¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, abril 14, 2006
 
A GRAVE QUESTÃO DOS PENTELHOS DE CRISTO



Corria o ano da graça de 1351. Uma grave discussão tomou conta das mentes da época, o prepúcio de Cristo. A discussão de fundo, em verdade, era outra. Em Barcelona, um guardião franciscano levantou a tese, em um sermão público, que o sangue versado pelo Cristo durante a Paixão havia perdido toda divindade, havia se separado do Verbo e ficado na terra. A proposição era nova e de difícil demonstração, Nicolas Roselli, inquisidor de Aragon, aproveitou a vaza para atacar os franciscanos, que detestava, e a transmitiu a Roma. O cardeal de Sainte-Sabine, sob as ordens de Clemente VI, escreveu que o papa havia recebido com horror esta odiosa asserção. Sua Santidade, tendo reunido uma assembléia de teólogos, combateu em pessoa esta doutrina e conseguiu que fosse condenada. Os inquisidores receberam em todos os lugares a ordem de abrir os procedimentos contra aqueles que tivessem a audácia de sustentar esta heresia. O triunfo de Roselli foi completo. O infeliz franciscano barceloneta teve de negar sua tese, do alto da mesma cátedra em que a havia proferido.

Restou o problema do prepúcio. Segundo os franciscanos, o sangue do Cristo podia ter ficado na terra, pois o prepúcio extirpado durante a circuncisão havia sido conservado na igreja de Latrão e era venerado como uma relíquia sob os olhos do próprio papa e do cardeal. Um século transcorreu quando, em 1448, o franciscano Jean Bretonelle, professor de teologia da Universidade de Paris, submeteu a affaire à faculdade. Uma comissão de teólogos foi nomeada. Após sérios debates, tomou uma decisão solene, declarando não ser contrário à fé crer que o sangue vertido durante a Paixão tivesse ficado na terra. De inhapa, estava resolvida também a questão do prepúcio.

Neste ano da graça de 2006 - 655 anos depois da grave questão do prepúcio - surge em Mauá, na Grande São Paulo, a grave questão dos pentelhos do Cristo. Depois que a Igreja elegeu como ícone o crucificado com uma sumária tanguinha, mais dia menos dia, no decorrer dos séculos, os pêlos viriam inelutavelmente à tona. Quem nos conta é o Estadão de hoje. A encenação da Paixão na cidade está sendo anunciada com a reprodução da pintura Nihil Obstat, do artista plástico Antônio Valentim Nino, na divulgação da peça Os Caminhos de Jesus. Na pintura, o Cristo é retratado na cruz, de terno e gravata, com os pêlos pubianos à mostra.

Heresia. Em sessão extraordinária, a bancada evangélica da Câmara Municipal exigiu de Carriel a retirada de circulação do material e explicações quanto ao conteúdo do espetáculo. O vereador Diniz Lopes dos Santos, presidente da Câmara, classificou como absurda a escolha da pintura para divulgar a peça. "Fiquei estarrecido com o que vi, assim como a maioria da população de Mauá", disse.

Seria o Cristo glabro? Não pode um deus encarnado ter pentelhos? Com a palavra, os teólogos.