¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

sexta-feira, fevereiro 27, 2009
 
ÓBVIO IRRITA PLANALTO


Comentei ontem a insólita afirmação do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que afirmou que financiar o ilícito é também uma ilicitude. O ministro classificava ainda como ilegais as invasões do MST. Finalmente uma alta autoridade do Judiciário descobria o óbvio.

O primeiro a se coçar foi – et pour cause – o governo, um dos grandes financiadores da guerrilha católico-comunista. Leio no Estadão de hoje que assessores do Planalto consideraram inadequada a atitude do ministro. Qualificaram como descabido o fato de Mendes opinar fora dos autos.

Ora, o ministro não estava exatamente opinando fora dos autos. Estava apenas enunciando um princípio geral de Direito. Se financiar o ilícito não é também ilícito, então posso contratar quem quiser para eliminar um desafeto e não estou cometendo crime nenhum. O paralelo pode parecer chocante, mas é isso mesmo. O fato é que, nas esferas do atual poder, há muito deixou-se de considerar crime a invasão de terras ou prédios pelos ditos “movimentos sociais”. Se é movimento social, pode invadir à vontade. O que não pode é invadir por razões individuais. Se você invadir o campo de seu vizinho por achar que precisa de mais espaço para seu gado, é óbvio que estará comentendo um crime. Mas se invadir em nome do MST, está apenas reivindicando o bom direito.

Há muitos crimes no Brasil que há muito deixaram de ser crimes. Entre estes, o aborto ou o uso de drogas. Estima-se em um milhão o número anual de abortos no país. Será que a polícia ignora onde se situam as clínicas que praticam um milhão de abortos? Ou uma rave. Todo mundo sabe, desde à polícia até os pais que financiam seus filhos, que não se concebe rave sem drogas. Mas todo mundo faz que não vê e estamos conversados. Se para o Planalto é descabido afirmar que financiar o crime é crime, mais um pouco e não será crime financiar o tráfico de drogas. Passará a ser algo tão simples, justo e legal como investir na Bolsa.

Para o governo, contra toda a lógica, não há ilegalidade no repasse de recursos para o Movimento dos Sem-Terra (MST). Assessores palacianos lembram que, no passado, quando houve denúncia semelhante, estudos feitos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário não detectaram repasses irregulares. Ora, não é que os repasses sejam irregulares. Que eles são regulares, disto sabemos. Mas regular não é sinônimo de legal. Tanto o governo como as ONGs internacionais que financiam o MST estão financiando bandoleiros que fazem do crime uma bandeira.

Já a cúpula do Congresso endossou as críticas de Gilberto Mendes ao financiamento público dos sem-terra. Para os presidentes do Senado e da Câmara, José Sarney e Michel Temer , o Poder Judiciário deve coibir ilegalidades quando houver desrespeito à Constituição. Mais duas antas descobrindo a América.

Para o advogado Patrick Mariano, porta-voz da Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), Mendes "usa o cargo de magistrado para fazer política. Isso é arriscado para a democracia. Afinal, o que se pode esperar de um magistrado que se manifesta politicamente a respeito de uma questão, que mais tarde será julgada por ele? O que se espera de um juiz é imparcialidade e serenidade".

Ora, Mendes não estava fazendo política. Tampouco estava se manifestando politicamente a respeito de questão alguma. Estava apenas enunciando um postulado elementar do Direito: é crime financiar o crime. Mariano também lembrou que não foi a primeira vez que Mendes investiu contra o MST. "No discurso de posse ele já havia atacado o movimento".

Como afirmei ainda ontem, tudo não passará de um arroubo de retórica, um sonho de uma noite de verão. Ficará o dito pelo não-dito e o governo continuará financiando serenamente a bandidagem. Para poupar o Supremo Apedeuta de um pronunciamento, os áulicos do Planalto já tomaram a iniciativa de desqualificar o ministro. Isto não é coisa que se diga. Ainda mais quando quem a diz é um dos mais altos magistrados da nação. Espera-se a manifestação urgente do comissário do povo Tarso Genro.

Mais um pouco, e ilícito será afirmar que é ilícito financiar o ilícito.