¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, julho 21, 2009
 
EM RESPOSTA AO RODRIGO


Meu caro Rodrigo:

Não creio que vaidade seja pecado. O problema é ter vaidades pessoais financiadas com dinheiro público. Se um cinqüentão quer investir em um doutorado, pagando do próprio bolso seus estudos, não vejo mal maior. O mal está, a meu ver, em usar dinheiro do contribuinte só para ter um diploma na parede, sem que isto se traduza em magistério.

A vontade de ter PhD aos 30 é tão vaidade quanto obtê-lo aos 60 – você afirma. Não é bem assim. As universidades hoje estão exigindo doutorado para o magistério. E 60 já é idade de aposentadoria. Para mim é patético ver um sexagenário - idade que significa muitas leituras e experiência de vida – submeter-se a metodologias estéreis de doutorezinhos jovens, que mal sabem onde têm o nariz. Este é o mal dos doutorados, sejam doutorados jovens ou senis, a maldita metodologia. Falo das ciências humanas, é claro.

Quelle est votre méthode? – perguntou-me um de meus inquisidores na defesa de minha tese. Nenhum, respondi. Ou, se quiser, ma méthode c’est la cristaldesque. Não estou aqui para refletir sobre dois escritores tomando emprestado o pensamento de um terceiro. Eu também sei pensar. A banca relutou, demorou uma boa meia hora para chegar a um veredito, mas me concederam o título.

Não o busquei por vaidade, nem mesmo pela intenção de lecionar. Meu doutorado teve uma única motivação: conhecer Paris, suas mulheres, sua cultura, sua gastronomia, seus queijos e seus vinhos. Nada mais do que isso. A condição para tal era defender uma tese? Ok! Defendo. Passei meus dias de jovem defendendo teses em bares, de nada me custaria defender mais uma em um anfiteatro. Fiz um doutorado por mero diletantismo.

Estava em meus trinta anos, junto a colegas da mesma idade. Me sentiria muito mal se tivesse sessenta, disputando com jovens o que deve se disputar quando se é jovem. Mais ainda: não tinha compromisso algum em defender tese. Eu a defendi primeiro porque costumo honrar meus compromissos. Segundo, porque me havia comprometido, junto a um dos autores estudados – Ernesto Sábato – a escrever um ensaio sobre sua obra. Foi o que fiz.

Canudos não me interessam. Tanto que nem peguei o meu em Paris. Havia uma burocracia tão tola para apanhá-lo que me irritei. Deixei-o então por lá. Devo ser o único doutor que desistiu de pegar seu título.

Tive um amigo, já perto dos sessenta, que decidiu enveredar por esse caminho. Formou-se pela USP. Por circunstâncias acadêmicas, trocou duas vezes – ou talvez três, já não lembro – de orientador. Cada orientador tinha seus gurus prediletos. A cada troca, novas bibliografias, novos enfoques. Este meu amigo – que fizera guerrilha urbana, diga-se de passagem – fora preso, torturado e condenado a quatro anos de prisão. Não se intimidou com prisão nem com tortura nem com condenação. Mas curvou a cerviz bonitinho ante os PhDeuses uspianos. Foi cerceado em sua liberdade de pensamento, foi obrigado a escrever o que banca queria que escrevesse, e cumpriu o ritual ridículo, a defesa de tese. Ora, se a USP exige uma prévia para aprovar uma tese, para que a cerimônia se a tese já está aprovada? Puro teatro. Muito triste, um homem já no entardecer da vida, ter de submeter seu pensamento ao arbítrio de jovens arrogantes.

Você diz, Rodrigo, gostar de meus textos pela qualidade intelectual, não por meu curriculum. Flatté. Mas o doutorado teve a ver algo com isso. De pouco me serviram as escassas aulas que tive na Sorbonne Nouvelle. Mas de muito me serviram os quatro anos que vivi em Paris. Tive um bom conhecimento da França e de sua cultura, como também da Europa. E, conseqüentemente, do Brasil. Gosto de repetir a frase de Chesterton: não se conhece uma catedral permanecendo dentro dela. Sair do Brasil foi fundamental para conhecer o Brasil. O homem não conhece exatamente valorando. Mas comparando.

Quanto a crônicas sobre religiões, com a devida vênia, você vai ter de me suportar. É um de meus temas prediletos e, a meu ver, o que mais causa comoção entre meus leitores. Quando escrevo sobre o assunto, recebo em geral uma saraivada de xingamentos. É porque toco em chaga aberta. Sem falar que hoje, liberto de qualquer preocupação acadêmica, tenho me dedicado a ler sobre história das religiões. Um tratado de teologia me diverte mais do que qualquer ficção.

Mas, enfim, essas crônicas você pode muito bem deixar de lado. Em sua honra, vou reproduzir um texto que publiquei há bem mais de quinze anos – “Da inutilidade dos cursos de Letras” – e que até hoje tem sido lido e relido por quem estuda Letras.

Grande abraço.