¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, junho 27, 2007
 
SOBRE KALOCAINA


Guilherme Roesler escreve em seu blog (http://acao-humana.blogspot.com) sobre um dos mais belos romances que traduzi do sueco, nos anos 70:


O romance, por mais fantasioso que possa parecer, sempre está ligado à realidade. Não existe ficção que seja mera imaginação de situações desligadas do tempo, de um momento definido ou que assim poderá o ser. Talvez, por isso, que a literatura ficcional de nosso tempo perdeu a importância que tinha antigamente. Se os contemporâneos de Zola lessem seu Germinal, acreditariam estar em contato com a verdade. O escritor seria o elo entre a idéia e a realidade, seja esta futura ou presente. Entretanto, as ideologias sufocaram os escritores que imaginavam uma nova sociedade. Não estou me referindo ao aspecto do escritor estar filiado a esta ou aquela corrente de idéias e a ela se entregar de corpo e alma, como o fez Jorge Amado. Refiro-me que as ações práticas e concretas das ideologias, embriagando novos profetas e reformadores sociais, ultrapassaram em muito o que poderia ser imaginado por um ficcionista. Se qualquer escritor, no inicio do século XIX dissesse que, dali alguns anos morreriam 100 milhões de pessoas sob as mãos de um Estado opressor, ou que um Chefe de Estado, antes de dormir, assinasse diariamente listas daqueles que seriam deportados e daqueles que seriam condenados à morte, este escritor seria chamado de louco, irrealista. Entretanto, a ficção ficou superada pelos acontecimentos. Realmente, nosso século sepultou a literatura. Se Adorno disse que não haveria mais poesia depois de Auschwitz, o disse mentirosamente reforçando a crença que tanto mal causou ao século passado e ao século que vivemos.

A literatura não é poesia, mas um meio desta existir. A prosa e a poesia são meios de realização de um objetivo. Se este objetivo é alertar a um futuro próximo bom ou ruim, depende do talento de cada escritor. Mas cada um, dentro do gênero que for sua especialidade, deverá estar calcado em algum ideal, alguma realidade ou mesmo fantasia. A realidade do século XX superou em muito a imaginação de centenas de escritores, poetas e intelectuais. Hoje, vivemos o sepultamento de um defunto.

Entretanto, vários escritores pensaram um presente que fosse não o ideal de todos nos, mas pensaram um futuro sombrio, opressor. Entre os grandes que o fizeram, ninguém melhor que o conhecido George Orwell e a também não tão conhecida escritora sueca Karin Boye. Ambos os escritores imaginaram uma sociedade onde não houvesse liberdade individual, onde não houvesse o Eu, mas apenas o Ele, neste caso representado pelo Estado. Orwell todos nós conhecemos pelo seu clássico 1984, mas Karin Boye não. Seu mais conhecido livro pelo público brasileiro é o seu Kalocaína, que foi traduzido pelo jornalista Janer Cristaldo. O livro de Karin Boye retrata um distopia. Segundo Janer, uma distopia "é a utopia às avessas, o mundo real projetado não para um futuro desejável, e sim para um futuro abominável e - o que é pior - cada vez mais próximo e inevitável".

Um dos meus ensaios preferido do Janer Cristaldo é justamente este: Kalocaína, uma provável fonte de 1984, em que o jornalista faz uma analise de ambas as obras. Uma leitura rara. Segundo Janer, as semelhanças entre as idéias de Orwell e Boye são:

i. a vigilância contínua dos cidadãos pelo Estado
ii. a ausência de arte;
iii. a constância dos duplos;
iv. uma fraternidade, clandestina e paralela ao Estado;
v. a existência de um mundo selvagem, não organizado, e por isso mesmo desejável;
vi. a desconfiança entre os homens como fundamento do Estado;

Só por estas linhas já dá para ter uma noção deste impressionante ensaio. Leia o Kalocaína, uma provável fonte de 1984 clicando aqui:
http://textos-ah.blogspot.com/2007/06/kalocana-uma-provvel-fonte-de-1984.html