¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, junho 13, 2007
 
POR QUE NÃO CONHEÇO MEU PAÍS



Conheço bastante bem a Europa. O único país desta Europa de cá que não conheço é a Islândia. Não que não me atraia. Mas fica muito longe, é muito caro e muito fora de mão. Também não visitei aqueles paraísos fiscais disfarçados em principados. É turismo para milionários, e este não é meu caso. Fiz também algumas incursões ao mundo socialista e muçulmano. Foram viagens desconfortáveis, mas pedagógicas. A pior viagem que fiz foi a mais importante. Foi quando fui à Romênia, na época dos Ceaucescu, e vi de perto a miséria do socialismo. Gostei de Praga, Budapeste e Skopje, na Macedônia. Apesar de libertos do jugo do socialismo, eles ainda estão longe do capitalismo ocidental. Na Rússia, estive em São Petersburgo. Valeu a viagem, mas irrita. Depois de dez anos da queda do Muro, eles ainda não haviam conseguido libertar-se da burocracia comunista. Com isto quero dizer que o bom deus dos ateus foi generoso comigo. O que pouco ou nada conheço é o Brasil.

Das capitais, só conheço até o Rio de Janeiro. Enfim, um dia fui a Brasília. Sempre detestei aquela cidade, antes mesmo de conhecê-la. Acho que fui só para comprovar minha ojeriza. Desconheço cidade concebida mais erradamente no mundo. Sua arquitetura e urbanismo só podia ter surgido da cabeça de comunistas. Não conheço nada do Norte nem Nordeste. Todos os amigos que tentam puxar-me para lá fracassaram redondamente.

Amigos tentaram me fazer ir até as cidades históricas de Minas. Para ver aquelas igrejinhas? Não, muito obrigado. Já vi maiores e melhores. Quando estes amigos urdiam uma sub-reptícia campanha para me conduzir até lá, encontrei uma alma providencial em um bar que me disse: “Você já foi às cidades históricas de Minas? Não? Então não vá. É só incomodação”. Quase o beijei em pleno bar. Era tudo que queria ouvir.

Ainda há pouco, amigos quase me levaram manu militari para um tour fluvial entre Belém e Manaus. Dei uma olhadela nas temperaturas locais e já desisti. Não consigo viver em temperaturas próximas a 40 graus. Nem mesmo em Madri, que adoro. Na Internet, dei uma olhadela no barco em que viajariam. Me pareceu muito precário. E de um barco não se pode desembarcar em meio à viagem. Eles foram, eu fiquei. De torna-viagem, soube que no barco não havia vinho. Só que o faltava navegar sem vinho. Além disso, quando quero ver águas, eu as quero azuis, de preferência de um azul mediterrâneo. Ou egeu. Não vejo encanto em águas turvas.

Mas não é exatamente isto que me afasta do resto do Brasil. O fato é que, se viajo por meu país, não sinto estar viajando. Todo mundo falando português, discutindo futebol ou a novela das oito. Na melhor das hipóteses, a crônica das corrupções. Viajar, em meu entender, é sair de onde se está. É não mais ouvir o que se fala. Não mais comer o que se come. Só me sinto viajando quando ouço em torno a mim outras línguas, de preferência desconhecidas. Viajar é ir rumo ao anecúmeno. O ecúmeno não tem graça alguma.

Esta minha opção tem me gerado não poucos desafetos. Nunca faltam os afonsos celsos da vida para alegar que "não há no mundo país mais belo do que o Brasil. Quantos o visitam atestam e proclamam essa incomparável beleza. Dentro do enorme perímetro brasileiro, encontra-se tudo o que de pitoresco e grandioso oferece a terra. Ainda mais: encontra-se, em matéria de panorama, tudo o que ardente imaginação possa fantasiar. E os espetáculos são tão variados quanto magníficos".

Que sejam. Em minha primeira viagem à Europa, eu conversava com uma parisiense no salão Opala do já desarmado Eugênio C. Ela voltava da Amazônia, fascinada com o que vira por lá. "C´est fantastique". Eu rumava a Paris, fascinado com o que ainda não vira e não via nada de fantástico na Amazônia. Não a entendia. Na Amazônia só tem índios, árvores e bichos, objetei. Era justo o que a fascinava. Para mim, não dizia nada. Estava muito perto de mim. O ser humano busca sempre o que está longe.

Em Madri, conheci uma montevideana que tinha uma avó galega em Santiago de Compostela, com uns bons 80 anos. Seguidamente convidava a vó para visitá-la.
- Y si fuéramos a Madrid, abuelita?
Nada feito:
- Muy lejos, hijita! Estou muy vieja.
Certo dia, convidou para visitar o Uruguai.
- Y si fuéramos a Montevideo, abuelita?
Montevidéu. Os olhinhos da vóvó brilharam:
- Bueno…

Sem falar que, quando comecei a viajar, ir de Porto Alegre a alguma capital do Nordeste era mais caro do que ir a Madri ou Paris. Em Paris, a Varig oferecia vôos mais baratos para o Brasil do que se eu partisse do Sul. Por estas e por outras razões pouco conheço o Brasil. Viver é optar. Na hora de optar, opto sempre pelo distante e desconhecido. Nem mesmo a cidade onde fiz minhas universidades, nem mesmo a cidade onde me criei, hoje me interessam. Se as revisito, é para rever amigos que por lá deixei. A única coisa que hoje me atrai em alguma cidade brasileira são meus afetos.

"É preciso provocar os brasileiros a conhecerem o Brasil" - afirmou hoje o Supremo Apedeuta, no lançamento do Plano Nacional de Turismo 2007-2010. O Supremo que me desculpe. Conhecemos muito bem o Brasil sem precisar por ele viajar. Até entendo que um francês ou americano, em busca de exotismo, queira visitar favelas no Rio ou hotéis de luxo na Amazônia. Para mim, favelas ou hotéis de luxo nada dizem. Gosto de ouvir gentes falando outras línguas, gosto de comer o que sabe diferente a meu palato, gosto de cidades milenares, de restaurantes centenários.

Viajar pelo Brasil é coisa de turista medroso, com medo de enfrentar o estrangeiro. Vou morrer sem viajar pelo resto do país, disto estou certo. Meus parcos euros, não penso gastá-los viajando pelo déjà-vu. Propor turismo interno é algo que ofende a inteligência de quem gosta de viajar.