¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quinta-feira, dezembro 18, 2008
 
FANATISMO IANQUE INVADE
UNIVERSIDADES NO BRASIL



Comentando o livro Deus, um Delírio, de Richard Dawkins, escrevi ano passado que sua argumentação, opondo a ciência à fé, é inútil. Pois os crentes são infensos à razão. Continuando a leitura do livro, encontrei um caso exemplar que confirma minha afirmação. Dawkins fala de Kurt Wise, um geólogo americano que hoje dirige o Centro para Pesquisas no Brian College, em Dayton, Tenesse. Falei outro dia também do filme E o vento será tua herança, de 1960, dirigido por Stanley Kramer, que retoma uma discussão - em verdade, um processo - de 1925, quando o promotor William Jennings Bryan, na mesma cidade de Dayton, acusou de darwinismo o professor de ciências John Scopes, que foi preso por ensinar esta hipótese. O Bryan College deriva do promotor Bryan.

Era de imaginar-se que a questão estivesse sepultada já no início do século passado. Não está. Os Estados Unidos, ao lado de Israel, Arábia Saudita e Vaticano, é um dos Estados contemporâneos que mais gera fanáticos. O pior é que exporta fanatismo. Não só fanatismo, como estupidezes outras. O Brasil adora importá-las. Já caímos no engodo das cotas raciais, equívoco ao qual os ianques já estão renunciando. Colonizados culturalmente, achamos salutar, digno e justo privilegiar negros em universidades e mesmo no mercado de trabalho. O último besteirol importado é a discussão entre darwinismo e creacionismo.

Wise era um cientista altamente qualificado e promissor e sua educação religiosa exigia que ele acreditasse que a Terra tinha menos de 10 mil anos de idade. O conflito entre sua religião e sua ciência fez com que tomasse uma decisão. Sem conseguir suportar a tensão, atacou o problema com uma tesoura. Pegou uma Bíblia e a percorreu, retirando literalmente todos os versículos que teriam de ser eliminados se a visão científica do mundo fosse verdadeira. Concluiu então:

"Por mais que eu tentasse, e mesmo com o benefício das margens intactas ao longo das páginas das Escrituras, vi que era impossível pegar a Bíblia sem que ela se partisse ao meio. Tive de tomar uma decisão entre a evolução e as Escrituras. Ou as Escrituras eram verdade e a evolução estava errada ou a evolução era verdade e eu tinha de jogar a Bíblia fora. Foi ali, naquela noite, que aceitei a Palavra de Deus e rejeitei tudo que a contradissesse, incluindo a evolução. Assim, com grande tristeza, lancei ao fogo todos os meus sonhos e as minhas esperanças na ciência.

"Embora existam razões científicas para aceitar uma terra jovem, sou criacionista porque essa é a minha compreensão das Escrituras. Como disse para meus professores, anos atrás, quando estava na faculdade, se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a palavra de Deus parece indicar. Essa é a minha posição".

Temos então um cientista que larga mão da razão e da lógica e aceita as potocas de um livro mítico. Era em verdade um crente, não um cientista. O Instituto Presbiteriano Mackenzie, de São Paulo, aqui ao lado de onde vivo, abrange uma universidade e uma escola com mais de 1.800 alunos. Ponto de referência na cidade, o Mackenzie acaba de adotar a doutrina criacionista.

Segundo o criacionismo, Deus criou o mundo com todas as espécies que existem hoje. Isto é, pra começar você tem de acreditar em Deus. É normal que escolas confessionais assim pensem. O que não é normal é que uma universidade, onde deveriam imperar métodos científicos, assuma oficialmente questões que pertencem ao campo da fé. A direção do Mackenzie não nega os avanços da biologia trazidos pelo darwinismo, mas acredita que é preciso opor-lhe o contraditório. Em outras palavras: ensinar a seus alunos que há outra explicação, de fundo religioso, para a origem das espécies.

A discussão de 1925, nos Estados Unidos, chegou finalmente ao Brasil. Com quase um século de atraso, é verdade, mas colônia é assim mesmo. Quase 200 anos depois de Charles Darwin (1809-1882) e 150 após a publicação de sua grande obra, “Origem das Espécies”, os educadores do Mackenzie aceitam só o que chamam de “microevolução” (organismos se adaptam a novas condições do meio). Mas não aceitam a “macroevolução”, já que as novas espécies seriam criadas por Deus. A doutrina criacionista não é apresentada somente nas aulas de religião, mas igualmente nas de ciências.

Os jornais assumiram o debate e não poucos articulistas consideram ser normal que o creacionismo seja ensinado em aulas de religião, enquanto o darwinismo seria aceitável em aulas de ciência. Grossa bobagem. Não vejo nada demais que em uma aula de ciências alguém levante a hipótese do design inteligente – eufemismo criado para insinuar que na Bíblia existe algo de científico – como também não vejo nada demais que, em uma aula de religião, alguém avente a hipótese do darwinismo. Segundo a teoria do design inteligente, a natureza é tão complexa e os organismos tão perfeitos que só o desígnio de um arquiteto (Deus) pode ter sido responsável por sua criação. O que resta saber é se um aluno, numa escola confessional, será reprovado em um exame ao afirmar que não aceita o creacionismo.

É deplorável que o fanatismo ianque esteja invadindo universidades no Brasil. Considero que se alguém passa por uma universidade – instituição que deveria se pautar pelo pensamento científico – e dela sai acreditando em Deus, é porque a universidade falhou em sua missão, a de ensinar o que não é falso.

E nisto estamos em São Paulo, a cidade mais informada do país. Em pleno século XXI, ministrando ensino a partir dos mitos do Gênesis.