¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, maio 23, 2007
 
BENTO, O INCULTO, REMENDA O SONETO



A cada dia que passa, ponho cada vez mais em dúvida a cultura de Sua Santidade Bento XVI. Em janeiro passado, andou falando em reis magos, quando sabemos que a Bíblia, se fala de magos, em momento algum fala de reis magos. Em sua visita ao Brasil, denunciou os teólogos da libertação como milenaristas. Ora, milenarismo é coisa da Igreja. Está no Apocalipse de João. Os ditos teólogos da libertação não querem nada com projetos milenares. Querem a revolução aqui e agora. Andou definindo as religiões evangélicas como seitas, sem lembrar que o cristianismo, antes de Constantino, não passava de uma seita. Nunca antes no Brasil, como diria o Supremo Apedeuta, um papa disse tantas bobagens.

Mas sua gafe maior, que ultrapassou as fronteiras do país e provocou indignação em toda a América Latina e até mesmo na Europa, foi afirmar que "o anúncio de Jesus e de seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de uma cultura estrangeira". Ou o papa nunca leu nada sobre a história de sua igreja - hipótese que não me parece plausível - ou faz pouco da cultura de brasileiros e latino-americanos. Isto foi observado inclusive pela imprensa de seu país natal. O jornal alemão Süddeutsche Zeitung, em editorial intitulado "As fraquezas do Papa", ao comentar na semana passada o discurso final de Bento XVI no Brasil, afirmou: "o culto Joseph Ratzinger mostra fraquezas assustadoras em assuntos histórico-políticos. (...) Então provavelmente no início de outubro de 1492, entre o México e a Terra do Fogo as pessoas ficavam olhando para o mar, pensando 'Onde estão eles? Quando é que nós índios finalmente vamos poder ser cristãos?'"

Ainda segundo o jornal, Bento XVI acabou "neutralizando o pedido de desculpas feito por João Paulo II pelas atrocidades cometidas em nome de Jesus contra os moradores da América Central e do Sul". Ao espiritualizar o resultado de morte, assassinato e exploração, o Papa teria passado a mensagem de que "no final das contas, os sobreviventes aceitaram Cristo, e tudo bem".

Algum assessor vaticano deve ter sussurrado aos ouvidos de Sua Santidade algo sobre a crassa bobagem que proferiu no Brasil. Tentando remendar o soneto, Bento XVI tentou amenizar hoje suas declarações. Ao fazer um balanço de sua visita, em sua costumeira audiência das quartas-feiras no Vaticano, disse: "Não podemos ignorar os sofrimentos e as injustiças impostas pelos colonizadores às populações indígenas, cujos direitos humanos e fundamentais foram freqüentemente ultrajados".

Até aí, apenas uma admissão de que falara bobagens no Brasil. O problema é que quis esmiuçar suas desculpas e a emenda acabou saindo pior que o soneto. Classificou os excessos cometidos pelos colonizadores como crimes e disse que estes já tinham sido condenados antes por missionários como Bartolomé de las Casas e teólogos como Francisco de Vitória, da Universidade de Salamanca, na Espanha.

Como escreveu o jornal alemão, Bento de novo revelou fraquezas assustadoras em assuntos histórico-políticos. Nenhum historiador que se preze levaria a sério o depoimento de de las Casas. Para começar, o frei espanhol escravizou índios e africanos em seu repartimientos em Hispaniola (Haiti) e Cuba, na prospeção de suas minas de ouro. Mais tarde tomou partido contrário e passou a pregar contra o sistema de encomiendas, denunciando-o como injusto. Seus relatos sobre a colonização espanhola são hoje considerados delirantes e tidos como a origem da lenda negra. O criador desta expressão, Julián Juderias, assim a define, em seu livro La Leyenda Negra, de 1914:

"Ambiente criado pelos relatos fantásticas sobre nossa pátria, que vieram à luz pública em todos os países, as descrições grotescas que se fizeram sempre do caráter dos espanhóis como indivíduos e coletividade, a negação ou pelo menos a ignorância de tudo que é favorável e formoso nas diversas manifestações da cultura e da arte, as acusação que em todo tempo foram lançadas sobre Espanha".

Em 1944, o American Council of Education definiu o conceito como "uma expressão empregada pelos escritores espanhóis para denominar o antigo corpo de propaganda contra as gentes da Península Ibérica, que começou na Inglaterra no século XVI e foi desde então uma conveniente arma para os inimigos da Espanha e Portugal nas guerras religiosas, marítimas e coloniais destes quatro séculos".

Como as esquerdas contemporâneas, que o têm como guru, de las Casas considerava que os únicos donos do Novo Mundo eram os índios e que os espanhóis só deviam lá ir para o trabalho de conversão. Ou seja, os indígenas não passavam de bugres que ainda não tinham tido conhecimento da verdade do cristianismo. Renunciou a seus escravos, mas sua arrogância de colonizador permaneceu intacta.

Bartolomé de las Casas é visto pelos teólogos da libertação latino-americanos como um precursor de sua teologia marxista. Parece que nenhum assessor vaticano se preocupou em alertar o Bento que, em suas desculpas, ele invocava o guru dos teólogos que condenou. Tampouco houve uma santa alma que o advertisse que estava assumindo a lenda negra.

Quem diz besteiras uma vez sempre tende a repeti-las. Deixemos que o homem fale. Novas besteiras virão.