeter à tirania. Exigir que os homens e as mulheres que não aceitam os ensinamentos do Profeta se abstenham de desenhar, não é um pedido de respeito, é um pedido de submissão.

Eu não sou a única dissidente do Islã, há muitos no Ocidente. E se eles não têm segurança pessoal, devem trabalhar com falsas identidades para se proteger da agressão. Mas ainda há muitos outros em Teerã, em Doha e Riad, em Amã e no Cairo, como em Cartum e Mogadiscio, Lahore e Cabul.

Os dissidentes do islamismo, como os do comunismo em outras épocas, não têm bombas atômicas nem nenhuma outra arma. Nós não temos o dinheiro do petróleo como os sauditas e não queimamos embaixadas nem bandeiras. Nós recusamos aderir a uma louca violência coletiva. Aliás, nós somos pouco numerosos e muito dispersos para tornar-se uma organização de qualquer coisa. Do ponto de vista eleitoral, aqui no Ocidente, não somos nada.

Nós temos apenas nossas idéias e não pedimos senão a oportunidade de expressá-las. Nossos inimigos utilizarão se necessário a violência para nos fazer calar; eles se dirão mortalmente ofendidos. Eles anunciarão por toda parte que nós somos seres mentalmente frágeis que não se deve levar a sério. Isto não é novo, os defensores do comunismo utilizaram à exaustão estes métodos.

Berlim é uma cidade marcada pelo otimismo. O comunismo fracassou, o Muro foi destruído. E mesmo se hoje as coisas parecem difíceis e confusas, estou certa que o muro virtual entre os amantes da liberdade e aqueles que sucumbem à sedução e ao conforto das idéias totalitárias, este muro também, um dia, desaparecerá.