¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, novembro 22, 2008
 
POLIAMOR, A NOVA SAFADEZA SEMÂNTICA


Se alguns países na Europa já aceitam a poligamia, desde que praticada por muçulmanos, o mesmo não ocorria no Brasil. Pelo menos até ontem. Em Porto Velho, Rondônia, uma mulher obteve na Justiça o direito de receber parte dos bens do amante com quem conviveu durante quase 30 anos. Ele era casado e morreu no ano passado, aos 71 anos.

O juiz Adolfo Naujorks, que concedeu à moça o direito de herança, baseou-se em artigo publicado num site jurídico segundo o qual uma teoria psicológica, denominada "poliamorismo", admite a coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas em que casais se conhecem e se aceitam em uma relação aberta.

Apesar de ter vivido muito mais de duas relações paralelas, confesso desconhecer tal teoria. Em meus dias de jovem, chamava-se isto amasiamento, adultério, infidelidade. Mais adiante, anos 70 para cá, começou-se a falar em relação aberta. Tudo dependia do consenso do casal. Conheci casais que viveram unidos a vida toda, mantendo este tipo de relação. Era um relacionamento honesto, sem mentiras. Mas o Direito jamais reconheceu direito à herança por parte de quem não fosse a mulher legítima. Neste sentido, o matrimônio funcionava como proteção. O marido podia ser infiel à vontade, sem precisar dividir seus bens com a Outra, como se dizia então.

Poliamorismo soa mais elegante. Procurei a palavrinha nos dicionários. Não encontrei. Nem meu processador de texto reconhece a palavra, sempre a sublinha em vermelho. Fui ao Google. Já está lá, talvez muito em função da sentença do juiz de Rondônia. Escreve um jurista: “As relações interpessoais de cunho amoroso, por vezes destoam do padrão habitual da monogamia entre os casais formados por pessoas de sexos diferentes. Assim, encontramos relacionamentos afetivos que envolvem um casal, vale dizer um dos cônjuges e um parceiro ou parceira, os quais se desenvolvem simultaneamente. Ditas relações são denominadas de poliamorismo ou poliamor, e se constituem na coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas ao matrimônio”.

Ah! As palavras... Eu conhecia poligamia, poliandria, até mesmo policromia. Mas o tal de poliamorismo é para mim novidade. Quem diria? Cheguei aos sessenta e ainda descubro palavrinhas exóticas. Me restam no entanto algumas dúvidas. Já que a palavrinha amor é parte constitutiva do novo palavrão, me pergunto: é preciso que exista o tal de amor? Ou sexo puro também serve? O conceito é extensivo a todas as profissionais que curtimos em nossas vidas, ou profissional não vale? Aquela distante namorada, que encontramos de ano em ano, é poliamor? Ou um amorzinho mixuruca, sem direito à herança?

Os muçulmanos são mais práticos. Todo crente tem direito a quatro mulheres e estamos conversados. Não se fala em amor nem poliamor. Mas não precisamos ir até o Islã. No livro que embasa a cultura ocidental, temos o rei Salomão. “Tinha ele setecentas mulheres, princesas, e trezentas concubinas; e suas mulheres lhe perverteram o coração”, lemos no I Reis. Poliamantíssimo, o sábio rei. Bem que gostaria de ter meu meigo coração assim pervertido.

Após a morte do empresário de Rondônia, a amante, que por lei não teria direito à partilha de bens, entrou na Justiça com uma ação declaratória de união estável, dizendo que dependia financeiramente dele e que compartilhou com ele esforço comum na formação do patrimônio. O pedido foi contestado pelos dois filhos do casamento, que pediram a condenação dela por má-fé e argumentaram que a lei nacional baseia-se no relacionamento monogâmico. Segundo trecho do artigo usado na sentença, "as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo".

Alvíssaras! Novidade na cultura ocidental. Finalmente o Direito reconhece que o tal de amor não precisa ser monogâmico. Mas minhas dúvidas permanecem. A sentença não estabelece quantas pessoas se pode amar ao mesmo tempo. Só duas? Ou vinte também vale? E o harém do rei Salomão? Pode? Tampouco esclarece se uma mulher pode amar dois ou mais homens. Pelo que se deduz da questão, quando um homem ama duas mulheres é poliamor. Já uma mulher amando dois ou mais homens, vai ver que é puta mesmo.

Não imagine o leitor que condeno a sentença do juiz Naujorks. Pelo contrário, creio que supre uma lacuna do Direito. Monogamia é moeda rara. As pessoas são – e particularmente os machos – naturalmente polígamas. O Estado finge que a monogamia é regra e o direito de família se alimenta desta ficção. O que me incomoda é a safadeza semântica. Por que criar um nome novo para uma realidade antiga? Por que batizar poligamia de poliamor? Só porque o Direito proíbe a poligamia?

Então tudo se torna muito fácil. As esquerdas entendiam bem disto. Roubo não era roubo, mas expropriação. Os terroristas que assaltavam bancos no Brasil não assaltavam bancos. Apenas expropriavam os detentores do capital. Assassinato não era assassinato, mas extinção física. Luís Carlos Prestes não mandou assassinar Elsa Fernandes. Apenas ordenou sua extinção física. Caixa 2 virou recurso não contabilizado. O PT nunca teve caixa 2. Apenas recursos não contabilizados.

Poligamia? Que é isso? Afinal, não somos brutos muçulmanos. Diga poliamor. É mais elegante e dá direito a herança.