¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, dezembro 12, 2006
 
SOBRE A TRANSUBSTANCIAÇÃO


Do leitor Humberto Araújo, recebi a mensagem infra. Agradeço sua observação sobre o fato de a assunção de Maria não estar relatada no Novo Testamento. Já corrigi meu texto nos jornais em que escrevo. Quanto a Nazaré, de fato ela não existe no Antigo Testamento. Só surge no Novo.


Prezado Sr. Janer,

Saudações,

Costumo ler seus textos na internet, e acompanhei a recente discussão sobre o dogma católico da transubstanciação. Mesmo sendo ateu, eu me interesso por tais assuntos, talvez porque convivo com uma família muito religiosa, ligada a uma igreja protestante tradicional.

Penso que o senhor tem razão quanto ao referido dogma. Desde quando eu era bem pequeno, minha mãe, que é protestante, tentava me explicar as diferenças doutrinárias entre a igreja romana e a religião dela. Uma das diferenças que ela enfatizava é o caráter simbólico da santa ceia para os protestantes, que afirmam que Jesus Cristo, quando determina a seus discípulos "fazei isto em memória de mim", queria apenas deixar claro que o ritual era somente uma forma de gravar a paixão na memória dos fiéis. Os católicos, entretanto, segundo minha mãe, acreditavam que a hóstia se tornava realmente o corpo de Cristo, devido à crença deles na transubstanciação.

A explicação de minha mãe fazia sentido para mim, pois eu já havia ouvido outras crianças dizendo que suas mães recomendavam que elas não mordessem a hóstia, porque poderia sair sangue. Até hoje ainda há pessoas mais velhas que dizem isto ("menimo, não morde a hóstia que sai sangue, uai!").

Há ainda a questão da condenação de Galileu. Não me lembro agora, mas li em algum lugar que Galileu foi condenado em 1633 não apenas pela defesa do heliocentrismo, mas também pela defesa do atomismo. Se não me engano, segundo o atomismo da época de Galileu, os corpos são formados por átomos imutáveis, e tal doutrina foi considerada heresia, pois impediria a transubstanciação do pão em carne.

Mas uma coisa que chamou minha atenção em seu texto foi a afirmação de que a ascensão da Virgem Maria aos céus é descrita no novo testamento. Posso estar enganado, pois não tenho uma bíblia aqui comigo, mas lembro-me que minha mãe também costumava dizer que a ascensão de Maria é uma invenção dos católicos, pois não está relatada na bíblia. Sei que a bíblia protestante tem alguns livros a menos que a católica, no velho testamento, e talvez minha afirmação de que a ascensão de Maria não está no texto bíblico seja fruto de minha ignorância acerca das escrituras utilizadas pela igreja romana. Há também na bíblia o relato de uma outra pessoa, além de Jesus e Elias, de quem se diz que foi levado aos céus por Deus antes de morrer: Enoque. Segundo o livro de Gênesis, 5:24, "Deus para si o tomou". Muitos religiosos afirmam que isto significa que ele foi levado para os céus.

Outra coisa que me chamou a atenção em seu texto foi o trecho em que o senhor menciona as palavras de Ratramno, "a encarnação nascida em Belém", e acrescenta um "sic" após o nome da cidade. Acho que já li em outros textos seus a defesa da idéia de que Jesus nasceu em Nazaré, e que a lenda do nascimento em Belém é apenas uma tentativa de adequar a vida de Cristo à profecia de Isaías. Eu acho que esta discussão é também interessante, mas acho que a figura de Jesus é historicamente tão nebulosa, como aliás soem ser as vidas de fundadores de religiões, que é difícil saber até mesmo se houve na história o tal Jesus de Nazaré. Já li em algum lugar que a afirmação de que Jesus era de uma cidade chamada Nazaré foi fruto da ignorância do autor do evangelho acerca do termo nazireu, que significaria, se não me engano, "alguém consagrado a Deus", e não alguém proveniente de um local chamado Nazaré. Li também que nunca existiu a cidade de Nazaré nos primeiros séculos de nossa era, e os locais hoje apontados como sendo a lendária cidade de Jesus foram determinados pela igreja durante as cruzadas. Não pense que tenho desprezo pelas fontes, por não mencioná-las. Acontece que estou escrevendo apenas utilizando minha memória, e se eu encontrar novamente as fontes destas informações, eu informo.

Penso que seus textos sobre a igreja e suas doutrinas, e meu ato de redigir este e-mail sobre eles, revela como ateus que tiveram a infância marcada pela presença da religião costumam manter o interesse acerca dela. Ultimamente eu tenho lido algumas teorias interessantes na internet sobre a hipótese de que Jesus nunca existiu. Essas teorias em geral se baseiam na escassez de fontes sobre a vida de Jesus no século I, mesmo entre os cristãos. Um dos sites mais interessantes sobre esta teoria é o de Earl Doherty, http://jesuspuzzle.humanists.net.

Um abraço,

Humberto Araújo Quaglio de Souza