¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, março 31, 2010
 
MÉTODO PRÁTICO PARA
RECEBER MENSAGENS
DO ALÉM-TÚMULO



Leitor me lembra que a entidade preferida de Chico Xavier era um senador romano que falava português ao invés de latim. E me pergunta: será que há algum cursinho de idiomas no Além?

Pelo jeito tem, e muitos. Chico Xavier recebia o espírito Emmanuel. Que antes de ter encarnado no cônsul Públio Lentulus Cornelius - conspirador e amigo e amigo de Sulla e Cícero, condenado à morte em 63 a.C. – encarnou em Simas, grão-sacerdote do templo de Amon-Rá, em Tebas. Segundo a milenar biografia de Emmanuel que consulto, Lentulus teria desencarnado em Pompéia, em 79, vítima das cinzas do Vesúvio, cego e já voltado aos princípios de Jesus.

Emmanuel renasceu em Éfeso, em 131, como o escravo Nestório. Em Chipre foi Basílio, romano filho de escravos gregos, que viveu como liberto em 233. Entre seus renascimentos, acabou encarnando inclusive no padre Manuel da Nóbrega, quando deve ter aprendido português. No início do século XXI – ó decadência! – teria reencarnado em uma cidadezinha no interior de São Paulo. Da glória do Egito e Roma imperiais ao universo caiçara brasileiro.

As escolas de línguas do Além, ao que tudo indica, são antiqüíssimas, inclusive anteriores à Era Cristã. Em um romance de Chico Xavier, Há dois mil anos, publicado em 1939, o patrício romano tem a oportunidade de se encontrar pessoalmente com Jesus, mas entre a opção de ser servo de Jesus ou servo do mundo, escolhe a segunda. O romance do médium tem significativas coincidências com A Vida de Jesus, de Ernest Renan, publicado em 1863 e traduzido ao português pela Lello & Irmão Editores, de Porto. Uma alma generosa teve a lembrança de colocá-las na rede. Les voilà:

Xavier:

Nuvens de aves cariciosas cobriam, em bandos compactos, aquelas águas feitas de um prodigioso azul celeste, hoje encarceradas entre rochedos adustos e ardentes.

Renan:

Revoadas de aves aquáticas cobrem o lago. As águas, de um azul-celeste, profundamente encravadas entre rochedos abrasantes, parecem, quando se olha para elas do alto da montanha de Safed, estar no fundo de uma taça de ouro.

Xavier:

Ao norte, as eminências nevosas do Hermon figuravam-se em linhas alegres e brancas, divisando-se ao ocidente as alevantadas planícies da Gaulanítida e da Pereia, envolvidas de sol, formando, juntas, um grande socalco que se alonga de Cesareia de Filipe para o sul.

Renan:

Ao norte, os barrancos cobertos de neve do Hermon se recortam em linhas brancas no céu; a oeste, os planaltos ondulados da Gaulonítida e da Peréia, absolutamente áridos e envolvidos pelo sol numa espécie de atmosfera aveludada, formam uma montanha compacta, ou, melhor dizendo, um longo terraço bem elevado que, desde Cesaréia de Filipe, corre indefinidamente para o sul.

Xavier:

Uma vegetação maravilhosa e única, operando a emanação incessante do ar mais puro, temperava o calor da região, onde o lago se localiza, muito abaixo do nível do Mediterrâneo.

Renan:

O calor nas margens é agora muito pesado. O lago ocupa uma depressão de 189 metros abaixo do nível do Mediterrâneo e participa, assim, das condições tórridas do mar Morto. Antigamente, uma vegetação abundante temperava esse calor excessivo; dificilmente se compreendia que uma fornalha como a que é hoje toda a bacia do lago, a partir do mês de maio, tenha sido o palco de uma atividade tão prodigiosa. Josefo, aliás, acha a região bastante temperada.

Eis o médium. Ou seja, receber mensagens do Além não é tão complicado. Basta ter em mãos uma tradução de um clássico. Se há cursos de língua no Além, Chico Xavier não parece ter tido a oportunidade de freqüentá-los. Foi preciso esperar a tradução de Renan ao português.

Outro aspecto que sempre me intrigou é que médiuns nunca psicografam obras em idiomas estrangeiros. Se o Emmanuel era poliglota, o Chico era tão monoglota quanto o Lula. Por que um espírito – ainda mais um espírito que reencarnou em tantas geografias – não transmite obras nas línguas dos países por onde vagou?

Mistério, profundo mistério.