¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, fevereiro 28, 2010
 
PRESCRIÇÕES DE
MEU UROLOGISTA



Quem me acompanha, sabe de meu apreço por leituras de teologia, religiões e história do cristianismo. Para meus desafetos, isto é sinal que ainda não encontrei uma fé e estou vivendo uma crise espiritual. Nada disso. Desde há muito sou ateu e convivo serenamente com esta condição. No dia em que deixei de acreditar em Deus e nas coisas do além, fui tomado por uma extraordinária sensação de liberdade. Se hoje leio livros sobre teologia ou religiões, por um lado os leio para divertir-me. Nada mais risível do que ver as acrobacias intelectuais dos teólogos para justificar o injustificável, para provar o improvável. Por outro lado, estas leituras me ajudam a entender o Ocidente e as circunstâncias em que vivo. Ninguém conseguirá entender este nosso mundinho se não conhecer a história do cristianismo.

Um de meus pavores é estar em algum lugar público, esperando algo ou mesmo nada esperando, sem ter nada para ler. Quando saio à rua, me muno de jornais e livros. Considero que um homem bebendo solitário em um bar, sem nada para ler, é um bêbado em potencial. Ou, no mínimo, um homem vazio. Já um homem que bebe tendo um livro nas mãos é outra coisa. É um leitor que bebe enquanto lê. Este medo de estar sem leitura em lugares públicos até ganhou um nome, criado por esses construtores contumazes de palavras: biblioagorafobia. Biblioagorafobo desde o berço, me sinto no deserto se sento em algum café ou bar sem leitura em punho. Meu urologista também.

Sempre o encontro nos cafés de meu bairro. Temos algo em comum: ele está sempre absorto, mergulhado em leituras, alheio ao universo que o cerca. Não que leia sobre medicina. Ele lê em todas as direções. E particularmente sobre religiões e história das religiões. É leitor entusiasta, daqueles que se entregam a um bom livro com o mesmo prazer de gourmet que degusta um bom prato. Sempre que nos encontramos, trocamos bibliografias. Em nosso último encontro, prescreveu-me dois livros.

O primeiro foi História do Cristianismo – para compreender melhor nosso tempo, antologia de ensaios organizada por Alain Corbin. Onde leio, já na introdução:

“O cristianismo impregna, com maior ou menor evidência, a vida cotidiana, os valores e as opções estéticas até mesmo dos que o ignoram. Ele contribui para o desenho da paisagem dos campos e das cidades. Às vezes, ganha destaque no noticiário. Contudo, os conhecimentos necessários à interpretação dessa presença se apagam com rapidez. Com isso, a incompreensão aumenta.

“Admirar o monte Saint-Michel e os monumentos de Roma, de Praga ou de Belém, deleitar-se com a música de Bach ou de Messiaen, contemplar quadros de Rembrandt, apreciar verdadeiramente certas obras de Stendhal ou de Victor Hugo implica poder decifrar as referências cristãs que constituem a beleza desses lugares e obras-primas. Entender os debates mais recentes sobre a colonização, as práticas humanitárias, a bioética, o choque de culturas também supõe um conhecimento do cristianismo, dos elementos fundamentais da sua doutrina, das peripécias que marcaram sua história, das etapas da sua adaptação ao mundo”.

É o tipo de livro que me agrada ler. Não que me traga algo de novo. Mas é como repassar uma aula, aula que nunca tive. Na escola, estudamos no máximo uma doutrina religiosa. Jamais se estuda história das religiões. Os proselitistas sabem que estudar história das religiões é perder a fé. Mergulhei com entusiasmo na prescrição de meu urologista e a recomendo a meus leitores.

A segunda prescrição foi outro livro, completamente alheio a este tema, mas também fundamental para entendermos o mundo em que vivemos. O Livro dos Números – uma história ilustrada da matemática, de Peter Bentley. E soberbamente ilustrado, com farta iconografia. Números têm muito a ver com religião. Neste livro descubro, entre outras coisas, que nosso calendário está incorreto ao celebrar o primeiro aniversário de Cristo no dia em que ele nasceu. Ocorre que na época não se tinha a noção de zero.

“Em 2 d.C., Cristo tinha um ano. Em 3 d.C., tinha dois. (De fato, o calendário é provavelmente muito mais impreciso ainda, pois, segundo Mateus, capítulo 2, o rei Herodes estava vivo quando Jesus nasceu, e os registros históricos mostram que Herodes morreu em 4 a.C.) Portanto, nosso calendário é um pouquinho atrapalhado. Como não tivemos zero algum, o início do século II foi na verdade 101 d.C. As recentes celebrações do milênio ocorreram a um ano inteiro de distância do devido momento – o ano 2001 d.C. ocorreu na realidade 2.000 anos depois do nascimento (percebido) de Cristo. Talvez devêssemos aprender a contar a partir de zero”.

Isto é só aperitivo. O autor continua perseguindo o desenvolvimento da matemática na história, ilustrando sua tese com a biografia e achados dos grandes nomes da área. É livro tão importante para entender o mundo como uma história das religiões.

Tim-tim, leitor! Eu, que pouco ou nada entendo do universo matemático, estou mergulhando com gosto neste livro. Recomendo vivamente.

sábado, fevereiro 27, 2010
 
CADÁVERES RENDEM BEM
MAIS QUE 30 DINHEIROS



Cristo morto, meu caro João, seu cadáver assume um valor imponderável. Para Paulo, o criador do cristianismo, só interessa o cadáver de Cristo. Não vemos, em suas epístolas, referência alguma ao Cristo vivo. Tanto que escreve na primeira epístola aos Coríntios: “Mas se não há ressurreição de mortos, também Cristo não foi ressuscitado. E, se Cristo não foi ressuscitado, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”.

Sem o cadáver do judeu aquele, não existiria cristianismo, nem catolicismo nem papa nem Vaticano. Cadáveres rendem altos dividendos. Diz Guerra Junqueiro, em Os Parasitas:

No meio duma feira, uns poucos de palhaços
andavam a mostrar, em cima dum jumento
um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
aborto que lhes dava um grande rendimento.

Os magros histriôes, hipócritas, devassos,
exploravam assim a flor do sentimento,
e o monstro arregalava os grandes olhos baços,
uns olhos sem calor e sem entendimento.

E toda a gente deu esmola aos tais ciganos:
Deram esmola até mendigos quase nus.
E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,

eu lembrei-me de vós, funâmbulos da cruz,
que andais pelo universo, há mil e tantos anos,
exibindo, explorando o corpo de Jesus.


E, por falar em trinta dinheiros, ainda do velho Guerra, O dinheiro de São Pedro:

De tal modo imitou o papa a singeleza
do mártir do calvário
que, à força de gastar os bens com a pobreza,
tornou-se milionário.

Tu hoje podes ver, ó filho de Maria,
o teu vigário humilde
conversando na Bolsa em fundos da Turquia
com o Barão Rotschild.

A cruz da redenção, que deu ao mundo a vida,
por te haver dado a morte,
tem-na no seu bureau o padre-santo erguida
sobre uma caixa forte.

E toda essa riqueza imensa, acumulada
por tantos financeiros,
o que é a economia, oh Deus! foi começada
só com trinta dinheiros!

 
O ESTERCO DO DIABO

Por João Eichbaum


Uma das marcas mais gritantes da religião católica é a hipocrisia. Minha única dúvida é se ela começa nos fiéis e contamina a hierarquia da Igreja, ou vice-versa.

Sabem aquele ditado “façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço”?

Cabe como uma luva na Igreja Católica.

Precisa dizer mais alguma coisa, além de lembrar os padres e os bispos pedófilos?

E aquelas carolas que vivem rezando “terço”, tomando comunhão e se ocupando da vida do próximo? E aqueles senhores endinheirados que frequentam a lista dos benfeitores da Igreja, graças aos negócios escusos que lhes proporcionam lucros vultosos?

Pois agora, para fornecer mais argumentos que alimentam a minha tese da hipocrisia, aparece o tema desse bla-bla-bla anual, chamado “campanha da fraternidade”.

O bla-bla-bla desse ano é contra o dinheiro, que o padre Fioravante Trevisan, nos meus tempos de criança, chamava de “esterco do diabo”, contra o capitalismo e o lucro.

Algum de vocês aí tem tanto capital quanto a Igreja Católica?

E as riquezas do Vaticano? E o comércio turístico da Igreja Católica? Você entra de graça no museu do Vaticano? E o banco do Vaticano serve para quê? Para juntar dinheiro e distribuí-lo entre os pobres?

Você já mandou rezar missa por algum defunto querido, sem pagar nada? Você casou na igreja, de graça? E a catequese para as crianças, o ensino do caminho para a “salvação da alma” é de graça? E o que é que o padre faz com o dinheiro dos neófitos, quando é certo que as catequistas trabalham de graça?

E o dízimo, hein? O dízimo é lei, vocês sabiam? É lei dentro da Igreja, é um dos seus mandamentos: “pagar o dízimo, segundo os costumes”. E o dinheirinho aquele que pinga nas caixinhas de “espórtula” durante a missa?

“Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço” é a máxima que sustenta a religião católica. O lucro é pecado para os outros, isto é, para os que não pertencem à hierarquia da Igreja Católica. O dinheiro é o “esterco” do diabo. Mas sem dinheiro, isto é, sem esterco do diabo a Igreja não vive. E, pior que isso, ganha o dinheiro do diabo, sem trabalhar, sem produzir, sem esforço, sem suor no rosto.

A renúncia ao luxo e às riquezas, que o “judeu aquele” - como diria o Janer Cristaldo – pregava, não encontrou ressonância alguma no cristianismo da Igreja Católica. Ou vocês acham que o luxo e a pompa do Vaticano não despertaria os costumeiramente irascíveis discursos do Filho do Espírito Santo?

Falo da Igreja Católica, porque sua hipocrisia me incomoda. Mas, nenhuma Igreja, nenhuma religião vive sem dinheiro, nem seus dirigentes sem uma nababesca vida. Religião é negócio. Que o digam Edir Macedo e outros menos votados. A diferença está em que essas outras religiões, que não a católica, não se metem de pato a ganso, proibindo coisas que elas praticam abertamente, porque delas não podem abrir mão. Ou seja, não são hipócritas.

Ah, antes que me esqueça: a arquidiocese do Rio de Janeiro está exigindo da Columbia Pictures uma indenização pelo uso indevido do Cristo Redentor no filme-catástrofe 2.012.

No tempo do “apóstolo” Judas, antes da crucificação, a cota do Cristo estava em 30 dinheiros. Atualmente, já crucificado, quanto valerá ele?

sexta-feira, fevereiro 26, 2010
 
IMORTAL BOLSA-DITADURA
DA MISSA NÃO VIU METADE



O ex-seminarista Carlos Heitor Cony, imortal da Academia Brasileira de Letras e detentor de uma gorda bolsa-ditadura, pelo jeito jamais leu a Bíblia. Na Folha de São Paulo de hoje, escreve:

"Limitado em sua natureza humana, Jesus seria um judeu religioso, tendo como norma de sua vida terrena a lei fundamental dos judeus, que passou para os cristãos: os dez mandamentos, entre os quais o sexto, que prega a castidade".

Ora, você pode revirar a Bíblia de alto a baixo, ler e reler os dez mandamentos. Jamais encontrará, no livro todo, a palavra castidade. Cony, o imortal, confunde catecismo com Bíblia. Pelo jeito, não viu nem a primeira metade da missa.

 
RECÓRTER TUCANOPAPISTA
HIDRÓFOBO SE APITA



O recórter tucanopapista hidrófobo de Veja, o virtuose do cut-and-paste, se confessa chupador de textos alheios:

"Sabem vocês que operei algumas mudanças no blog há algum tempo, quando optei quase exclusivamente por textos meus. Escrevo o “quase” porque, às vezes, dou destaque a um artigo ou outro que saem na imprensa. E por que mudei? Porque vocês não precisam de mim para fazer “cola-copia” — ainda que eu raramente publicasse um texto sem comentário".

Se confessa recórter, mas não se emenda. Continua recortando. Continua tucanando. Continua lambendo as sandálias do Bento. E continua necessitando urgentemente de um anti-rábico. Sem falar que ainda não aprendeu a grafar cincha. O caipira atroz de Dois Córregos escreve chincha: "Alguns bambas decidiram chamar a mulher na chincha, e ela recuou miseravelmente".

Veja vai mal. Além de dar sustentação a plagiadores, dá espaço a chupins que não dominam o vernáculo.

 
Crônica antiga:
PRIMEIRA EPÍSTOLA AO
AIATOLÁ DE FORQUILHINHA *



Florianópolis — De Forquilhinha, Santa Catarina, conheço dois cidadãos. Ou melhor, um cidadão e uma cidadã, o Paulo e a Albertina. O Paulo, conheço apenas de nome. A Albertina, de meu dia-a-dia. Ambos nasceram em lares humildes mas — coisas da vida! — tiveram diferentes destinos. Albertina veio a ser minha faxineira e Paulo doutorou-se pela Sorbonne. Paulo viu no sacerdócio sua chance de chegar ao poder e a Albertina, coitada, enfrenta bravamente o mundo com sua vassoura. Paulo, ao que tudo indica, prefere uma metralhadora.

Falar em metralhadora me faz lembrar um distante 1º de abril, como também aquela pergunta que nos anos 70 se tornou moda: onde você estava no 1º de abril de 1964? Eu estava em Santa Maria, mais precisamente na sede dos Sindicato dos Ferroviários, mais conhecido como Casa Rosada. Era jovem e idiota. Do alto de meus dezessete anos, trepado em uma mesa, trazia aos operários o apoio da classe estudantil, denunciava Carlos Lacerda, louvava Brizola e exigia do comandante da guarnição local, general Pope de Figueiredo, uma definição sobre o governo João Goulart. Em meio a meu discurso, o salão foi se esvaziando aos poucos, o que era no mínimo desconfortável para quem se julgava bom orador. Mas o problema não era o verbo. Era a definição que chegava, trezentos homens armados de fuzis e metralhadoras, baionetas caladas. Minha platéia se evaporava. Desci da mesa, sentindo-me ridículo até a medula.

Na Casa Rosada, restamos eu e mais dez operários. Fui até a porta. A um metro e meio de mim, centenas de soldados, todos de minha idade, formavam semicírculos concêntricos de baionetas. Não senti medo, não acreditava que alguém desse ordem de fogo. Mas tive de desarmar um operário bêbado que, com seu facão, pretendia enfrentar o exército. Algum tempo depois, surgiram os mensageiros da guerrilha. Convidado para a luta armada, recusei-me. Considerava suicídio lutar de bodoque contra tanques. A esta mesma conclusão chegaram meus companheiros de geração, só que vinte anos mais tarde, após centenas de mortes e sofrimentos no exílio. Mas falava de Paulo. Não no de Tarso, grande matador de cristãos de seu tempo que acabou construindo o cristianismo, Stalin precursor que se tornou um enviado de Deus para suas vítimas. Falava do Paulo de Forquilhinha. Conterrâneo de Albertina.

Pois o Paulo, ou Dom Paulo, como prefere ser chamado, ou melhor ainda, Dom Paulo Evaristo Arns, escreveu há pouco afável cartinha a um dos mais antigos tiranos da América Latina, que há trinta anos oprime com seus coturnos toda uma nação. Não, a carta não foi dirigida a Stroessner. Bem poderia ser. Pois como disse o estafeta episcopal, o ficcionista Carlos Alberto Libânio Christo, vulgo frei Betto, o pecador não deve ser confundido com o pecado. Muito menos a Pinochet, que parece ainda pouco maduro nos meandros do poder — afinal tem só quinze anos de ditadura! — para merecer tapinhas no ombro de um príncipe da Igreja. A carta foi dirigida a Fidel Castro Primeiro e Único, Real Imperador de la Isla de Cuba. E eu que me queixava da Albertina, a coitada, cujo único pecado é tentar organizar por altura das lombadas os livros de minha biblioteca.

Pois Dom Paulo, de certa forma, já me aprontou outra. Quando estava sendo traduzido ao brasileiro o livro Nunca Mais, o relatório da Conadep (Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas), cujos trabalhos foram coordenados por Ernesto Sábato, Dom Paulo tomou a dianteira: endossou trabalho semelhante feito no Brasil, o que é bom, digno e justo. Só não é bom, digno e justo roubar título alheio como o fez, usufruindo indevidamente da publicidade internacional de que gozava o trabalho coordenado por Sábato. A Albertina de vez em quando junta Casanova com Tomás de Aquino, só porque os tomos são da mesma altura, mas jamais subtraiu nada de minha biblioteca.

"Queridíssimo Fidel" — começa o corajoso cardeal — "Paz e bem". Digo corajoso porque coragem intelectual é o mínimo que se exige de um homem culto e bem informado para assim saudar o único ditador do continente que ainda mantém intelectuais no cárcere e proíbe aos nacionais saírem de seu gulag tropical. Em sua epístola ao tirano, Paulo abraça Castro e saúda o povo cubano pelo trigésimo aniversário da ditadura: "Hoje em dia Cuba pode sentir-se orgulhosa de ser no nosso continente, tão empobrecido pela dívida externa, um exemplo de justiça social". Não é bem o que pensa a Anistia Internacional, cujas investigações embasam em boa parte o Brasil: Tortura Nunca Mais, de Dom Paulo. Muito menos o que pensam dois milhões de cubanos que votaram com os pés, fugindo para Miami. Como dizia a Albertina, "que paraíso é esse, professor, onde as pessoas estão proibidas de sair e quando saem não voltam mais?"

"A fé cristã descobre" — continua Paulo em sua epístola aos castrenses — "nas conquistas da Revolução, os sinais do Reino de Deus que se manifestam em nossos corações e nas estruturas que permitem fazer da convivência política uma obra de amor". Ora, se fronteiras fechadas, ausência de eleições livres, imprensa e oposição sufocadas e vida a nível de miséria são sinais do Reino de Deus, vamos então canonizar logo este santo homem chamado Joseph Vissarionovitch Djugatchivili, mais conhecido como Stalin, "o de aço".

Ao dar notícias do Brasil, sua Excelência Reverendíssima, nosso cardeal Arns, não perde a oportunidade de evocar "a vitória popular alcançada nas últimas eleições". Supomos que quando fala de vitória popular se refira ao avanço do PT, pois não é de hoje que temos conhecimento deste namoro entre a Igreja e o partido que se diz dos trabalhadores mas, fundamentalmente, é constituído por acadêmicos. Tal vitória, continua o cardeal, "renova o marco político do país e abre esperanças de que o indescritível sofrimento do nosso povo possa ser minorado no futuro".

Que em algo renova, disso não tenho dúvida alguma, pois pela primeira vez vejo uma prefeita, Luiza Erundina, eleita folgadamente pelo voto popular, declarar via Embratel que a solução dos problemas nacionais passa pela luta armada. Marília Gabriela, sua entrevistadora na TV Bandeirante, em vez de ficar esbanjando charme, bem que poderia propor-lhe três questõezinhas mais:

a) Luta armada exige preparação. O PT está se preparando para ela?

b) Se está, quem o prepara e financia?

c) Se a luta armada é necessária, contra quem vai ser a luta? Contra os empresários? Contra as Forças Armadas? Contra o Congresso? Quem é o inimigo?

Pois atribuo mais sensatez à minha inculta Albertina: "Derramamento de sangue, Deus nos livre, professor!"

Não contente em esfregar-se junto à caspa da ditadura, Paulo Evaristo, cardeal Arns, vai mais longe, reza diariamente por Castro e pede "ao Pai que lhe conceda sempre (o grifo é meu) a graça de conduzir os destinos de sua Pátria". Ora, conceder sempre a graça de conduzir os destinos da pátria, a meu ver não tem diferença alguma de conceder a graça de sempre conduzir os destinos da pátria. Estará Paulo, o de Forquilhinha, pedindo ao Pai pela permanência do tirano?

Paulo de Tarso, que na verdade, não era de Tarso, mas da Cilícia, fariseu fanático que mais matou cristãos no primeiro século do cristianismo, era mais singelo e não usava de meias palavras, matava quem quer que seguisse o Cristo e estamos conversados. Quando viu no cristianismo então emergente um potencial instrumento de controle do poder, não teve dúvidas, converteu-se às novas circunstâncias. Dom Paulo de Forquilhinha parece estar percorrendo a estrada de Damasco em rumo contrário. Depois de velho, vai esfregar-se em prepostos de Moscou, que preferem manter um país a nível de fome para garantir a presença soviética na África, regada com o sangue de jovens cubanos.

Passou aqui em Florianópolis, há coisa de um ano e pouco, um destes senhores que adora sangue e cultua quem o faz derramar. Chamava-se Antonio Callado e fez palestra nos salões da Universidade Federal de Santa Catarina. Hospedou-se em hotel de luxo, foi caitituado pelos intelectuais autóctones e vinha financiado por uma multinacional. Disse esperar que no Brasil estoure uma revolução violenta. Desafiado por um repórter, disse que assinava embaixo. E assinou mesmo, o velhote sanguinário. Disse ainda que este caminho, o da revolução violenta, passa pela Igreja e pelo PT.

Os sinais do Reino de Deus parecem estar fechando. Frei Betto levando quitutes da mamãe para o tiranete das Antilhas, portando cartas de Paulo de Forquilhinha ao ditador. Leonardo Boff namorando Ernesto Cardenal, mais conhecido internacionalmente como o aiatolá do Caribe por seu apoio a Khomeiny. Erundina falando em luta armada. Lula estabelecendo vínculos com os aprendizes de tirano da Nicarágua. Estará próximo o Reino de Deus?

Ou talvez o da estupidez, como diria Albertina, sem talvez ter idéia da profundidade do que diz. Nenhum homem medianamente informado desconhece o preço pago em sangue pelos espanhóis durante a Guerra Civil. A nenhum homem honesto é permissível ignorar quem foi Pol Pot. Latino-americanos, todos sabemos em que resultaram essas tentativas desvairadas de tomada do poder no Uruguai, Chile, Argentina e Brasil. O massacre está sendo reeditado no Peru. Um grupo de assassinos com vocação para o suicídio tomou recentemente um quartel em Buenos Aires. Eram paranóicos a ponto de portar no bolso um programa de governo. Luís Carlos Prestes, outro sanguinário impenitente, do alto de suas oito décadas de vida, que nada parecem ter-lhe ensinado, declarou que o assalto a La Tablada foi uma loucura. Nisto concordamos.

Mas preferiria que o Cavaleiro da Esperança (sic!) reconhecesse, antes de morrer, seu ataque de loucura em 1935, quando, aterrissando na praia do Campeche, cá na ilha, voltou de Moscou para inaugurar a guerra civil, em sua tentativa messiânica de instalar no Brasil o reino, sei lá se de Stalin ou de Deus, pois afinal estes dois eram bastante confundidos na época e — o que é pior — parece que até hoje, pelo menos na América Latina, em pouco ou nada se distinguem.

Tenho mais de quarenta anos. Há umas boas décadas deixei de ser o jovem idiota de 64, que obedecia palavras de ordem que não entendia e que levaram parte de minha geração ao massacre. Não quero mais viver, nem quero ver alguém vivendo, aqueles dias de opressão, medo, exílio, desconfiança mútua, prisões arbitrárias e tortura, inerentes a tais processos de assalto ao poder. Vivi dias em que a amizade era exercício quase impossível, pois se buscávamos a convivência de um colega já contaminado pelo vírus da ideologia, ou tínhamos de concordar em tudo ou, automaticamente, éramos classificados como inimigos.

Vivi seis meses na Espanha, em 87. A Guerra Civil terminara há meio século e observei que, até hoje, os espanhóis continuam divididos e ainda alimentam velhos rancores. Pior ainda: a Espanha é hoje nação livre, rica e democrática, e nunca falta intelectual que continue a sonhar com a vitória dos republicanos, o que teria levado o país, e certamente toda a Europa junto, à paupérrima condição dos países do bloco soviético.

Paulo Evaristo, cardeal Arns: bem ou mal, pertenço à sua Igreja. Fui batizado, à revelia, é verdade, como à revelia se tornam partícipes do Corpo Místico de Cristo crianças que prefeririam uma chupeta a serem aspergidas com água benta. Dentro de vossa ótica, talvez seja um membro doente deste Corpo. Mas a ele pertenço. Uma vez a ele pertencendo, sinto-me no direito de pedir a meu pastor que não mais abrace tiranos. E não mais escreva bobagens. Não fica bem para um cardeal.

Ou o cardeal nos deseja um novo Primeiro de Abril?

* Joinville, A Notícia, 05.02.89

 
AINDA A SANTARRONA
DE FORQUILHINHA



De Rogério Mendelski, de Porto Alegre, recebo:

Prezado Janer:

Te leio todos os dias. Estás cada vez melhor. Teu texto (sou antigo, ainda) sobre a dona Zilda foi demolidor. Deve ter provocado cólicas naquela turma de sempre. Mas te mando este bilhete apenas para lembrar que a respeito dos prédios antimendigos, nossa catedral metropolitana, ainda acho que nos tempos de Dom Vicente, acabou com o problema. Os mendigos dormiam no hall de acesso, pelas laterais da escadaria, protegidos pela marquise. A Curia mandou algum pedreiro colocar pedras ponteagudas cimentadas no "dormitório" dos desprotegidos. Resultado: os mendigos foram buscar outros prédios mais cristãos. abcs.
Rogério


De L. Valentin, do Paraná:

Cristaldo está sendo bondoso com Zilda Arns. A instituição que ela fundou “a pastoral da criança”, atrás de uma fachada de cuidar de crianças, tinha – e tem - como objetivo primordial, canalizar dinheiro de entidades católicas internacionais, como Misereor e Cáritas, para o MST.

Lembrar que o MST é o braço armado do PT, milícia pronta para entrar em ação, que hoje conta com um corpo treinado – e armado - pronta para enfrentar as forças armadas, em caso de ameaça ao implante do totalitarismo, que já está quase terminado.

Lembrar que o MST teve, como um dos mais ativos criadores, o cardeal vermelho Evaristo Arns, irmão de Zilda. Foi ele que disponibilizou, em São Paulo , toda a estrutura para o MST se instalar e crescer, inclusive pagando o aluguel de salas para os escritórios do MST. Foi ele que, usando a Igreja Católica, projetou os canais de desvio de verbas através de pastorais da terra e da criança, entre outras. Foi ele quem serviu de interlocutor para conseguir apoio e dinheiro para o MST com entidades terroristas como O EZLN (exército zapatista mexicano), as FARC, ou ongs globalitárias como a Americas Watch, a Anistia Internacional, a Cruz Vermelha Internacional, a Anti Slavery de Londres, a Brazil Network de Londres, a Survival International de Londres, a poderosa Catholic Institute for International Relations de Londres (CIIR), a RLF (British Right Livelihood Foundation) de Londres, a Pax Christi da Bélgica, a Gaia Foundation de Londres, a WWF – World Wild Fund for Nature – fundada pelo príncipe Philip da Inglaterra, a Oxfam, o Greenpeace , o INESC – Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, o braço brasileiro da Brazil Network , a CIDA - Canadian International Development Agency – e o CCDP - Canadian Catholic Development and Peace.

Lembrar que essas entidades estão todas empenhadas em limitar a soberania brasileira, utilizando os mais variados pretextos, tais como ecologia, indigenismo, direitos humanos e causas de reforma agrária.

Portanto, quando Lula quer o desacreditado (mas que rende 1 milhão de dólares) prêmio Nobel da Paz para Zilda ele está sendo sincero e agradecido com uma das maiores batalhadoras pelo criminoso MST. Asinus asinum fricat. Os iguais se aplaudem.

PS - Nós, bichos do Paraná, sabemos que Santa Zilda montou um esquema, baseado no trabalho voluntário, onde só ela aparecia. Nunca prestou conta de verbas recebidas por todos os lados, inclusive do exterior. Funcionária Pública ausente, a cada vez que estava na iminência de ser defenestrada, o maninho, bispo de SP, corria até o governador e abafavam o caso.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010
 
O HORROR... O HORROR...


"The horror... the horror...", dizia o ensandecido coronel Walter E. Kurtz, em Apocalyse Now, do Francis Ford Coppola. Pensei não existir nada pior que um cruzeiro de evangélicos. Pois existe. Um leitor me envia esta nota do Terra on line:

Imagine um navio só de corintianos, com a presença de ídolos, ex-jogadores, bailes alvinegros, shows de músicos corintianos, enfim, um cruzeiro que tenha o Corinthians e seu aniversário de 100 anos como única motivação. Do café da manhã ao jantar, "aqui é Corinthians, mano". Imaginou?

Pois é, isso vai acontecer, e o Terra vai junto. Durante os quatro dias de viagem - o navio parte do Porto de Santos nesta quinta-feira, dia 25, retornando no domingo - nossa reportagem trará a você um Diário de Bordo com detalhes de tudo o que se passa lá dentro.

Cerca de 3.200 fanáticos pagaram até US$ 1.500 pela experiência de viajar no Navio do Centenário, que teve todas as suas 1.500 cabines vendidas. Mas, quem são essas pessoas? Será que todos ali são mesmo corintianos? O que há de especial em passar quatro dias em alto mar no meio do bando de loucos? E se alguém aparecer de sunga verde na piscina?


E você ainda tem pagar caro para freqüentar o inferno.

 
IN MEMORIAM
CAPITÃO-DE-MAR-E-GUERRA
JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO



Morreu na terça-feira passada um desses homens que honra qualquer país. Foi levado pelo câncer. Doutor em Física pelo MIT, ex-reitor da Universidade de Brasília, o capitão-de-mar-e-guerra José Carlos de Almeida Azevedo foi um dos pioneiros no Brasil a denunciar as teses ridículas do IPCC sobre o aquecimento global.

Sua morte não mereceu as páginas dedicadas à santarrona obsoleta que morreu no Haiti. Azevedo, além de brilhante, era intelectual honesto. E nenhum homem honesto agrada às esquerdas que hoje dominam a imprensa.

 
ZOOLÓGICOS DE POBRES
FASCINAM TURISTAS



Desde meus primeiros dias de Europa, nos anos 70, observei prática que nunca entendi, a atração dos europeus pelas favelas do Rio. Jamais visitei uma favela e jamais me ocorreria visitá-las. Da miséria e do tráfico só quero distância. Mas já vi alemães, suecos e franceses encantados com uma visita aos morros. Na última Veja, leio entrevista com a antropóloga Bianca Freire-Medeiros, autora do livro Gringo na Laje - Produção, Circulação e Consumo da Favela Turística. Segundo a pesquisadora, a violência é o que mais seduz os turistas. "Ela é um atrativo. O filme Cidade de Deus, por exemplo, vende a imagem de que a favela é um lugar extremamente violento, de alto risco: os turistas querem ir lá motivados por isso", diz Bianca.

Grossa bobagem. A atração pelas favelas antecede em muito o filme. Atração não só por favela, como por tudo que é pobre e miserável no Brasil. Certa vez, nos anos 70, fui a um terreiro de umbanda. Mais precisamente, no Belfort Roxo, uma das mais conflagradas zonas do Rio de Janeiro. Obviamente, não fui por conta própria. Fui a convite de um diplomata francês. Que acreditava piamente que aquelas malucas girando sobre si mesmas estavam possuídas por alguma entidade. Curiosamente, entramos no terreiro com as bênçãos de um bispo católico.

Segundo a reportagem, o turismo em favela começou com a ECO 92, quando se passou a levar estrangeiros à Rocinha - pessoas ligadas em ecologia e interessadas em alternativas ao turismo de massa. É possível. Mas a atração fatal dos europeus do norte pelas favelas em muito antecede 92. Disse europeus do norte. Espanhóis e portugueses não são tão naïves, a ponto de sair a viajar para ver miséria.

Para a antropóloga, o turista busca situações de risco. Quer ver gente armada. “Mas, na maior parte das vezes, o turista não vê ninguém armado, porque as agências procuram evitar os locais de venda de drogas, que são menos seguros. Ninguém passa na "boca", por exemplo. Vale dizer que, para o turista, isso não faz muita diferença. Para ele, basta saber que há pessoas armadas na favela e que ele está numa situação de risco, para que haja excitação”.

Mais outra bobagem de pesquisador de gabinete. No Afeganistão, na Palestina, na Chechênia, armas e situações de risco é o que não falta. Mas europeus não fazem turismo por lá. Europeus gostam mesmo é da miséria dos trópicos. E turismo rende grana. Os turistas da miséria sabem que as armas dos traficantes estão lá para protegê-los. Afinal, não vão matar a galinha de ovos de ouro. Não é o mesmo na Palestina ou Afeganistão, onde há uma perigosa animosidade contra ocidentais.

Em meio a tantas bobagens, a antropóloga diz algo inteligente. É a chispa da ferradura quando bate na calçada, como diria Agripino Grieco. “Acho que a grande questão é explicar a transformação da pobreza em atração: os turistas estão em busca de uma situação de precariedade que eles desconhecem”. Bingo! Nunca fiz pesquisas científicas sobre essa atração mórbida, mas tenho quase certeza de que o turista europeu ou americano, ao contemplar uma favela, se regozija: feliz de mim que não vivo nestas condições.

A meu modo, até que gosto de favelas. Mas de outras favelas. Se você viajar pela Costa Amalfitana, na Itália, verá a mesma estrutura urbana do Rio em Positano, Amalfi, Ravello, Capri. Casas subindo morro acima. Mas casas de quem tem alto poder aquisitivo. Os ricos, na Itália, não foram idiotas como os ricos brasileiros. Subiram o morro antes que os miseráveis o tomassem. Uma outra cidade que tem esta mesma estrutura é Fira, na ilha de Santorini, na Grécia. Mas... é um dos recantos mais lindos do mundo. Nada de tráfico, quadrilhas armadas, miséria. Apenas beleza (de sufocar), magia, luxo, exotismo. Sobe-se até Fira com mulas. Os cariocas estão planejando teleféricos para facilitar a visita aos redutos de traficantes. Ora, mula é muito mais barato. E tem mais charme.

“Todo turista sabe que pode ser acusado de fazer algo de mau gosto, de participar de um zoológico de pobre. Mas, entre aqueles que entrevistei, não houve um que tenha saído insatisfeito do passeio” – diz a antropóloga. Claro que não. Visitar zoológico de pobre revigora a alma de um europeu. Um francês tem em Paris algo análogo à favela, e subindo um morro, Montmartre. É a Goutte d’Or, reduto de árabes logo abaixo da basílica de Sacré-Coeur. Parisiense evita a Goutte d’Or. À medida em que a mancha árabe se expande, cai o preço do metro quadrado. Miséria só tem charme ailleurs. Là-bas, como se diz por lá.

Segundo a antropóloga, “há coisas que não podem faltar. Não pode faltar a laje, onde os turistas tiram foto da paisagem e ouvem um discurso explicativo, coisas como "Ali embaixo, você vê a escola americana, que custa tão caro, e isso mostra como esse país é desigual. A laje é um momento pedagógico, impactante para o turista, que dali vê um oceano de casas, com o mar azul ao fundo."

Laje por laje, prefiro as de Santorini. Ou Positano. Quanto a oceano de casas, prefiro um oceano de águas. Tampouco viajo para contemplar do alto a finada luta de classes. Os turistas de zoológicos de pobres parecem não se dar conta de que, ao visitar favelas, estão financiando – e legalmente – os redutos de traficantes.

No fundo, o que em francês se chama de mauvaise conscience. Má consciência. Como isto é coisa que jamais alimentei, prefiro as favelas do Tirreno ou do Egeu.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010
 
DIREITOS HUMANOS: A DEFESA
DA BANDIDAGEM E DA MISÉRIA



Pelo jeito o Tribunal de Justiça do Rio achou o puchero meio gordo e resolveu anular o prêmio concedido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos a um dos assassinos de um menino de seis anos em 2007. A grita foi geral. A recompensa era o sonho de todo vagabundo: casa, comida, roupa lavada, salário e mais ainda, segurança – esta mercadoria hoje tão rara – pelo resto da vida. O adolescente envolvido na morte de João Hélio Fernandes não está mais sob proteção do governo federal.

Para o Ministério Público, o criminoso deve cumprir pena em regime de semiliberdade, passando as noites em uma instituição para infratores. O que, aliás, é um acinte. Três aninhos das tais medidas socioeducativas e logo depois liberdade para o assassino de uma criança. Triste país este nosso, em que não premiar um bandido já é um avanço. Mas esta atitude do Tribunal de Justiça do Rio não é motivo de grande regozijo. Não elimina o fato de que há e sempre haverá quem peça prêmios para criminosos.

Os ditos defensores dos Direitos Humanos há muito merecem uma investigação a fundo. Constituem uma poderosa rede de defesa da bandidagem e de tudo que enfeia as cidades. Seriam interessante perguntar quem os financia e qual interesse os move ao tomar partido pelo crime e pela manutenção da miséria. Jamais li uma notícia sequer sobre estas entidades tomando a defesa pessoas inocentes, honestas e trabalhadoras. Sempre defendem o crime, a irregularidade, a imundície, o caos na urbe.

Leio hoje no noticiário on line que os “cariocas se antecipando às medidas ‘antimendigo’ da Prefeitura do Rio, que como noticiou ontem O Dia, vem colocando pedras e grades em locais públicos para impedir a instalação de população de rua”. Esta expressão antimendigo, eu a li pela primeira vez, há muitos anos, na Folha de São Paulo, ao falar de prédios antimendigos. Seriam aqueles prédios sem marquise, que não permitiriam o amontoamento desse lixo humano que os circunda.

Ora, prédios sem marquise é uma tendência nada recente na arquitetura. Os prédios centenários de Paris, Londres ou Madri nunca tiveram marquises. Marquise até que é achado bastante contemporâneo. Não vejo nenhuma intenção antimendigos nos prédios sem marquise. Mas e se houvesse? Não terá o cidadão o sagrado direito de proteger-se dessa praga social que é a mendicância?

A julgar pelos tais de “Direitos Humanos”, parece que não tem mais. Segundo a agência O Dia, moradores da rua Mem de Sá, Centro, espalharam 10 vasos na calçada. “Os andarilhos que ficam na praça fazem de nossas portas seus banheiros. Ninguém agüentava o mau cheiro de fezes e urina, por isso decidimos obstruir o local”, contou uma moradora. “Entre os mendigos, há assaltantes e viciados”, justificou.

Na mesma rua, uma porta que dá acesso aos sete andares do imóvel do INSS foi fechada com tijolos e é guardada por seguranças, tudo para impedir invasão. Em julho, 20 famílias ocuparam os cômodos, esvaziados após confronto com a polícia. “Todas as manhãs, perdemos um bom tempo limpando a sujeira deixada pelos mendigos”, lamenta-se o gerente de lanchonete próxima.

Para preservar a cidade, a prefeitura do Rio está instalando pedras sob viadutos e obstáculos de ferro sobre bancos de praça. Reação imediata do coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do estado, Leonardo Rosa Melo da Cunha, que estuda medida judicial para impedir a iniciativa municipal. Particulares também poderão ser alvo de processo. “As medidas são dirigidas a parcela marginalizada da sociedade, numa espécie de limpeza social. Isso fere os direitos humanos”, disse o coordenador.

Não bastasse conferir prêmios a criminosos, os tais de Direitos Humanos defendem o direito de morar na rua. Como se rua fosse casa. A nenhum destes senhores ocorre a idéia de tentar elevar à condição de gente esse lixo humano que empesta as cidades. Pois aí perderiam a razão de ser. Quanto ao cidadão que trabalha, que batalhou para morar em bairro decente, em uma rua agradável, que paga IPTU exorbitante, este que se lixe. Se você quiser proteger-se da mendicância, corre o risco de sofrer ação jucidial.

Já contei, conto de novo. Quando cheguei em São Paulo, residi perto do Largo Santa Cecília, que entorna a igreja Santa Cecília. Na época, era um imundo pátio de milagres, cheirando a urina e fezes, com homens, mulheres e crianças amontoados uns sobre os outros. Quando o serviço de limpeza da prefeitura chegava com suas máquinas para limpar a praça com jatos de água, os tais de Direitos Humanos davam-se ao trabalho de madrugar, para deitar-se no largo e impedir que as máquinas incomodassem o chamado “povo das ruas”. Que, pelo jeito, já conquistaram o status de nação.

Certo dia, sei lá por que razões, os mendigos sumiram. Estou em meu barbeiro e leio um jornaleco da paróquia, o Ceciliano. Nele, uma assistente social reclama: “onde estão nossos mendigos? Quem os retirou do Largo? Queremos nossos mendigos de volta”.

Miséria rende bons dividendos. Não para os miseráveis. Mas para os gigolôs da miséria. Enquanto miséria der lucro, as ruas das grandes cidades continuarão infestadas de miseráveis.

terça-feira, fevereiro 23, 2010
 
IMPRENSA BRASILEIRA OMITE
PEDIDO DE DISSIDENTES NA
VIAGEM DE LULA A CUBA



Pelo jeito, a imprensa nossa aderiu ao governo. Meia centena de presos políticos cubanos fizeram uma petição para que Lula intercedesse por sua liberação. Não leio nada sobre isso no jornais brasileiros. Se quisermos alguma notícia sobre o assunto, melhor consultar El País:

LULA DA TODO SU RESPALDO POLÍTICO Y ECONÓMICO AL RÉGIMEN CUBANO

El presidente brasileño ignora la petición de los disidentes para una mediación


Políticamente, el respaldo de Lula al Gobierno cubano es absoluto. Al menos en público, no existen cuestionamientos sobre la situación de los derechos humanos, ni tampoco se han programado encuentros con la disidencia, igual que en sus tres visitas oficiales anteriores. No se sabrá, probablemente, en qué quedó la petición que le hicieron medio centenar de presos políticos para que intercediera por su liberación.

Según los disidentes, Lula puede ser "un magnífico interlocutor para obtener que el Gobierno cubano se decida a acometer las reformas económicas y políticas" que requiere el país. Es obvio que la vía escogida por Lula es la de la cooperación, no la del enfrentamiento.

 
NEM TUDO ESTÁ PERDIDO


Fui almoçar hoje em um de meus restauradores diletos. A meu lado, sentaram-se dois cidadãos de meia idade. Começaram conversando sobre viagens a Lisboa, Porto e Santiago de Compostela. Continuaram percorrendo a cozinha portuguesa. E terminaram discutindo o conceito de aretê em Platão, analisando a República, Fédon e Teeteto.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010
 
DEUSA SHIVA E O
GUIDE MICHELIN



Escreve-me Paulo Augustus, a respeito do “correspondente” plagiário de Veja em Paris:

Janer,

pano rápido: ontem cruzei com um conhecido de longa data, jornalista político do Estadão. Falei-lhe do caso. Ele disse que sobretudo em tempos pré-internet e mercado fechado, era muito comum enviados especiais plagiarem textos de publicações estrangeiras. Principalmente resenha de livros, discos e filmes.

Embora não seja a editoria dele, não se mostrou muito interessado no assunto, em termos jornalísticos. Perguntei-lhe se os grandes jornais não publicariam esse tipo de matéria. Ele respondeu que caberia mais à própria revista e ao Observatório da Imprensa.

Bem, só para cumprir tabela, enviei e-mail alertando o caso para o senhor Luiz Egypto e outra editora do Observatório da Imprensa, mas já sem muita convicção.

Saudações,

Paulo



Pois, meu caro Paulo, naquela época pré-Internet o plágio corria solto. Se ainda é corrente nestes dias de Google e outros mecanismos de busca, imagine-se o que não seria quando jornais estrangeiros não chegavam no Brasil. Ou chegavam apenas poucos números em algumas capitais. Qualquer “correspondente” podia tranqüilamente traduzir Le Monde, Times, El País, e leitor algum ficava sabendo da cópia. Pelo contrário, o “correspondente” era tido como jornalista ágil.

Em meus dias de Suécia, por acaso, descobri plágios cometidos... em Porto Alegre. Havia na Caldas Júnior um medíocre jornalista, mais conhecido como Deusa Shiva: tinha tantos braços que escrevia sobre todas as áreas do conhecimento. Certa vez, viajou para a Alemanha. Semana seguinte, leio no Correio do Povo eruditos artigos de sua lavra sobre história e arquitetura alemãs. Ora, que eu soubesse, eram duas áreas das quais Deusa Shiva não entendia patavina. Fiquei com uma pulga atrás da orelha, mas não tinha prova alguma de seu plágio. Deusa Shiva ganhou prestígio com sua pluma, foi vereador e vice-governador. O que só prova que sucesso é uma soma de equívocos.

Estocolmo, 1971. Na época, não poucos brasileiros buscavam a capital sueca para ganhar alguns trocados como diskare, isto é, lavadores de pratos. Eram trocados nada desprezíveis. Se trabalhasse dois turnos durante os meses de verão, um diskare podia deitar-se nas cordas pelo resto do ano em Ibiza ou Mallorca. Encontrei naqueles dias um gaúcho que vivia na Alemanha e aproveitava o verão sueco para forrar o poncho. Ao saber que eu vinha de Porto Alegre, perguntou-me: conheces aquele maluco com o nome cheio de eles e agás, que é jornalista da Caldas?

Conhecia. Qual é a dúvida? Pois é. Eu o hospedei em minha casa. Ele passava o dia todo traduzindo o Guide Michelin. Bingo! Estava esclarecida a erudição de Deusa Shiva.

Era fácil, na época, ser correspondente. A rigor, bastava conhecer uma língua estrangeira, de preferência a língua do país que o “correspondente” cobria. O que não parece ser o caso do "correspondente" de Veja em Paris, que só plagia do inglês. A prática era tão corriqueira, que o “correspondente” sequer imaginava estar roubando trabalho alheio. Ser correspondente era traduzir.

O que gera um segundo problema, e dos mais graves. A visão que o “correspondente” transmitia a seus leitores não era uma ótica nossa, brasileira. Mas francesa, inglesa ou americana. Víamos o mundo a partir de um olhar estrangeiro. Daí nossa dependência cultural de modismos de além-mar.

Durante quatro anos, fui uma espécie de correspondente da Caldas Júnior em Paris. Digo espécie de correspondente porque não tinha compromisso algum de fazer cobertura sobre o que ocorria na França. Tinha uma coluna diária e fazia minha própria pauta. Podia escrever sobre Paris, ilhas gregas ou Canárias, minhas namoradas, o que me desse na veneta. Nunca me ocorreu traduzir algum jornalista. Por uma razão das mais simples: eu queria transmitir minha visão de mundo, e não a visão alheia.

O Observatório da Imprensa certamente não publicará nada, Paulo Augustus. A máfia se protege. Os jornais – e a Folha de São Paulo é o melhor exemplo disto – corrigem vírgulas e nomes mal grafados. Nenhum jornal brasileiro admite grandes mancadas. A direção de Veja está ciente dos plágios de Antonio Ribeiro. Mas sequer se digna responder aos leitores que o denunciam. Mantém o plagiário em sua redação.

Depois os jornais se queixam de que estão perdendo leitores. É normal que percam. O leitor está começando a buscar informação no universo blogueiro, onde jornalistas escrevem sem compromisso algum com quem quer que seja.

 
HOMAGE TO CRISTALDO


De um leitor, Thiago Bouzan, recebo esta insólita homenagem:

http://en.tackfilm.se/?id=1266547573953RA76

domingo, fevereiro 21, 2010
 
DOSTOIEVSKI, LIDO
POR DONA DILMA



Depois de um presidente analfabeto, a imprensa parece estar tentando criar um perfil erudito para a candidata à Presidência da República. Na Folha de São Paulo de hoje, Fernando Rodrigues cita declaração de um dos dois maridos de Dona Dilma, Claudio Galeno Linhares: “Ela teve uma formação intelectual precoce. Lia muito, de histórias em quadrinhos até Marcel Proust e Jean-Paul Sartre”.

Mais adiante, é o próprio repórter que afirma: “É raro Dilma tratar de temas mais filosóficos e não inserir uma citação literária. Sobre religião, por exemplo, fala dos romances de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), permeados do conceito de que, "se Deus não existe, tudo é permitido".

É possível que a ex-terrorista tenha lido Proust ou Sartre. Mas dificilmente terá lido Dostoievski. Esta frase, atribuída ao escritor russo, é mais uma daquelas bobagens recorrentes – semelhante àquela outra, de que Guernica, de Picasso, tem algo a ver com o suposto bombardeio da cidade basca – que são repetidas ad nauseam por jornalistas. Dona Dilma, na verdade, ouviu o galo cantar, mas não sabe onde.

Os católicos ocidentais adoram empunhar esta deturpação do pensamento do escritor católico ortodoxo. Querem colocar Deus como fundamento de toda ética, como se não pudesse existir ética sem a crença em Deus. Esta frase estaria em Os Irmãos Karamazov. Ora, Dostoievski jamais escreveu isto. Foi Sartre quem disse que ele havia escrito. Quem menciona esta frase são geralmente pessoas que nunca leram Dostoievski e o citam de ouvir falar. Há algum tempo atrás, me dei ao trabalho de reler Os Irmãos Karamazov para ver se Dostoievski havia realmente escrito tal bobagem. Não encontrei. O mais próximo que existe é isto:

- Ivan Fiodorovitch ajuntou entre parênteses que lá está toda a lei natural, de maneira que se você destrói no homem a fé na sua imortalidade, não somente o amor nele perecerá, mas também a força de continuar a vida no mundo. Mais ainda, não existiria nada mais que fosse imoral; tudo será autorizado, mesmo a antropofagia. E não é tudo: ele acaba afirmando que para todo indivíduo que não crê em Deus nem em sua própria imortalidade, a lei moral da natureza deveria imediamente tornar-se o inverso absoluto da precedente lei religiosa; que o egoísmo, mesmo levado ao crime, deveria não somente ser autorizado, mas reconhecido como uma solução necessária, a mais razoável e quase a mais nobre. Após um tal paradoxo, julgai, senhores, julgai o que nosso caro e excêntrico Ivan Fiodorovitch julga bom proclamar e suas eventuais intenções.

Mais adiante, Mitia se pergunta:

- Mas então, que se tornaria o homem, sem Deus e a imortalidade? Tudo é permitido e, conseqüentemente, tudo é lícito? (...) Que fazer, se Deus não existe, se Rakitine tem razão ao pretender que é uma idéia forjada pela humanidade? Neste caso, o homem seria o rei da terra, do universo. Muito bem! Mas como ele seria virtuoso sem Deus?

Ou seja, a pergunta não é exatamente sobre Deus, mas sobre Deus e a imortalidade. Imortalidade significa punições e recompensas. Os teístas querem ver nos personagens de Dostoievski a impossíbilidade de uma ética sem Deus. No entanto, o que o autor empunha é a promessa de céu... ou de inferno. O fundamento de sua moral - ou da de Ivan Karamazov, como quisermos - não é exatamente Deus, mas a esperança ou o medo.

Isto é um indício de que a guerrilheira tenha lido Sartre. Era escritor bastante popular entre as esquerdas nos anos 60. Mas parece ter passado longe de Dostoievski. Conhece-o de oitiva. Ou não diria tal bobagem.

 
ATLETA ENTRA EM CLÍNICA
PARA CURAR-SE DO GOSTO
PELO MELHOR DA VIDA



O golfista americano Tiger Woods declarou ontem aos jornais que está "profundamente entristecido" por sua "irresponsabilidade e comportamento egoísta". Acrescentou que voltará a jogar golfe, mas que ainda não sabe quando isso vai acontecer. Muito abatido, o atleta pediu desculpas à sua mulher, Elin Nordegren, e aos fãs por ter sido infiel em seu matrimônio e ter maculado a sua imagem perante todo o mundo. Anunciou ainda que voltará para a clínica na qual está realizando tratamento intensivo contra a sua compulsão por sexo. "O que fiz foi inaceitável e eu sou a única pessoa que pode ser culpada", insistiu.

Essa agora! Em pleno século XXI, um homem se penitenciando por ter tido relações com outras mulheres que não a sua e buscando tratamento por gostar de sexo. Como se o gosto pelo bom esporte fosse doença. Parece que ninguém lembra mais de Bill Clinton, que usava uma estagiária para felações rápidas, sem sequer pagá-la do próprio bolso. De John Kennedy, que usufruía dos serviços de uma prostitutinha de Hollywood, Marilyn Monroe. Sem falar das dezenas, talvez centenas, de outras mulheres que teve.

Antes de enfrentar Richard Nixon, em seu primeiro debate na televisão, Kennedy contratou uma garota para uma relação rápida. Saiu-se tão bem na TV que nunca mais dissociou os dois atos. Em todos os debates que se seguiram, a tática política foi a mesma: uma call girl antes e, no lugar do cigarro, Richard Nixon. Consta ainda que, ao receber um dignitário estrangeiro, Kennedy ordenou a seu staff que o entretivesse, enquanto se entregava ao bom folguedo com sua mulher.

Mais ainda: parece que ninguém lembra mais do santo homem Martin Luther King, que além de plagiador de textos alheios – a tese que lhe rendeu o título de Doutor foi denunciada como plágio – usava o dinheiro de suas campanhas em favor da igualdade racial para orgias com profissionais do sexo.

Os Estados Unidos estão mudando. Em março de 2008, o governador de Nova York, Eliot Spitzer, renunciou ao cargo por ter sido flagrado freqüentando prostitutas. Como Tiger Woods, se penitenciou publicamente, ao lado de sua mulher: “Eu renuncio ao cargo de governador. Durante minha vida pública, sempre defendi que todos, seja qual for a função que desempenhem, assumam a responsabilidade por sua conduta. Eu mantenho a crença de que, como seres humanos, nossa maior glória não consiste em nunca cairmos, mas sim em nos levantarmos novamente a cada queda".

Woods ou Spitzer são hoje demonizados. Luther King recebeu o Nobel da paz e até hoje permanece envolto em uma aura de santidade. Spitzer foi acusado de usar dinheiro de campanha para pagar sexo. Nisto, a meu ver, reside a indecência de sua atitude. Não em seu gosto por profissionais. Se as pagasse com dinheiro do próprio bolso, ninguém nada teria a ver com isso. Mas tanto Kennedy quanto Clinton se valiam de seus cargos, pagos com dinheiro público. E as orgias de Luther King também foram pagas com dinheiro público. Se assim foi, não vejo porque pegar no pé de Spitzer. Sua mulher, ao que tudo indica, aceitava os pulos de cerca do marido. Como Hillary aceitou tranqüilamente os de Clinton.

Mas o golfista? Não consta que tenha pago suas mulheres com dinheiro público. Vivemos em uma época em que a monogamia não mais vige. Aliás, nunca vigeu. Se o casal está de acordo, tudo bem. Ninguém tem nada a ver com isso. Se uma das partes não aceita a infidelidade do parceiro, para isso existe o divórcio. O que não consigo entender é procurar uma clínica para livrar-se do “vício” de gostar do bem-bom.

Em algum jornal, em algum momento, li entrevista com três psicoterapeutas que definiam pessoas com uma sexualidade mais exigente como tarados, pervertidos, ninfomaníacos ou depravados. Ser entusiasta do bom esporte passa a constituir algum tipo de patologia do sexo. “Mais conhecida como compulsão sexual, esse transtorno atinge homens e mulheres, sem distinção de idade”. Segundo a sexóloga Maria Cláudia Lordello, o desejo sexual hiperativo acaba resultando em uma inquietude da pessoa. "Isso a impede de fazer outras coisas importantes da vida. Tarefas cotidianas como trabalho, estudo e vida familiar acabam ficando comprometidas, pois ela deixa de realizá-las para fantasiar ou mesmo para vivenciar esses desejos". Ora, a história nos mostra que o tal de desejo sexual hiperativo não perturba necessariamente o trabalho.

Muito já escrevi sobre Giacomo Casanova di Seingalt (1725 - 1798), que passou sua vida correndo atrás de saias, de Veneza a Paris, de Lisboa a Moscou, naqueles dias em que o meio de transporte mais confortável era uma carruagem puxada a cavalos. O outro era apenas o cavalo. Ao longo de sua vida, teria recebido as homenagens de cerca de duas mil mulheres. Quem for procurar o verbete na Internet, vai encontrar referência a 122 ou 123 mulheres. Isso é bobagem, cifra de qualquer moleque contemporâneo.

Aos sessenta anos, Casanova começa a escritura de suas memórias. “Agora que não posso mais viver, sento e escrevo sobre o que vivi”. Sem jamais ter pretendido fazer literatura, Casanova entra na História da Literatura, em função de sua vida aventureira. Freqüentou cortes e bordéis, prisão e caserna, clero e políticos, conventos e salões literários. Quem quiser se debruçar sobre o século XVIII - seja historiador, seja sociólogo, seja mero curioso - terá em Casanova um excelente guia. Em momento algum faz penitência de seu passado. “Cultivar o prazer dos sentidos foi sempre minha principal preocupação; nunca encontrei outra coisa mais importante. Sentindo-me nascido para o belo sexo, sempre o amei e por ele me fiz amar quanto pude. Apreciei também os bons manjares com transporte, e sempre me apaixonaram todos os objetos capazes de me excitar a curiosidade”.

Teve vida intelectual intensa. Além de suas memórias, que somam dez volumes, traduziu a Ilíada para o italiano. Matemático, escreveu um tratado sobre a duplicação do hexaedro. Paradoxalmente, escreveu também um tratado do pudor e começou a redigir um dicionário de queijos. Escreveu também uma novela utópica, Icosameron. As mulheres, para Casanova, constituíam um estímulo para a produção intelectual. Não fossem elas, teria terminado seus dias como ilustre desconhecido.

Sem precisar ir tão longe no passado, Georges Simenon. Nos anos 80, li uma entrevista concedida pelo escritor belga ao cineasta Federico Fellini, na revista Nouvel Observateur, onde ele admitia ter tido cerca de dez mil mulheres. Isso sem deixar de atender – e como - sua mulher, Denyse Ouimet, que declara: “Nós fazíamos amor todos os dias, antes do café, depois da siesta e antes de dormir”. Consta que atendia ainda a cozinheira.

Este desejo sexual hiperativo – no jargão dos psicoterapeutas - não o impediu de escrever, entre 1920 e 1972, os 431 títulos que lhe são atribuídos, entre livros publicados com o próprio nome e com pseudônimos. Isso sem falar em suas viagens por todos os quadrantes do planetinha. Consta que, em sua melhor forma, Simenon podia trabalhar onze horas corridas em sua máquina de escrever, produzindo 80 páginas por dia. Sem renunciar às “rapidinhas”.

Mas parece que o arrependimento público de Tiger Woods não é exatamente arrependimento. E sim preocupação com seus patrocinadores que – em nome de uma moral hipócrita – ameaçam retirar-lhe o financiamento que o tornou o atleta mais bem pago do mundo.

Bom, aí a situação se torna mais compreensível.

PS - Mal acabo de escrever esta crônica, leio nos jornais que as 3.700 páginas da Histoire de ma Vie, de Casanova, foram descobertas dentro de uma dezena de caixas que haviam sido movidas para uma caixa-forte antes de os Aliados bombardearem a Alemanha em 1945. A Biblioteca Nacional da França pagou 7 milhões de euros pelos manuscritos.

sábado, fevereiro 20, 2010
 
JUIZ DEFENDE SAGRADO
DIREITO DE DELINQÜIR



Bolsa-assassinato. Bom achado, meu caro Vinicius! É a decorrência lógica das bolsas-terrorismo, as gordas recompensas com as quais foram premiados os celerados que um dia quiseram fazer do Brasil uma grande Cuba.

Se o Estatuto da Criança e do Adolescente – o famigerado ECA – determina que um adolescente criminoso não pode ficar preso por mais de três anos, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos entendeu que o assassino corria o risco de ser morto. Na Folha de São Paulo, leio declaração de Carlos Nicodemos, coordenador executivo da ONG Projeto Legal, responsável pelo programa de proteção no Estado do Rio, afirmando que a Vara da Infância e da Juventude do Rio recebeu informações sobre ameaças que o acusado recebia de outros internos do Instituto João Luiz Alves, na ilha do Governador, onde esteve detido até duas semanas atrás. Para se proteger, ele ocupava um setor isolado da entidade.

Como o coitadinho do assassino recebeu ameaças, foi transferido para um lugar considerado seguro. Segundo Nicodemos, receberá subsídio em dinheiro e terá assistência psicológica. Não é cobrada contrapartida. O ameaçado não precisa estudar nem trabalhar. Ora, este é o sonho não só de todo adolescente, como de muitos outros criminosos no país. A única exigência, segundo o advogado, se refere ao sigilo. Se revelar ser beneficiado pelo programa, E. pode ser descartado. Quer dizer, se contar que está na Suíça, corre o risco de perder a bolsa-assassinato.

O país acordou perplexo ao saber que um assassino vai receber aquilo com que todo brasileiro sonha: segurança física e econômica. É o prêmio para quem mata, concedido pela tal de Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Ocorre que a nação já está anestesiada. Este Brasil que elegeu um analfabeto para presidente da República, aceitou a bolsa-terrorismo – criada por Fernando Henrique Cardoso, diga-se de passagem – sem tugir nem mugir. No governo Lula, a recompensa aos criminosos foi generosamente multiplicada. Se a União paga hoje R$ 2,6 bilhões aos celerados do século passado, calcula-se que esta conta possa chegar a R$ 4 bilhões até o final deste ano, quando a Comissão de Anistia espera concluir mais 9.000 pedidos de reparação.

Ora, se o Erário – leia-se contribuinte – pode pagar quatro bilhões à bandidagem ideológica, pode muito bem largar algumas merrecas a um matador de criancinhas. O juiz Iasim Issa Ahmed – administrador do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (Ppcaam) – declarou hoje ao Estado de São Paulo não ter dúvidas de que as garantias e a proteção oferecidas a um dos assassinos do menino João Hélio Fernandes são importantes. "É função do Estado garantir a dignidade humana", diz. E vai em frente: “Quem faz do crime um meio de vida, por exemplo, precisa ter as mesmas garantias constitucionais de qualquer cidadão”.

Temos então um juiz defendendo o direito de delinqüir. Cesse tudo o que a antiga musa canta, que um valor mais alto se alevanta. Todo criminoso tem o sagrado direito de exercer seu ofício. Exceto o cidadão comum, é claro, que pode ser assassinado para que seu assassino ganhe uma bolsa. Não entende-se então porque Leonardo Ruan, o Leozinho, está na cadeia. Muito menos aquele outro operoso cidadão, o Marcos Willians Herbas Camacho. Antes que me esqueça, estes senhores são mais conhecidos na imprensa como Fernandinho Beira-Mar e Marcola.

Cidadãos naturalmente ameaçados pela concorrência, não têm hoje garantia constitucional alguma para o exercício de suas profissões. A julgar-se pela lógica da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, deveriam estar protegidos pelo Estado, gozando de nova identidade em lugar incerto e sabido, pelo menos pelos responsáveis por sua justa remuneração.

Precisamos assegurar a estes profissionais as mesmas garantias constitucionais de qualquer cidadão. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos está sendo inoperante.

 
BOLSA-ASSASSINATO


Prezado Janer,

clap, clap, clap! Parabéns pelo artigo. Confesso que estava esperando que escrevesses algo sobre o tema.

Às vezes tenho a impressão de que vivemos em uma fábrica de loucos, pois só loucura para explicar tanta falta de lógica, a mais elementar, mais rasteira e primária. Não é possível que haja outro lugar no mundo como esse em que vivemos. Lugar em que há mais de 50 mil assassinatos por ano e a defesa da vida não é colocada na agenda nacional, mas bastam menos de 200 assassinatos por ano com motivação homossexual e pronto, é interesse de Estado.

País em que a vítima e sua família são vilipendiados duplamente, a primeira ao perder o ente querido, a segunda ao tomar esse golpe que provoca náuseas, ao ver o algoz, apenas três anos depois, sendo agraciado com bolsa-assassinato e exílio na Suíça. É o único lugar do mundo em que a pena serve apenas (na cabeça dos sociólogos, diga-se) para ressocializar, quando em qualquer lugar, sabemos, a pena serve, desculpe o truísmo, como pena!

Submetem o brasileiro a experiências de correntes de pensamentos amplamente minoritárias no Velho Mundo, mas que aqui chegam com ares de vanguarda (o garantismo penal é um belo exemplo - se tiver estômago e ainda não o tiver feito, leia Zaffaroni e Ferrajoli). E você (e o Leste Europeu) sabe(m) muito bem no que vai dar esse tipo de coisa (experiências acadêmicas com seres humanos). Todo o entulho das áreas pedagógica, criminal, sociológica, enfim, das humanas, entra em nosso país e aqui encontra solo fértil. Pobres de nós.

Mais uma vez, parabéns.

Abração,

Carlos Vinicius Rosenburg

 
MATE UMA CRIANÇA,
QUE O ECA GARANTE *


Vivemos em uma sociedade violenta. Nas grandes cidades, quem sai de casa sempre tem uma certa chance de não voltar. Qualquer atraso de um familiar sempre causa preocupação. Se você tem filhos adolescentes, esta preocupação se multiplica. Se você tem posses, pior ainda: é alvo potencial de seqüestro. Confiar na força que devia fornecer-lhe segurança é inútil. A polícia nunca está no lugar do crime. Chega voando quando se trata de um assalto a banco. Não tem pressa alguma em socorrê-lo quando se trata de ameaça a sua vida ou patrimônio.

Caia na real: você está no mato e sem cachorro. A preservação de sua vida ou de seus bens é uma questão de sorte. Cada dia que você chega são e salvo em casa é lucro. Por enquanto, você está lucrando. Mas nunca se sabe quando a sorte vira.

Não desespere. Se você é jovem, está desempregado e não consegue sustentar-se, tem medo de andar nas ruas e sabe que com a proteção do Estado não pode contar, sempre há uma solução. Se sua vida e seu futuro estão ameaçados, vida por vida melhor salvar a sua. Mate uma criancinha. É investimento dos bons e não tem erro. Você enfrenta uma certa situação desconfortável por um, dois ou três aninhos e, dia seguinte, o Estado lhe garante proteção e sustento pelo resto de seus dias. Se você está enojado de seu bairro ou de sua favela, de suas precárias condições de vida, o Estado lhe oferecerá um outro bairro de sua escolha e o suficiente para viver. Estava cansado de seu nome? Troca-se. Nós nunca temos a chance de escolher nosso nome. Agora, você a tem. Escolha um nome de seu agrado e um novo estilo de vida.

Isso de apostar na mega-sena é coisa de fracassados que vivem de esperanças. E as chances são mínimas. Mate uma criancinha. Ora, dirão certos ingênuos, a criança também tem o direito de viver. Mas você também o tem. E mais do que ninguém. Era você ou ela. E entre ela e você, você escolhe quem? Você mesmo, é claro. Não é nem uma aposta. São favas contadas. Adeus mundo da insegurança, do ter de trabalhar para comer, para ter casa. Já que você teve a audácia de matar – coragem que nem a todos é dada – o Estado o compensará com casa, comida e roupa lavada. Mais trabalho e escola garantidos. Já não dizia um poeta que o mundo é para quem nasce para conquistá-lo? E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar, mata...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?


Carros blindados, condomínios fechados, seguranças, sistemas de vigilância, isto tudo até pode ter certa eficácia. Mas não impedem arrastões, roubos, assassinatos. Nada melhor que o aparelho estatal para protegê-lo... quando decide protegê-lo. A melhor proteção é o sumiço. Isto o Estado brasileiro lhe garante, desde que você ouse. O homem que vive em bunkers paga um alto preço pela sua segurança. A segurança do Estado não custa nada, quando o Estado houver por bem garanti-la.

Foi o que descobriu há três anos o jovem E, como a imprensa o chama. Envolvido na morte de um menino de seis anos, descobriu acidentalmente que matando podia salvar sua lavoura. Raramente alguém chega à independência econômica aos 18 anos. O jovem E chegou lá. Bastou juntar alguns amigos e roubar um carro. Depois, surpresa. Um menino ficou pendurado pelo cinto de segurança. Não freie o carro. Continue rodando. A melhor surpresa mesmo virá depois. O Estado lhe fornecerá tudo que é sonho desses pobres diabos desprotegidos sujeitos a chuvas e trovoadas. Três aninhos de cadeia e depois a liberdade dos passarinhos, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Quanto ao menino, não faz nenhuma falta.

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.


E se morresse logo adiante em um acidente? Não traria lucro a ninguém. Provavelmente, só perdas. Já uma criança assassinada, esta sempre rende. Os pais, amigos e próximos vão sofrer e ficarão marcados pela perda da criança por todas suas vidas? O país está chocado? A imprensa pede sua cabeça? Bobagem. Sua cabeça, pelo contrário, agora está definitivamente protegida.

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que chorem?
Descansa: pouco chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco.


Lágrimas sempre secam. As pessoas encharcam um lenço, uma toalha, não vão encharcar um lençol. Uma mortezinha rápida e você está salvo. Não hesite. O generoso Estado brasileiro lhe dá total apoio. Mude sua vida, meu caro. E para melhor.

Mate. Mate logo antes que seja tarde. Mate que o ECA garante.

* Com escusas ao Pessoa pela mexida no poema. Não resisti.

sexta-feira, fevereiro 19, 2010
 
REPÓRTER PLAGIÁRIO
É DEMITIDO... EM NY



Jornalista do NYT acusado de plágio deixa a empresa, é o que leio em um despacho da agência EFE e do próprio The New York Times. O repórter Zachery Kouwe, acusado de plagiar partes de vários artigos, pediu demissão anteontem, segundo fontes ligadas ao caso. Kouwe foi acusado pelo Wall Street Journal de usar trechos de seus textos em matérias em um blog e em suas próprias reportagens para o The New York Times sem citar as fontes.

Kouwe, que já tinha sido suspenso, se reuniu com representantes do jornal nova-iorquino para discutir ações disciplinares, mas o jornalista decidiu deixar a empresa. Ou seja, o próprio jornal apressa-se a admitir publicamente o plágio de um de seus profissionais. Cá entre nós, se leitores detetam um plágio nalgum jornal ou revista e o comunicam a empresa, seus editores acobertam o plagiário e sequer se dignam a uma resposta.

Não é a primeira vez que o The New York Times toma tal atitude. Para quem já nem lembra, repito. Em maio 2003, uma investigação interna do jornal concluiu que um de seus repórteres cometeu diversas fraudes durante a cobertura de eventos jornalísticos nos últimos meses. Casos freqüentes de plágio e notícias fabricadas representaram uma profunda quebra de confiança e um ponto baixo na história de 152 anos do jornal. Jayson Blair, de 27 anos, enganou leitores e colegas com textos supostamente enviados de Maryland, Texas e outros Estados, quando estava a quilômetros de distância, em Nova York. Fabricou comentários de "entrevistados", inventou situações e roubou material de outros jornais e de agências de notícias. Pinçou detalhes de fotografias para passar a falsa impressão de que tinha estado em determinados lugares e visto certas pessoas.

Jayson Blair quase teve sua carreira destruída. Digo quase, pois o jornalista teve propostas milionárias para escrever suas memórias. Nos EUA nada se perde. Tudo se transforma... em dólares. Até mesmo a fraude.

O plágio de Zachery Kouwe foi flagrado há uma semana. Segundo o NYT, na sexta-feira passada, o diretor do The Wall Street Journal Robert Thomson mandou uma carta para o jornal apontando semelhanças entre um artigo do site do WSJ e uma postagem do blog financeiro do NYT, que no dia seguinte foi publicada na versão impressa. Os textos foram postados na internet no mesmo dia, 5 de fevereiro, com apenas duas horas de diferença. Após a denúncia, os editores do NYT investigaram o caso e encontraram outros exemplos de plágio do jornalista. O Jayson era jornalista tão ágil quanto o correspondente da Veja em Paris. Publicou, plagia na hora.

O incidente foi revelado nesta segunda-feira pelo próprio NYT. Segundo o jornal, Kouwe copiou passagens do WSJ e da agência de notícias Reuters em suas reportagens e posts no blog financeiro do NYT sem citar as fontes.

Nos últimos dias, denunciei neste blog dois plágios de Antonio Ribeiro, correspondente de Veja em Paris, que aos céus clamam uma demissão. A denúncia já é pública na Internet e sei que os editores de revista dela já tomaram conhecimento. O correspondente, atualmente em férias, teve sua coluna mantida e promete voltar em março com mais plágios.

Veja está perdendo credibilidade a passos rápidos. É uma pena, pois foi uma das boas revistas que o Brasil já teve.

 
JORNALISTA PODE,
COTISTA NÃO PODE



Leio na edição on line do Jornal da Imprensa que o Ministério do Trabalho e Emprego confirmou que houve falhas na comunicação interna sobre a norma para a emissão de registro para jornalistas. A orientação é de que jornalistas diplomados na área recebam a distinção “Jornalista Profissional” e os que não possuem graduação específica, “Jornalista/Decisão STF”, mas a norma não estava sendo seguida por todas as regionais do Trabalho. Esta distinção não é feita na decisão do STF. Para Gilmar Mendes, o presidente da Corte, "um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da culinária. Disso ninguém tem dúvida, o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até à saúde e à vida dos consumidores".

Para o ministro Cezar Peluso, experiências de outros países demonstram que o jornalismo sempre pôde ser bem exercido sem qualquer exigência de formação universitária. "Não existe no exercício do jornalismo nenhum risco que decorra do desconhecimento de alguma verdade científica".

Desconheço qualquer outro país – se não o Brasil - em que seja exigido o diploma para o exercício da profissão. Isso que, até 69, era jornalista quem trabalhava em jornal e ponto. Foi a famigerada junta dos Três Patetas que tornou o diploma obrigatório. À primeira vista, é paradoxal ver sindicatos de esquerda manifestarem apoio irrestrito a um decreto emanado por uma junta da ditadura militar. Mas só à primeira vista. As viúvas do Kremlin adoram medidas ditadoriais, desde que sejam elas a tomá-las. Que mais não seja, a obrigatoriedade do papelucho cria um vasto mercado de trabalho, no qual professores que nunca pisaram numa redação de jornal ganham mais que jornalistas.

Continua o ministro Peluso: "Nesse campo, a salvaguarda das salvaguardas da sociedade é não restringir nada. Quem quiser se profissionalizar como jornalista é livre para fazê-lo, porém esses profissionais não exaurem a atividade jornalística. Ela se disponibiliza para os vocacionados, para os que têm intimidade com a palavra.

Na França, por exemplo, a lei é singela. É jornalista quem tira a maior parte de seus proventos do jornalismo. Ou seja, o Ministro do Trabalho está sabotando uma decisão do STF, definindo como jornalistas de segunda categoria quem não tiver diploma.

Há horas defendo uma tese. Já que instituído está o sistema de cotas, seja anotado no diploma de cada universitário se entrou na universidade pelo sistema antigo ou pelo de cotas. Não acho que nisto vá qualquer discriminação aos cotistas. Pois os defensores do sistema de cotas consideram que esta modalidade em nada prejudica a qualidade do ensino.

Mas obviamente universidade alguma aceitará minha singela sugestão. O mercado não pode saber quem é cotista e quem não é. O que de pouco ou nada adianta. A cota está escrita na cor da pele. É óbvio que o sistema de cotas provocará desemprego entre os negros. Não importa. No momento oportuno, quando a safra dos que entraram pela porta dos fundos da universidade estiverem se formando, cria-se cotas para a afrodescendentada nas empresas e repartições públicas.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010
 
FÖRFATTARINA ME
LEVA AO SAARA



Ainda sobre contar histórias. Nasci ouvindo histórias, mas contadas por pais, parentes, pela gauchada de Upamaraty e Ponche Verde. Causos, como se dizia naqueles rincões. Era uma atividade lúdica para os momentos de lazer. Havia os causos em torno à fogueira no galpão, na madrugada, quando a indiada se reunia para tomar um chimarrão antes de começar as lides de campo. E havia os causos noturnos, quando após a janta se tomava mais um mate junto ao portal da casa.

Estes foram os que mais me marcaram. Eram histórias de cemitério, assombrações, esqueletos, caveiras, mulas sem cabeça. Eu as ouvia na antiga casa senhorial, que ficava a meia légua da casa de meus pais. Lá pela meia noite, hora sinistra, eu voltava naquelas noites enluaradas para meu rancho. Voltava voando pelas sangas e canhadas. Algo ou alguém, juro, me perseguia colado às minhas costas. Por mais que corresse, não conseguia afastar-me da coisa. Cá entre nós: não é fácil tomar distância da própria sombra.

Foram dias de pânico. Às vezes voltava a cavalo pela Linha Divisória, já tarde da noite, e sentia nitidamente, ao passar por cemitérios, que alguma coisa gelada montara em minha garupa. Até o cavalo ficava nervoso, suponho que contaminado por meu medo. E de nada adiantava passar do trote ao galope, porque a coisa gelada não apeava. Levei algum tempo para superar o medo a cemitérios. Hoje, adoro visitá-los em minhas viagens. De dia, bem entendido. À noite, não sei não.

Aquela gente inculta de meus pagos, se ouvisse falar em literatura, certamente não entenderia a palavrinha. Estavam no entanto exercendo uma das grandes funções da literatura, provocar emoções. Como Monsieur Jourdain, faziam prosa sem sabê-lo. Claro que os adultos não acreditavam naquelas potocas. Mas adoravam assustar as crianças. Se naqueles dias vivi momentos de terror, hoje guardo uma terna lembrança daqueles causos.

Um outro leitor me cita Bocaccio e Pasolini como grandes contadores de histórias. Ora, todo cineasta, todo escritor, é um contador de histórias. Cervantes ou Cela, Bocaccio ou Dante, Pasolini ou Fellini, Shakespeare ou Swift são contadores de história. Outra coisa é funcionário público pago para contar histórias que ninguém pediu para ouvir.

O leitor também menciona Sherazade. É uma metáfora interessante. Só para lembrar: ao descobrir que foi traído, o rei Shariar mata sua mulher e seu amante. E toma uma decisão que passa a provocar inquietação em seu reino: só aceita virgens em sua cama. Consumado o ato, o rei a executa. A bela Sherazade, filha do primeiro ministro, concebe um plano para acabar com a matança. Mas primeiro precisa casar com o rei. Uma vez casada, conta uma história que sempre promete outra. O rei, curioso, lhe concede mais uma noite. Mas se uma de suas histórias não agradar, terá sua cabeça cortada. No que dependesse do rei Shariar, poucos contadores de história contemporâneos sobreviveriam a um dia. Mas As Mil e uma Noites acabam sendo de uma chatice ímpar. Não conheço ninguém que as tenha lido integralmente. Tenho comigo uma edição magnífica da Aguilar, em três volumes, papel-bíblia, 1.600 páginas cada um. Só consegui ler umas cem noites. No que de mim dependesse, a Sherazade perdia a cabeça em pouco mais de três meses. Às vezes, volto a algum tomo, mais para curtir aquele saboroso estilo oriental de narração do que para ouvir uma história.

Quem viaja e quem lê sempre tem histórias interessantes para contar. Ernesto Sábato, por exemplo, era um causeur irremediável. Já ouvi por longas horas o relato de suas viagens, leituras, encontros e amores. Só tinha um problema: é daqueles que pega a palavra e não a larga mais. Basta mudar de geografia e você já tem o que contar. Na nova cidade ou país, sempre encontrará quem tenha curiosidade de ouvir algo sobre seu terrunho. E ao voltar ao terrunho, terá mais coisas ainda para contar aos seus.

Em Estocolmo, viajei pelo mundo todo em minhas aulas de sueco. O curso tinha uma estratégia para evitar panelinhas por língua, cada aula tinha um só ressortissant de cada país. Éramos então obrigados a nos comunicar na única língua comum, o sueco. Quando chegamos a um relativo domínio da língua, cada aula era um simpósio sobre história, sociologia, costumes, comportamento. O professor pedia, por exemplo, que cada aluno falasse sobre a condição da mulher, ou sobre a culinária, ou sobre a geografia de seu país. Em duas ou três horas de aula, havíamos viajado por boa parte do planetinha.

Foi numa aula dessas que conheci uma adorável suissesse, Federica de Cesco. Graças às histórias dela em El Hogar e Tassili, suas viagens pela geografia dos homens azuis, acabei viajando ao Saara argelino. Onde fui ouvir, nas noites gélidas na montanha, em torno à fogueira, histórias narradas por tuaregs. Como em meu galpão em Upamaruty.

Vivi noites solenes naqueles picos. Em meio à noite enluarada e a um silêncio estridente que chegava a ferir os ouvidos – juro! – o narrador usava suas palavras com parcimônia. Uma ou duas, talvez três, por minuto. Não era contratado para isso. Contava pelo prazer de contar as coisas de seu oásis ou de seu oued.

Foram momentos quase religiosos. Ateu, pensei com meus botões: se deus existe, ele deve habitar por aqui. O deus do Ocidente nasceu no silêncio do deserto. Deus nasce da areia, escreveu Michel Onfray.

Um pouco mais de Federica. Era uma escritora profissional. Isto é, escrevia sobre o que os editores lhe pediam. Falava sueco com um charmoso sotaque alemão. Encontrei-a na Stockholms Universitet. Em uma dessas aulas cosmopolita, passamos a discorrer sobre profissões. A professora perguntou a dela. Författarina, respondeu.

Författarina? Eu jamais havia visto uma författarina de perto. Preciso conhecer essa mulher, pensei. Na saída da aula, já estávamos tomando um café no Kungsträdgården, a praça que ficava frente ao curso. Linda e jovial, teria no máximo quarenta anos. Você então é escritora? Sou. Já havia escrito 25 livros, estava redigindo o vigésimo oitavo e tinha dois no prelo. Pensei que fosse blefe. Não era. Mais tarde, em seu apartamento, encontrei uma estante repleta de livros, com algumas das traduções em diferentes idiomas de alguns de seus cinqüenta livros.

- Mas nada disso tem valor - me disse. Escrevo para ganhar minha vida. Sou enviada a diferentes lugares do mundo para escrever romances com cor local. Agora, estou em Estocolmo para escrever uma história ambientada em aeroportos internacionais.

Vänta lite, min kära författarina! Péra aí, minha cara escritora! Quem escreveu meia centena de livros tem boas chances de ter escrito pelo menos um interessante.

- Naturligtvis! Gosto deste aqui.

E passou-me uma edição de luxo, com farta policromia, de Touareg, nomades du Sahara. Antes mesmo que eu o lesse, contou-me histórias dos chamados homens azuis, relatos que ouvi embevecido naquelas noites brancas dos hiperbóreos. Voltei do reino dos Sveas, perdi contato com Federica, mas fiquei com os tuaregs na memória. Uns sete ou oito anos mais tarde, fui conhecê-los. Lá ouvi, in loco, as histórias que Federica me contava.

Apaixonada por cavalos, certa vez convidou-me para fazer equitação. Gostei da idéia. Por sorte deu zebra e nossa cavalgada não ocorreu. Seria um desastre. Só mais tarde me dei conta de que montaria um cavalo urbano, sueco e civilizado, talvez até mesmo bilíngüe, desses que obedecem a comandos, comandos que desconheço. Só conheço os matungos analfabetos lá do Ponche Verde.

La Cesco, apesar de traduzida em um monte de línguas, é desconhecida no Brasil. Encontrei certa vez um livro seu traduzido ao português numa livraria do Chiado em Lisboa. Em Paris e Madri, encontrei dezenas. O encontro com a suissesse foi fundamental em minha vida. Se ela, que até então havia escrito meia centena de livros, considerava que nenhum deles era importante, considerei que poderia escrever pelo menos um que tivesse alguma importância. Assim nasceu O Paraíso Sexual Democrata. Assim, se alguém hoje tem de aturar minhas histórias, a culpa é da författarina.

Apresento-vos La Cesco. Trailer de filme sobre sua vida:
http://www.cineman.ch/movie/2008/FedericaDeCesco/trailer.html

Entrevista:
http://www.art-tv.ch/1532-0-frederica-de-cesco--das-interview.html

Esplendor dos dias de Estocolmo:
http://tinyurl.com/yzg645j

quarta-feira, fevereiro 17, 2010
 
PLAGIADOR DENUNCIA PLÁGIO


Antonio Ribeiro, o emérito plagiador de Veja, é muito rigoroso quando se trata de denunciar plágios alheios. Em setembro do ano passado, denuncia plágio mais que conhecido, o quadro Independência ou Morte, do pintor paraibano Pedro Américo de Figueiredo e Melo. De um bom amigo, André Catelli, recebo link para o artigo abaixo, publicado na Veja. Considerando-se o vício profissional do “correspondente” em Paris, só nos falta saber de onde plagiou a denúncia de plágio. De algum lugar lugar terá plagiado, porque este plágio de Pedro Américo não é novidade para ninguém. O "correspondente" fala em dúvida de plágio. É gentil. Porque de seus plágios não cabe dúvida alguma.

Souvenir de Nova York
segunda-feira, 21 de setembro de 2009 | 8:06

Uma das pinturas mais conhecidas da arte brasileira, presença cativa nos livros escolares, é o Independência ou Morte, do pintor paraibano romântico Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905). O óleo sobre tela de 4,15 x 7,60 metros, pintado pelo antigo aluno da Escola de Belas-Artes de Paris, em 1888, em Florença, na Itália, pertence ao acervo do Museu da Cidade de São Paulo. Lá está como obra número um, espécie de Mona Lisa se considerado seu poder de atrair visitantes para o mesmo espaço. Por medida cautelar contra almas mais exigentes adianta-se que o magneto nacional é bem menos poderoso que a tela maioral do Louvre.

No entanto, poucos sabem que paira sobre o Independência, conhecido também por O Grito do Ipiranga, a dúvida do plágio. Ou se preferem, a eventual inspiração em uma aquarela feita treze anos antes. Trata-se do 1807, Friedland, de Jean-Louis Ernest Meissonier (1815-1891). A cena do pintor autodidata francês mostra Napoleão Bonaparte e seu estado-maior saudando o regimento dos curaceiros antes de encetarem ataque durante a Batalha de Friedland. Os soldados de cavalaria equipados com armadura foram peça capital nas vitórias do imperador de origem corsa rumo ao domínio do Velho Continente. Vale lembrar, derrotado no fim da carreira, Bonaparte deixou a França menor do que a encontrou, embora o grandeur não se meça em palmos de terra.

Meissonier era um meticuloso pintor de quadros de pequeno formato, repletos de detalhes. O 1807, Friedland foi o maior deles, mede 1,36 por 2,42 metros - um dos cinco episódios pictóricos imaginados pelo autor sobre a vida de Bonaparte. As fisionomias dos cavaleiros obedecem uniformidade que deixa a impressão de que o autor fez economia de recursos ou teve o propósito de criar um exército de clones montados. Sempre a mesma expressão, a do homem maduro, bochechas salientes, bigodes, nenhuma nobreza e até um certo traço de vulgaridade.

O quadro ganhou fama em 1876 quando foi comprado do artista pelo americano Alexander T. Stewart (1803- 1876). próspero dono de uma rede de lojas de departamento. Ele pagou 60.000 dólares, na época, a soma era astronômica para uma obra de arte. Detalhe: Stewart adquiriu a pintura sem vê-la, entusiasmou-se só pela descrição. Messionier, soldado durante o sitio de Paris, em 1870, escreveu a Stewart: “Eu não queria pintar uma batalha, mas Napoleão no zênite da glória. Pintei o amor, a adoração pelo grande capitão em quem os soldados tinham fé e por quem estavam dispostos a morrer.”

 
MAIS UM PLÁGIO DO
“CORRESPONDENTE”
DE VEJA EM PARIS



Quando denunciei o plágio do “correspondente” da Veja em Paris, fiquei com a convicção de que não seria o único. Quem plagia uma vez, plagia outras. Não deu outra. Recebo de um leitor:

Oi, Janer.

"Se este senhor continuar trabalhando na revista, Veja está
definitivamente desmoralizada", você disse. Nesse caso, pode considerá-la "definitivamente desmoralizada" desde pelo menos 2008, quando o mesmo colunista plagiou um artigo publicado pela Time.

Confira neste link o artigo original, de Bill Saporito:
http://www.time.com/time/nation/article/0,8599,1843168,00.html

E neste, o plágio:
http://veja.abril.com.br/blog/de-paris/franca/os-estados-unidos-da-franca/

Note que nesse texto o plágio é ainda mais explícito do que no artigo sobre os cafés. Em alguns trechos a cópia é praticamente ipsis litteris. Pois é, o articulista é reincidente. Fez uma, duas vezes. E talvez tenha feito mais. Saiu de férias. Será que volta?

Abraços,

Emerson


Certamente fez muito mais outros, Emerson. Cachorro que come ovelha não tem cura. Só matando, como se diz em meus pagos. Além de chupador do trabalho alheio, é burro. Nos tempos pré-internet, plágio era coisa que passava batido. O “correspondente” – melhor diríamos, o tradutor – copiava seu texto de um jornal do país em que estava e dava seu trabalho como feito. Como o jornal não chegava aqui, o fulano passava por jornalista ágil. Hoje, os tempos são outros. Qualquer texto que esteja na rede pode ser consultado. Um jornalista precisa ser muito mentecapto para achar que seu plágio, mais dia menos dia, não será descoberto. Se Veja não dispensar este senhor, estará demonstrando a falta de respeito que tem pelo leitor.

Outra dúvida que me ocorreu foi se o “correspondente” em Paris sabe francês. Pelo jeito, não. Pois prefere copiar do inglês. Suas “fontes” sobre a França estão nos EUA ou Reino Unido. Ao que tudo indica, nem português o “correspondente” domina. O animal grafa francêses assim, com acento. Abaixo, o plágio da Veja e o artigo plagiado da Time.

 
PLÁGIO DO "CORRESPONDENTE":
Estados Unidos da França



Era uma vez um sentimento que o vento levou. A antipatia dos americanos com os franceses, ou pelo menos, de parte deles, já não é tão epidérmica como outrora. Houve o tempo, para mencionar o alto grau de repelência, que se chegou mudar, no cardápio do restaurante do Senado americano, o nome da guarnição french fries (batatas fritas à francesa) para liberty fries (batatas fritas da liberdade). O candidato democrata derrotado para presidência dos EUA, John Kerry, evitava mencionar suas origens francesas e, quando era entrevistado por jornalistas franceses, embora fale com fluência o idioma do dramaturgo e ator Jean-Baptiste Poquelin, o Molière (1622-1673), respondia em inglês. Qualquer laço com o país contrário a invasão do Iraque, pegava bem mal. A vitória de Nicolas Sarkozy, admirador sem entraves e dissimulações dos EUA, ajudou a reaproximação de dois velhos países aliados — passaram décadas como cão e gato, ainda que nunca guerrearam entre si. Curiosamente, a maior crise financeira desde 1929, fez o resto. Dela emergiu uma semelhança que vamos chamar aqui de Estados Unidos da França.

Os EUA acabam de nacionalizar seu sistema financeiro. Se não de fato, mas idéia de que se algo vai mal na economia, o estado vem em socorro, é uma prática bem francesa. O gigantesco déficit público atual dos EUA provoca inveja nos mais entusiastas defensores do modelo francês, aquele que avança no bolso do contribuinte sem pudor e piedade. Os americanos estão quase nacionalizando Detroit atraves de empréstimos volumosos. Lembram-se da Renault, na década de 80? Tudo em nome do “patriotismo econômico” — a indústria automobilística americana é símbolo do orgulho nacional, há muitos empregos — mais que na Airbus, por exemplo — e votos sob ameaça de serem perdidos. Mais francês? Só baguete com presunto, queijo emmental e mostarda forte de Dijon para chorar de prazer. Poucos trabalhadores americanos irão sustentar um número bem maior de aposentados, no futuro. Adicione um sistema de seguridade social deficitário, tem-se uma espécie França na América do Norte.

O laissez-faire (palavra francesa) americano, o sistema de regulamentação do mercado financeiro, proposto pelos candidatos à presidência dos EUA, deixa o ex-presidente socialista francês François Mitterrand mais próximo de Adam Smith que os dois postulantes a Casa Branca juntos. Em 1982, Mitterrand nacionalizou grandes bancos e companhias de seguro, mas não teve que lidar com bancos refratários para emprestar, tal qual a dor de cabeça de Hank Paulson, Secretário do Tesouro americano. A injeção de 700 bilhões de dólares — dinheiro do contribuinte — para salvar instituições financeiras, tentando restabelecer a confiança do mercado, era inevitável. Certo. Mas não deixa de ser a elite servindo a elite. Nada mais francês.

Na França o privilégio dos agricultores é sagrado. O time do campo recebe o que pede. Não solicitam pouco. E tome subsídios, caso contrário, atiram de tomates a ovos nas ruas, emporcalhando grandes e pequenas cidades francesas; atrapalham o trânsito com seus modernos tratores e colhedeiras; invadem supermercados. Os agricultores americanos não tem motivos para ir tão longe. Eles pertencem a um dos grupos mais bem protegidos dos EUA. Só no ano passado receberam mais de 180 bilhões de dólares de subsídios. Um consumidor americano — a comida nos EUA é mais barata que na França, embora bem pior — paga o dobro do preço de um quilo de açúcar que o consumidor francês. Isso porque o preço mínimo é garantido pelo governo. Neste ritmo os americanos estão se tornando mais reais que o rei. Dito de outro modo: mais francêses que a França.

Por Antonio Ribeiro

 
O ARTIGO PLAGIADO DA TIME:
How We Became the United States of France


By Bill Saporito - Sunday, Sep. 21, 2008


This is the state of our great republic: We've nationalized the financial system, taking control from Wall Street bankers we no longer trust. We're about to quasi-nationalize the Detroit auto companies via massive loans because they're a source of American pride, and too many jobs — and votes — are at stake. Our Social Security system is going broke as we head for a future in which too many retirees will be supported by too few workers. How long before we have national health care? Put it all together, and the America that emerges is a cartoonish version of the country most despised by red-meat red-state patriots: France. Only with worse food.

Admit it, mes amis, the rugged individualism and cutthroat capitalism that made America the land of unlimited opportunity has been shrink-wrapped by half a dozen short sellers in Greenwich, Conn., and FedExed to Washington, D.C., to be spoon-fed back to life by Fed Chairman Ben Bernanke and Treasury Secretary Hank Paulson. We're now no different from any of those Western European semi-socialist welfare states that we love to deride. Italy? Sure, it's had four governments since last Thursday, but none of them would have allowed this to go on; the Italians know how to rig an economy.

You just know the Frogs have only increased their disdain for us, if that is indeed possible. And why shouldn't they? The average American is working two and a half jobs, gets two weeks off and has all the employment security of a one-armed trapeze artist. The Bush Administration has preached the "ownership society" to America: own your house, own your retirement account; you don't need the government in your way. So Americans mortgaged themselves to the hilt to buy overpriced houses they can no longer afford and signed up for 401(k) programs that put money — where, exactly? In the stock market! Where rich Republicans fleeced them.

Now our laissez-faire (hey, a French phrase), regulation-averse Administration has made France's famed Socialist President, François Mitterrand, look like Adam Smith by comparison. All Mitterrand did was nationalize France's big banks and insurance companies in 1982; he didn't have to deal with bankers who didn't want to lend money, as Paulson does. When the state runs the banks, they are merely cows to be milked in the service of la patrie. France doesn't have the mortgage crisis that we do, either. In bailing out mortgage lenders Fannie Mae and Freddie Mac, our government has basically turned America into the largest subsidized housing project in the world. Sure, France has its banlieues, where it likes to warehouse people who aren't French enough (meaning, immigrants and Algerians) in huge apartment blocks. But the bulk of French homeowners are curiously free of subprime mortgages foisted on them by fellow citizens, and they aren't over their heads in personal debt.

We've always dismissed the French as exquisitely fed wards of their welfare state. They work, what, 27 hours in a good week, have 19 holidays a month, go on strike for two days and enjoy a glass of wine every day with lunch — except for the 25% of the population working for the government, who have an even sweeter deal. They retire before their kids finish high school, and they don't have to save for $45,000-a-year college tuition, because college is free. For this, they pay a tax rate of about 103%, and their labor laws are so restrictive that they haven't had a net gain in jobs since Napoleon. There is no way the French government can pay for this lifestyle forever, except that it somehow does.

Mitterrand tried to create both job growth and wage growth by nationalizing some big industries — as France had done with automaker Renault earlier. The successful automaker became a private company again in 1996, although the government retains about 15% of its shares.

Now the U.S. is faced with the same prospect in the auto industry. GM and Ford need money to develop greener cars that can compete with Toyota and Honda. And they're looking to Uncle Sam for investment — an investment that could have been avoided had Washington imposed more stringent mileage standards years earlier. But we don't want to interfere with market forces like the French do — until we do.

Mitterrand's nationalization program and other economic reforms failed, as the development of the European Market made a centrally planned economy obsolete. The Rothschilds got their bank back, a little worse for the wear. These days, France sashays around the issue of protectionism in a supposedly unfettered EU by proclaiming some industries to be national champions worthy of extra consideration — you know, special-needs kids. And we're not talking about pastry chefs, but the likes of GDF Suez, a major utility. I never thought of the stocks and junk securities sold by Goldman Sachs and Morgan Stanley as unique, but clearly Washington does. Morgan's John Mack calls SEC boss Chris Cox to whine about short sellers, and bingo, the government obliges. The lite serve the lite. How French is that?

Even in the strongest sectors in the U.S., there's no getting away from the French influence. Nothing is more sacred to France than its farmers. They get whatever they demand, and they demand a lot. And if there are any issues about price supports, or feed costs being too high, or actual competition from other countries, French farmers simply shut down the country by marching their livestock up the Champs Elys�es and piling up wheat on the highways. U.S. farmers would never resort to such behavior. They don't have to; they're the most coddled special-interest group in U.S. history, lavished with $180 billion in subsidies by both parties, even when their products are fetching record prices. One consequence: U.S. consumers pay twice what the French pay for sugar, because of price guarantees. We're more French than France.