¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, abril 13, 2008
 
LIBERDADE E SUAS COMPLICAÇÕES



Um amigo gaúcho, mais avançado em idade do que eu, diz ter lido entrevista de uma bióloga especializada em neurociência, na qual ela cita uma frase de Fernando Pessoa: "Não ter Deus, é um Deus também". Continua o gaúcho:

“Como estou num estágio de minha vida com dúvidas a propósito da existência de Deus (estou com quatro livros sobre ateísmo, lendo-os aos poucos e simultaneamente, e acompanhando e apreciando teus escritos sobre o assunto, bem como trocando idéias com um estudante de psicologia ateu convicto), confesso que a citação de Pessoa me deixou preocupado, para dizer o mínimo... Tomei a liberdade de expor-te a questão, buscando orientação e/ou conselho... (de antemão desculpando-me pela talvez impropriedade do proposto). Agradecendo pela atenção, apreciaria teu comentário”.

Bom, para começar eu nunca entendi muito bem o que seja neurociência. A palavra me lembra Lair Ribeiro, um parlapatão que foi guru do Collor de Mello. Ou seja, não vejo muita distância entre neurociência e charlatanismo. Em segundo lugar, é muito estranho que uma bióloga chame um poeta para justificar seus raciocínios. Biologia é ciência. Poesia é delírio. Com todo o apreço que tenho pelo Pessoa: não se pode tomar como verdades as afirmações de um poeta.

Por outro lado, penso que há uma idade para se duvidar da existência de Deus. Isto deve ser resolvido na juventude. Descrer já em idade provecta nos leva à conclusão que nossa vida toda foi uma grande perda de tempo. Há algumas décadas, eu conversava com um padre de 60 anos, que havia descoberto que a idéia de deus não passava de um grande embuste. Ele pegou minhas mãos, encostou o rosto sobre elas e balbuciou: “roubaram minha vida”. Chorava. Que podia eu dizer àquele coitado? A Igreja lhe roubara o gozo dos prazeres da vida e agora já era tarde para recomeçar. Era homem que não conhecera mulheres. Conhecer uma mulher aos sessenta? Até pode ser. Mas é tarde demais.

Não acho que não ter Deus é um Deus também. Eu não tenho deus nenhum. Nem esse outro deus ao qual se referia o poeta. Mas considero o ateu militante como uma contradição ambulante. Se Deus não existe, por que lutar contra ele? Não tenho nenhuma simpatia por esse tipo de gente. Acho que eles estão doidinhos para crer num outro deus.

A este internético amigo, não tenho orientação ou conselho algum. Questões de fé são questões particulares que cada um deve resolver, no silêncio de sua consciência. Quanto mais cedo, melhor. Só posso dizer que o tal de deus não me faz falta nenhuma. Só serviu para perturbar minha vida quando jovem. Quando me desvencilhei dele, senti uma extraordinária sensação de liberdade. Nasci ateu, como nascemos todos. Este é o estado natural do ser humano. A educação é que nos torna crentes.

Minha libertação ocorreu lá pelos 16 ou 17 anos. Deixei de acreditar em Deus ao ler atentamente a Bíblia. Aqueles vários deuses dos quais o Livro fala – pois eles não são um só – só podia ser construção humana. Isso sem falar nos massacres, guerras e genocídios que Jeová ordena. Esse vídeo que escandaliza os muçulmanos na Europa – Fitna – é fichinha diante das atrocidades ordenadas pelo deus judaico-cristã. Confesso desconhecer livro que transpire tanto sangue e ódio como a bíblia cristã.

Em minha adolescência, fui submetido a uma religião de sexto e nono mandamentos. O grande pecado era o sexo. Este foi outro fator que me afastou do tal de deus. Não podia entender como algo tão prazeroso pudesse ser condenável. Primeira providência ao tornar-me ateu: parti em busca frenética de sexo, para recuperar o tempo perdido.

De lá para cá, tenho vivido muito bem meus dias. Más vale un gusto do que cien pesos – dizem os platinos. Eu diria que mais vale um prazer que uma religião. As religiões todas, sem exceção, são exercícios de poder sobre os indivíduos. Servem como uma luva a quem não gosta de liberdade. E estes são legião. Liberdade é algo muito complicado. As pessoas têm de tomar decisões. Há muita gente que não gosta disso. Melhor portar um jugo.