¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, junho 20, 2008
 
SAUDADES DE CARTAS



Escrever cartas foi um hábito que sempre cultivei. Era a comunicação dos tempos antigos, se por antigos entendemos os dias de nossa adolescência. Nos dias de Estocolmo, troquei intensa correspondência com minha Baixinha. Eram dias de ditadura e havia um certo temor no ar. Numerávamos cada carta para saber se alguma havia sido censurada. No fundo, era paranóia pela qual fui contaminado pelo contato com exilados. Nem eu nem ela tínhamos nada a ver com guerrilhas ou ideologias.

As cartas eram esperadas com ansiedade. Levavam uma semana para chegar. Nada mais prazeroso que abrir a caixa de correspondência e ver um envelope com aquela caligrafia querida. Cada carta era lida e relida, e respondida com muito carinho.

Nos dias de Paris, quando escrevia para a Caldas Júnior, sempre deixava meu endereço ao pé da coluna, para auscultar a reação dos leitores. Recebi milhares de cartas e respondi a todas. Nos tempos das máquinas datilográficas. (Hoje, já não consigo escrever em uma dessas máquinas). Tive uma leitora que me escrevia até cinco cartas por dia. Bom, aí é demais, confesso. Em algum momento, já contei esta história. Ela pretendia gerar um novo deus. E o pai... seria eu! Fugi.

Guardo em meus baús centenas de cartas. São peças de museu, lembranças de um passado que não mais existe. Suponho que serão documentos curiosos daqui a alguns anos. Vivemos a época do e-mail. Nada contra. E-mails são rápidos, chegam mal foram expedidos, o que nos obriga a respostas também rápidas. Na época das cartas, nos sobrava algum tempo para pensar na resposta. A epistolografia, gênero cultivado por não poucos escritores do século passado, morreu. E até foi bom que morresse. Os pavões, cientes de sua posteridade, construíam máscaras em suas correspondências, para contemplação dos homens do futuro. O escritor, paralelamente à sua obra, construía uma outra, também fictícia.

O e-mail permite outros requintes. Pode-se mandar fotos, vídeos, música. Quando em Paris, eu não dispunha nem de telex. Minhas crônicas, eu as enviava pela Varig. Escrevia sete, fazia um pacote, ia até os Champs Elysées e as despachava. Podia viajar por onde quisesse, escrever de qualquer parte do mundo, mas dependia sempre de um envelope enviado pela Varig. Escrevia então com sete dias de antecipação, no mínimo. O que era um bom exercício. Tinha de pensar à frente.

Nada contra o e-mail, dizia. Mas que saudades das cartas. Hoje, só recebo correspondência de bancos, IPTU, contas de telefone ou de energia. É correspondência que detesto. Estou adquirindo alergia àquele monte de envelopes padronizados. Vou deixando que se amontoem e tiro um dia no mês para ler tudo.

Em meio a isso, de vez em quando, recebo uma cartinha de minha professora de francês no ginásio. É a última correspondente que me escreve no estilo antigo. Abençoados sejam os neoluditas, que ainda não chegaram à era informática.

Enfim, a correspondência por mail é sempre mais ágil e poderosa. Mas receber uma carta, daquelas antigas, manuscrita e com selos, sempre faz bem.