¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, abril 25, 2010
 
ESCRITOR SUECO
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Partidos e candidatos estão disputando a tapas minutos de propaganda eleitoral na televisão. Em nome destes minutos, as mais espúrias alianças são permissíveis. Isto não me espanta. O que me espanta é que horários de propaganda política tenham alguma audiência. Entendo até mesmo os pobres de espírito que assistem às novelas e BBBs da vida. É gente que não vive a própria vida e se sente vivendo espiando a alheia. Mas ouvir mentiras de vigaristas? Não entendo. Tampouco entendo que essa exposição televisiva de cães famintos em busca do osso do poder possa influenciar uma eleição.

O Estadão de hoje traz entrevista com o sociólogo italiano Massimo di Felice. Doutor em Ciências da Comunicação, especialista em mídias digitais, ele leciona Teoria da Opinião Pública na Escola de Comunicação de Artes da USP. O entrevistado é de óbvia extração marxista. Primeiro porque leciona na ECA, e ninguém leciona na ECA se não beijar a mão de algum capo de esquerda. Segundo, por seu jargão. Ao falar sobre o conceito de opinião pública, afirma: “Ao longo da história ele foi contestado por uma porção de teorias, principalmente depois do surgimento da mídia de massa e do uso que o nazismo, o fascismo e regimes autoritários em geral fizeram dela”.

Vai por mim, leitor. Quem fala em nazismo e fascismo e omite o comunismo, é marxista na certa. Todo comunossauro morre pela boca. O repórter pergunta que significa o fato de as enquetes mostrarem que 60% dos eleitores não sabem dizer espontaneamente o nome de um pré-candidato à Presidência da República.

“Significa o afastamento da política do público. Não do público da política. A política partidária, feita por lobbies preocupados apenas em se manter no poder, não interessa, cansou. E não é por motivos ideológicos, já que no fundo as diferenças entre políticos e partidos são muito pequenas. É porque a humanidade se deu conta de que a classe política é um grande câncer, no mundo inteiro. A política tradicional é feita pelas pessoas menos qualificadas - reservadas as devidas exceções, obviamente. Só que do outro lado, na rede, há cidadãos ativos, conscientes, exercendo sua cidadania diariamente, que não entram nesse jogo antigo. Isso explica as altíssimas taxas de abstenção nas eleições na Europa, que beiram 50%. A população está cansada e, por meio da internet e das redes sociais, quer reformular isso”.

No final da entrevista, o sociólogo diz ao que vem. Faz um discreto aceno à terrorista que disputa a Presidência. Diz que a sociedade brasileira não aceita uma presidenta mulher – como se houvesse presidenta homem – por ser profundamente machista. Isto é, se a dona Dilma não vencer o pleito, não é por falta de virtudes. Mas porque o brasileiro é irremediavelmente machista.

Afirmar que a população está cansada de políticos é desconhecer o Brasil. Políticos notoriamente corruptos, denunciados e até mesmo presos por algumas horas ou dias, voltaram à liça e foram reeleitos. Um Sarney, um Jader Barbalho, um Roriz, sempre têm um farto eleitorado à mão. Coronelismo é sinônimo de favores e este povinho nosso adora favores. Não importa que sejam prometidos via televisão ou internet.

Por outro lado, o ilustre sociólogo, ao comentar “as altíssimas taxas de abstenção nas eleições na Europa, que beiram 50%”, omite que na Europa – exceção feita da Bélgica, Luxemburgo e Grécia - o voto não é obrigatório. Vota quem quer votar, como convém a uma democracia. Faz sol hoje? Então vou votar. Está chovendo? Fico em casa. Aqui, se você não vota, pode ter até o salário cortado.

O professor da ECA acena com uma transformação via Internet: “A população está cansada e, por meio da internet e das redes sociais, quer reformular isso”. Não é o que se vê. Temos um presidente que acoberta a corrupção de seus familiares e de seus aliados – em níveis nunca vistos em governos anteriores – e goza de uma aprovação popular próxima das antigas ditaduras do Leste europeu. A população não quer reformar coisa nenhuma. Quer bolsa-família, quer ganhar sem trabalhar. Pelo que sabemos, quer a perpetuação da corrupção. Já está em Martín Fierro, nos conselhos do malandro viejo Vizcacha:

Lo que más precisa el hombre
tener, según yo discurro,
es la memoria del burro,
que nunca olvida ande come.


Em meio a isso, os candidatos passaram a usar o twitter. Já é um avanço. Reduzir a 140 toques discursos quilométricos e demagógicos ajuda a diminuir a poluição verbal das campanhas eleitorais. Só há um problema. Os políticos estão twittando demais. Deviam de ser proibidos de twittar mais de uma vez por dia.

Em 1982, quando visitei a Suécia a convite do Ministério de Relações Exteriores, conheci em Estocolmo o escritor Tage Danielsson, que morreria três anos depois. Jovial e sempre irônico, me recebeu com fidalguia em sua casa. Danielsson foi um dos mais importantes escritores suecos do século passado, dividindo sua criatividade entre a literatura e o cinema. Crítico mordaz de sua própria sociedade, a Suécia cosmopolita e superdesenvolvida, seus contos continuando ecoando no mundo contemporâneo.

Para praticar meu sueco, traduzi alguns de seus contos. Entre eles, “O Grande Racionamento de Palavras”, que já publiquei há alguns anos. Como é muito oportuno nestes dias de campanha eleitoral e verborragias abomináveis, eu o republico abaixo. Está na coletânea Estórias para crianças de mais de 18 anos. A meu ver, Danielsson antecipa o twitter.