¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, dezembro 26, 2008
 
CONY E BENTO XVI,
A GRANDE DISPUTA



Em princípio, quando se disputa algo, disputa-se algo meritório. Não parece ser o caso de Bento XVI e Carlos Heitor Cony, ambos empenhados em um estranho combate, o de demonstrar um mais ignorância que o outro. Ontem, foram uníssonos em afirmar uma grande bobagem, o nascimento de Cristo em Belém. Já coincidiram em outra, a de falar em Reis Magos, quando não existe rei mago algum na Bíblia.

Hoje, na Folha de São Paulo, Cony abriu larga vantagem sobre o Bento. Escreve o erudito imortal:

Um autor escandinavo - não lembro o nome dele, é um nome complicado, com seis consoantes, um trema, dois acentos circunflexos e uma única vogal - conta a história do sujeito que ia ser enforcado. Ao sentir que o carrasco botava a corda em seu pescoço, teve um pensamento que o consolou: "Amanhã, não precisarei escovar os dentes".

Sem ser especialista em literatura escandinava, ponho em xeque a afirmação do cronista. Desconheço autor escandinavo cujo nome tenha seis consoantes e uma única vogal. Até concedo: pode ser que exista e eu o desconheça. Mas um nome com uma só vogal não pode ter dois acentos e ainda por cima um trema. Como consoantes não têm acentos nem tremas, não é preciso conhecer literatura escandinava para perceber que Cony disse bobagem.

Segunda besteira, afirmar a existência de acento circunflexo em línguas escandinavas. Este diacrítico - sinal gráfico que se coloca sobre, sob ou através de uma letra para alterar o seu som - existe em onze línguas. Nos idiomas escandinavos, só existe no norueguês, e em apenas três palavras: fôr (do antigo norueguês fóðr, comida de animal), lêr (do antigo norueguês leðr, pele) e vêr (do antigo norueguês veðr, estado atmosférico). É acento em extinção. Até pode ser que o nome do tal de autor seja uma palavra emprestada. Palavras emprestadas existem em todas as línguas. No inglês, por exemplo, usa-se rôle, do francês, no sentido de status, posição social. Mas uma palavra de uma só vogal com dois acentos não é viável. E mais um trema. Não pode.

Em terceiro lugar, não existe trema nas línguas escandinavas. O trema é um outro diacrítico, usado para alterar o som de uma vogal ou para assinalar a independência dessa vogal em relação a uma vogal anterior. Em sueco, existem o ä e o ö, mas no caso não se trata de trema. Os dois pontinhos são constitutivos da própria vogal. Dizer que constituem um acento é a mesma bobagem que afirmar que o tracinho no ø de Tromsø ou a bolinha no å de Luleå ou Umeå são acentos apostos a vogais. Nada disso, fazem parte da vogal.

Um leitor aventa a hipótese de que Cony estaria fazendo ironia em relação aos idiomas escandinavos. Se estava, foi infeliz. De qualquer forma, não fazia ironia quando falou dos reis magos e do nascimento de Cristo em Belém. Foi ignorância total do imortal. Vamos ver a próxima jogada do Bento. Aposto que não vamos esperar muito.