¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, abril 21, 2008
 
BRASIL, NAÇÃO DE EXCOMUNGADOS



Brasileira que aborta é católica, casada, trabalha e tem filho – diz em manchete o Estadão deste domingo passado. Este perfil foi traçado por pesquisas da Universidade de Brasília e pela Universidade Estadual do Rio (UERJ, com apoio do Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). O dado a meu ver mais importante do estudo é que 46,4 % das mulheres que abortam são católicas. Isto constitui um alerta significativo para uma igreja que se opõe de unhas e dentes à prática do aborto.

A Igreja gabava-se de ter um rebanho de mais de um bilhão de crentes no mundo todo. Mas que significa ser católico hoje? Em crônica de inícios do ano passado, eu comentava uma pesquisa publicada pelo Le Monde des Religions, suplemento do jornal francês Le Monde, segundo a qual, entre os franceses, só um entre dois católicos crê em deus. Segundo o estudo, se a imagem da Igreja e do papa continuam boas, a esmagadora maioria dos fiéis toma distância em relação ao dogma e permanece aberta ao diálogo com outras religiões. Que significa ser católico? -, perguntava-se o jornal. Ir à missa? Ser batizado? Levar os filhos ao catecismo? A estas definições institucionais, os pesquisadores preferiram uma definição sociológica: é católico todo aquele que se declara como tal.

Mais ou menos algo como pertencer a um clube de futebol. As pessoas estufam o peito ao se definiram como corintianos ou gremistas, mas isto pouco ou nada afeta suas vidas. Comentei na ocasião que católicos são crentes que há muito não se confessam nem comungam, muito menos vão a missas. Comparecem à igreja em ocasiões especiais, tipo batismo ou casamento, eventualmente uma missa do galo. Tampouco lêem a Bíblia. Se lhes perguntarmos o que significa a palavra “católico”, não sabem responder. Crêem vagamente num deus que, teoricamente, premia os justos e castiga os maus, embora o dia-a-dia mostre justamente o contrário. Se o papa condena o aborto, são contra o aborto. Pelo menos enquanto a filha adolescente não engravidar de um marginal. Se o papa condena o homossexualismo, eles também condenarão o homossexualismo. Desde que não tenham um filho ou filha homossexual, é claro. Se interrogados sobre sua religião, dirão sem hesitar: “sou católico”. Mas não têm idéia alguma do deus no qual dizem crer, muito menos dos dogmas da igreja que seguem. Católico é palavra que serve para responder formulários por default. Declaram-se católicos, apenas isto.

Estas mães brasileiras que abortam certamente ignoram que estão, ipso facto, incursas na pena de excomunhão. Esta punição canônica, de modo geral, se aplica geralmente a questões de fé, tais como apostasia, heresia, cisma, profanação das espécies consagradas, violência física contra o Romano Pontífice, absolvição do cúmplice, consagração episcopal sem mandato pontifício, violação do sigilo sacramental, tentativa de celebração da Eucaristia ou de absolvição sacramental e violação do sigilo sacramental. Mas um cânon especial, o 1398, é dedicado ao aborto: Qui abortum procurat, effectu secuto, in excommnicationem latae sententiae incurrit.

Ou seja, quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae. O Código Canônico vai mais longe. Segundo o comentário ao cânon 1398, nenhuma exceção é feita quanto aos motivos do aborto. A excomunhão atinge, portanto, também os que realizam o aborto no caso de estupro da mulher, de deformidades do feto ou de perigo de vida da mãe. E atinge por igual a todos os que, a ciência e consciência, intervêm no processo abortivo, quer com a cooperação material (médicos, enfermeiras, parteiras, etc), quer com a cooperação moral verdadeiramente eficaz, como o marido, o amante ou o pai que ameaçam a mulher, obrigando-a submeter-se ao procedimento abortivo.

Ou seja, segundo o Código Canônico, uma boa metade dos católicos brasileiros está excomungada. Seria oportuno que a Santa Madre revisasse suas cifras quando calcula o número das ovelhas de seu redil em terras brasílicas.

Mas não se preocupem os excomungados. Seus nomes não irão para a Serasa, não serão privados de direitos de cidadão e, salvo raríssimas exceções, dificilmente irão para o cárcere. As penas que atingem o excomungado são de outra natureza. A excomunhão é uma censura pela qual se exclui a alguém da comunhão dos fiéis e não pode consistir mais que na privação dos bens de que dispõe a Igreja, isto é, os bens espirituais ou anexos aos espirituais, mediante os quais a Igreja ajuda os fiéis, em nome de Deus, a conseguir a salvação. Por isso, a exclusão da comunhão dos fiéis representa um significado eminentemente canônico, isto é, a privação de todos os meios de que dispõe a Igreja e a comunidade dos fiéis para a salvação. A excomunhão proíbe receber os sacramentos, exceto a penitência e a unção dos enfermos, e celebrar ou administrar os sacramentos e sacramentais.

Quer dizer, nada que tire o sono de uma mulher que praticou o aborto, de um marido que o recomendou ou dos médicos e enfermeiras que dele participaram. A Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana vai encarar esta realidade?

Eu diria que não.