¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, março 28, 2010
 
QUEM GRITA É A IMPRENSA


Em artigo no Estadão, Eugenio Bucci afirma: “Antes de prosseguirmos, faço um esclarecimento. O leitor há de ter notado que venho usando a palavra denúncia sempre entre aspas. Explico-me. O termo "denúncia", que a pesquisa adotou sem maiores reservas, é impreciso e pode apequenar o papel da imprensa. Denúncia quer dizer acusação. Se o jornalismo for visto como tribuna acusatória, será péssimo para os jornais, para os leitores e para a democracia”.

De fato, acusação é função do Ministério Público, do Congresso, dos tribunais, da polícia. Ocorre que quem mais tem denunciado falcatruas, crimes financeiros, corrupção e até mesmo o tráfico de drogas é a imprensa. Foi a imprensa que levantou o caso do mensalão, os desmandos dos Sarneys, os dólares na cueca, as propinas de Arruda e sua quadrilha. Se Arruda está hoje na cadeia – onde não esquentará banco, é verdade – isto se deve à difusão pela imprensa das fotos e vídeos em que recebe seu quinhão. Diria até mesmo que a condenação do casal Nardoni se deve à televisão e aos jornais, que mobilizaram a opinião pública. Estivessem sendo julgados longe dos holofotes, uma pena mais branda, meramente pedagógica, não seria de espantar.

Mesmo quando a denúncia surge do Ministério Público, é o respaldo dos jornais que lhe dá sustentação. Enquanto a maracutaia rola apenas nas salas da burocracia judiciária, os corruptos dormem o sono dos justos. Basta um bom advogado, mais um juiz barato e a pendenga se resolve. O problema surge quando a maracutaia vai para a primeira página dos jornais. Aí, o julgamento é da opinião pública. Não por acaso, Lula vive se queixando da imprensa.

Foi a imprensa que denunciou, em primeira mão, tanto os crimes da ditadura quanto as corrupções de Maluf ou do PT. É a imprensa que flagra assaltos, traficantes vendendo sua muamba ou drogados perambulando quais zumbis pelas ruas de São Paulo. A imprensa tem exercido uma função que compete à polícia, que só toma providências após as denúncias dos jornais. Claro que jornalista não pode prender, acusar nem julgar. Mas denunciar é o que mais a imprensa tem feito.

Mas Bucci admite: “É verdade que, por vezes, as evidências de corrupção são tão clamorosas que a mera publicação de uma reportagem, por mais sóbria que seja, assume ares de denúncia contundente. Tudo bem, isso acontece, mas, aí, quem acusa são os fatos, não o jornalista. Repórteres não existem para fazer "denúncias". A finalidade do seu trabalho é fazer reportagem”.

Ok! Mas os fatos não vão andando até a redação do jornal. É preciso quem os busque, investigue, priorize. Como dizia como dizia um certo Panizza, na Idade Média: “o que acontece em segredo não aconteceu. Só o que grita é pecado”. Parafraseando Panizza: o que rola apenas nos meandros da Justiça não aconteceu. Só o que grita é crime. Quem grita é a imprensa.

O caso mais emblemático é o do acobertamento dos padres pedófilos pelo papa. Se a denúncia permanecesse no silêncio dos tribunais ou nos corredores do Vaticano, Bento não estaria hoje pedindo desculpas às vítimas. Não fosse o New York Times e a repercussão de suas denúncias na imprensa internacional, não estaria hoje o arcebispo de Westminster, Vincent Nichols, afirmando à BBC que o papa Bento XVI não vai renunciar ao cargo diante da série de escândalos de abuso sexual infantil envolvendo clérigos em vários países. Que não vai renunciar, disto sabemos. Como disse lorde Acton, o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Mas é bom sinal que um cardeal precise dizer à imprensa que Sua Santidade não renunciará.

São os jornais que têm denunciado crimes de guerra, as mentiras de Bush sobre
o Iraque, os genocídios na África, as relações do PT com as FARC. Tenho sérias restrições à imprensa, ou melhor, à forma como hoje a imprensa é feita. Deixei
isto claro em meu ensaio Como ler jornais. Se jornalismo é ruim, pior sem ele.

Denúncias não apequenam o papel da imprensa. Denúncias têm sido a função mais importante dos jornais. Imprensa é o último recurso do cidadão, quando tanto a Justiça como a polícia o abandonam.