¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, abril 30, 2007
 
EUROPA RECHAÇA CRISTIANISMO E TABAGISMO



A partir das 5 horas de hoje, segunda-feira, está proibido fumar em lugares públicos - bares, restaurantes e locais de trabalho - na Irlanda do Norte. Na Escócia, o fumo foi proibido nestes locais em março do ano passado e, no País de Gales, um mês depois. No próximo mês de julho, será a vez da Inglaterra proibir o cigarro. O governo britânico proibirá o fumo também em todas as embarcações que naveguem por águas territoriais do Reino Unido. A Irlanda - leio nos jornais - foi o primeiro país a vetar totalmente o tabaco em locais públicos, em março de 2004. O exemplo foi seguido pela Noruega, Espanha, Itália, Malta, Suécia, Escócia, Gales, Letônia e Lituânia. Mês passado, os 16 Estados da Federação Alemã aprovaram a proibição do fumo em restaurantes, com algumas exceções.

Os dias não são propícios para fumantes na Europa. Em fevereiro último, eu estava em Paris quando o fumo foi vetado em lugares públicos. Foi concedido um prazo adicional de onze meses para cafés, restaurantes (em ambientes separados), cassinos e discotecas. Dia 1º de janeiro do ano que vem, fim da tolerância. Nalgum jornal francês, li algo sobre um certo “cabinet suédois” que certos cafés estariam pensando em instalar. A reportagem não explicava em que consistia, mas pelo que entendi seria uma espécie de banheiro concebido exclusivamente para fumar. Porque nos banheiros propriamente ditos também não se poderá fumar. Curioso imaginar os clientes indo de vez em quando ao "cabinet", para exonerar-se de suas vis necessidades.

Os fumantes estão sendo tratados como leprosos na Europa atual. Em aviões, não se fuma mais. Em trens, se antes havia um vagão para fumantes, agora não há mais. Nas gares e aeroportos, também é proibido fumar. Alguns aeroportos reservam um pequeno espaço para os leprosos, que ficam como que engaiolados para a contemplação piedosa dos demais usuários. Eu, que defendo o sagrado direito de todo cidadão adulto chupar câncer, acho que a Europa exagera. Não vejo maiores inconvenientes de fumar em grandes espaços como aeroportos e gares. Mas os governos europeus deixam claro a seus súditos e demais visitantes que o continente já não tolera o tabagismo. O fato é que estas determinações complicam a vida até mesmo do não-fumante. Se você não fuma e seu companheiro ou companheira de viagem é fumante compulsivo, prepare-se para não poucas incomodações.

No fundo, têm razão. O cigarro está matando demais. Ainda em Paris, testemunhei um episódio que dá plenas razões aos adversários do fumo. Um senhor de uns 60 anos, que só conseguia respirar plugado a um tubo de oxigênio, carregado nesses porta-malas de rodinhas, entrou num tabac. São os quiosques onde se vende cigarro na França. Sei lá porque razões, seu símbolo é um acrílico em forma de carotte (cenoura). Se você quiser cigarro, busque a carotte nas ruas. Pois aquele velhote trôpego, que só conseguia respirar com um tubo de oxigênio, entrou no tabac e pediu dois Gauloises, o mata-ratos francês. Enfim, talvez tivesse também sua razão. Se estava para morrer, por que privar-se de seus prazeres?

O tabagismo, para quem não sabe, é o principal legado dos indígenas da América Latina ao mundo. Claro que nenhum rousseauniano defensor do bon sauvage gosta de ouvir isto. Jean Nicotin - daí nicotina - era embaixador francês em Portugal em meados do século XVI e levou uma folha da planta que receberia seu nome para a rainha Catarina de Médicis. O tabagismo, no fundo, é uma vingança póstuma do índio colonizado. Ao mesmo tempo em que a Europa tenta exorcizá-lo, uma outra droga está perdendo seu poder no velho continente, o cristianismo.

Nestes mesmos dias, os jornais trazem também outra notícia alvissareira da Europa. Em crise, as paróquias estão vendendo igrejas. A perda de clientela está levando padres e pastores europeus a comercializar prédios para fins residenciais. "Cada vez mais, o fenômeno da venda de igrejas vem ganhando força em vários países europeus diante da redução drástica de fiéis nos últimos dez anos nos templos". Se por um lado o maior número de vendas ocorre na Inglaterra, Escócia, Suíça e países escandinavos - redutos fundamentalmente protestantes ou luteranos - o fenômeno também se manifesta nas católicas Itália e Espanha.

Segundo o jornal The Times, mais de mil igrejas poderiam fechar ou ser vendidas nos próximos dez anos na Inglaterra. Sir Roy Strong, líder religioso de destaque, chegou a propor que pequenas igrejas dividam seus espaços com centros comunitários e mercados para agricultores. Em Kent, uma das igrejas da região já se transformou em um local de vendas de produtos naturais. Em Yorkshire Dale, a transformação de uma igreja em templo muçulmano gerou protestos, mas acabou sendo aprovada. Territórios sagrados estão passando a ser anunciados nos classificados de imóveis. Por outro lado, candidato é o que não falta para transformar um antigo templo em sua moradia. Há quem ache agradável morar em um local onde tantas pessoas viveram grandes momentos, como casamentos ou batizados.

Os fatos confirmam uma minha antiga tese, a de que a Europa está se libertando aos poucos de dois grandes males da humanidade, o cristianismo e o tabagismo. Ao que tudo indica, estas tendências estão contaminando o Brasil. Já não são poucas as restrições ao cigarro nas capitais do país. Quanto à religião, quem o afirma é uma fonte insuspeita, Don Odilo Scherer, novo arcebispo metropolitano de São Paulo. Nestes dias em que o maior traficante internacional de drogas está por chegar com toda pompa a São Paulo, o príncipe da Igreja, preocupado com o que chama de "fuga silenciosa de católicos", disse a respeito da atual migração religiosa: "É um fenômeno que atinge não somente a igreja católica. A migração religiosa afeta a todos. Estamos nos debruçando sobre a compreensão desse fenômeno, que nos incomoda". Continuou ainda o purpurado: "A oferta é muita. Vivemos no Brasil o efeito da modernidade. As pessoas se assumem como autônomas e livres do ponto de vista religioso".

E depois ainda há quem diga que os jornais só trazem notícias ruins.