¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, dezembro 16, 2009
 
NADA DE NOVO SOB O SOL


Há Estados interferindo na legislação de outros Estados. Nestes dias em que estive na Espanha, Baltasar Garzón, o famigerado juiz espanhol, pretendeu julgar os familiares de Pinochet por supostos crimes cometidos ... no Chile. A impressão que o magistrado deixa é que a Espanha se arroga o direito de julgar atos em qualquer país do mundo. Isto não é novo. Nos anos 90, um cidadão francês foi condenado por crime que teria cometido... na Tailândia. Só que na Tailândia não era crime. Comentei isto há quase dez anos.

Amnon Chemouil, funcionário dos transportes públicos franceses, descobriu em 92 a praia de Pataya, na Tailândia, para onde voltou em 93 e 94. Na terceira viagem, em companhia de um turista suíço, Viktor Michel, decidiu iniciar-se na pedofilia. Viktor trouxe-lhe uma menina de 11 anos, que praticou uma felação em Chemouil, pelo preço módico de 125 francos. Até aí, nada fora do previsível. É internacionalmente sabido que o Estado tailandês tolera tais práticas, daí boa parte do afluxo turístico àquele país. O suíço, que além de pedófilo era voyeur, filmou a cena. De volta ao mundo europeu, Chemouil recebeu do amigo suíço uma cópia do vídeo, para sua coleção. E aqui começam os problemas do funcionário.

Anos depois, em uma revista no apartamento de Viktor, a polícia suíça encontrou o vídeo e enviou uma cópia do mesmo à gendarmeria francesa. Chemouil foi detido e levado ante um tribunal parisiense, que o acusava de transgredir o código penal francês de 94, pelo crime de violação sexual de menor. Além do mais, uma lei aprovada em 17 de junho de 1998, autoriza os tribunais franceses a julgar as "agressões sexuais cometidas no estrangeiro", mesmo quando os fatos imputados ao acusado não sejam considerados delitos no país onde foram cometidos.

Claro que a França jamais condenaria um cidadão francês que fosse a Cuba – como vão – para curtir os encantos de uma jinetera a preço de baguete. Nem a Alemanha condenaria os Fritz que vêm ao Brasil em busca das celebradas mulatas do Rio e Bahia. Quanto à Tailândia, é crime. Mesmo que lá não seja crime.

Na ocasião, o escritor peruano Vargas Llosa, em artigo para El País, afirmou que o precedente estabelecido pela França é impecável, pois uma democracia moderna não pode aceitar que, saltadas as fronteiras nacionais, seus cidadãos possam ser exonerados de responsabilidade legal e delinqüem alegremente porque, no país estrangeiro, não existem normas jurídicas que proíbam aquele delito. (...) Os legisladores franceses decidiram estender a jurisdição das leis e códigos a esta sociedade globalizada de nosso tempo, o que permitiu assentar um precedente e um exemplo, como ocorreu, já não no campo dos delitos sexuais, mas no dos crimes contra a humanidade, com o general Pinochet na Espanha e Inglaterra.

O lúcido Vargas Llosa parece ter-se imbuído da arrogância européia, que se julga no direito de julgar um chileno por crimes cometidos no Chile, mas jamais ousaria pedir a cabeça de um Clinton ou Blair pelo bombardeio de populações civis na Iugoslávia. Diga-se de passagem, Barack Obama acaba de receber um Nobel da Paz por seus bombardeios no Afeganistão.

Por uma lei de 1998, Amnon Chemouil foi condenado na França a sete anos de prisão. Por um fato ocorrido em 1994, na Tailândia. Não é preciso ser versado em Direito, para entender-se que tal atitude gera uma insegurança total no campo dos atos humanos. Ora, no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, lemos: "Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento de sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito nacional ou internacional".

Tenho comentado, ao longo destas crônicas, uma outra tendência cada vez mais em moda em nossos dias, a de criar diferentes legislações para os cidadãos pertencentes a um mesmo Estado. No Brasil, negro vale por dois brancos em vestibular, índio pode espancar mulheres e matar crianças, desmatar e exportar mogno, o MST pode invadir propriedades e próprios federais, demolir laboratórios e culturas transgênicas. Se um outro cidadão que não pertence a estas tribos fizer o mesmo, cai sobre ele todo o rigor da lei.

Na Europa, os muçulmanos reivindicam o direito a práticas que na Europa constituem crime, como a ablação do clitóris e a poligamia. Na Alemanha, citando o Corão, a juíza Christa Datz-Winter, de Frankfurt, negou o pedido de divórcio feito por uma mulher muçulmana que se queixava da violência do marido. A juíza declarou que os dois vieram de um "ambiente cultural marroquino em que não é incomum um homem exercer um direito de castigo corporal sobre sua esposa". Se um alemão bate em sua mulher, estão estabelecidas as condições para o divórcio e para a punição do marido. Muçulmano pode bater à vontade.

Costumo afirmar que quando em um Estado há duas ou mais legislações, então há dois ou mais Estados. Falei em “tendência cada vez mais em moda em nossos dias”. Me corrijo. Isto não vem de nossos dias. Há dois mil anos, uma seita de fanáticos já tinha a mesma pretensão.

Celso, nobre romano, autor de Discurso Verídico, que foi queimado pela Igreja e do qual só temos notícia pela contestação de Orígenes em Contra Celso, em sua época já acusava os cristãos de rebeldes contra a ordem estabelecida. Se se negavam a participar na vida pública e civil, isto equivalia a estabelecer um Estado dentro do Estado, com normas e costumes próprios, mas distintos aos do Império. Se se contentassem em anunciar um deus novo, isto pouco importava aos romanos. Mais deuses, menos deuses, tanto faz como tanto fez. Ocorre que se empenhavam em denegrir os deuses do país que os acolhia.

Como dizia o Koelet, nada de novo sob o sol.