¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, junho 30, 2010
 
ESTA GENTINHA MERECE
A VELHOTA COMUNISTA



Que teremos como presidente da República uma terrorista impenitente, isso parecem favas contadas. Dilma Rousseff costuma afirmar que o país mudou, que os tempos mudaram, mas sempre se refere com uma ponta de orgulho aos tempos em que militava em organizações terroristas que queriam transformar o Brasil em republiqueta soviética. O que se pergunta é como um país, em pleno século XXI, duas décadas depois da queda do Muro de Berlim, do desmoronamento da União Soviética e da derrocada do comunismo, vá eleger uma velha comunista. Le fond de l’air est rouge, diziam os moleques parisienses em 68. Isto faz mais de quarenta anos, quando a URSS ainda inundava o Ocidente de propaganda comunista. Entre nós, continua sendo.

A resposta é elementar. Não há oposição. José Serra é um pusilânime, que também tem culpa no cartório. Não foi por ser democrata que se exilou no Chile. O sedizente candidato das oposições – que de oposição nada têm – tem um rico acervo de denúncias em mãos mas não ousa usá-lo. Mensalão, falso dossiês, as relações privilegiadas do filho do presidente com uma operadora de telefonia, o assassinato de Celso Daniel.

Denunciar as corrupções do PT implica em receber de volta denúncias das corrupções do PSDB. Serra tampouco pode atacar o obsoletismo das esquerdas porque dele participou. E teme investir contra Lula, em função de sua popularidade. Ora, se vai se candidatar para perder, que pelo menos perca com dignidade.

Não estou aqui tomando o partido de Serra. Longe disso. Para mim, tanto Serra como Dilma valem a mesma coisa. Isto é, zero. Apenas constato que o PSDB, que alguma chance tinha de vencer as eleições, vai perdê-la por medo e inércia de seus candidatos.

O PT está se beneficiando de uma oposição absolutamente idiota. Não passa dia sem que eu receba spam de generais de pijama denunciando o governo. General de pijama é sempre valente. Garantida a aposentadoria, vira fera. Quando na ativa, quando detinham o poder das armas, dobraram vilmente a cerviz ao governo. Na reserva, se tornam heróis. Nada confere mais coragem a um general que um confortável pijama.

Isso sem falar nos monomaníacos que só pensam naquilo: atacar o PT. Não, não estou defendendo o partido corrupto. Eu o atacava antes mesmo de sua existência. No final dos anos 70, em Porto Alegre, quando o PT ainda não tinha sido fundado, eu denunciava seus futuros líderes, Tarso Genro, Marco Aurélio Garcia, Pilla Vares, Flávio Koutzii. Ocorre que atacar o PT com calúnias ou denúncias inconsistentes é favorecer o PT. Isso é o que têm feito os anti-petistas profissionais, que algum lucro devem usufruir de suas campanhas sistemáticas.

Já recebi dezenas de spams explicando por que Dilma Rousseff não pode ser presidente do Brasil. Porque teria participado do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick e nos Estados Unidos não há prescrição para tal crime. Estaria portanto impedida de entrar em território americano. Estes bobalhões, ao que tudo indica, querem elegê-la. Dilma não participou do seqüestro de Elbrick. Participaram, isto sim, Fernando Gabeira e Franklin Martins. Quem a acusa de participação no seqüestro do embaixador está lhe concedendo a confortável condição de caluniada.

Acusações ao PT, costumo afirmar, não podem ser infundadas. Só favorecem os petistas. Triste país este meu, em que a oposição está oferecendo de bandeja, ao corrupto partido detentor do poder, mais quatro anos de poder. Felizmente, para minha tranqüilidade espiritual, não mais me interessa o que possa acontecer ao Brasil ou brasileiros. Vou cuidar de meu jardim.

Esta gentinha que elegeu Lula e sua quadrilha – e que vai reelegê-los – bem os merece.

terça-feira, junho 29, 2010
 
MARMANJO CONSULTA PSICANALISTA


Descobri há pouco, lendo o Estadão, que pertenço à raivosa extrema direita brasileira, por não gostar de futebol. Lei agora na Folha de São Paulo que estou precisando de psicanálise. Escreve Rubem Alves, antigo colunista do jornal:

- Sou indiferente ao futebol, exceto quando o Brasil está jogando. Essa indiferença tem sido a causa de muitos embaraços, e cheguei mesmo a levar esse problema à minha psicanalista. "Por que é que todo mundo se entusiasma com futebol e eu não me entusiasmo?" Ela me sugeriu que deveria haver algum trauma infantil não resolvido no início dessa perturbação. Sugeriu-me entregar-me às associações livres da mesma forma como os urubus se deixam levar pelo vento. Voei. E eis que, de repente, uma cena esquecida me apareceu.

Essa agora! Desde quando não gostar de futebol constitui problema e mais ainda, problema que tenha de ser levado a um psicanalista? Para início de conversa, considero um indício de pobreza mental consultar um desses gigolôs das angústias humanas. Mais grave ainda é o caso de um homem que pensa, escreve e se situa naquele círculo que se pretende formador de opinião pública. A verdade é que, em certos meios, análise é a solução para tudo. Tanto que naquela coluna de auto-ajuda da Veja, assinada por Betty Milan, psicanalista que vive em Paris, todo e qualquer drama humano tem invariavelmente uma solução: procure um analista.

Ora, psicanálise é vigarice. Tanto que a profissão sequer foi regulamentada. Na França, para efeitos do imposto de renda, psicanalistas são equiparados a videntes, quiromantes, astrólogos e profissionais do sexo. Cá entre nós, se você estiver desempregado e precisar ganhar o pão nosso de cada dia, a solução está ao alcance de sua mão. Alugue uma saleta, compre um divã e ponha uma plaquinha na porta: psicanalista. É claro que a guilda vai chiar, mas nada poderão fazer contra sua nova “profissão”. Não estando regulamentada, não se pode exigir qualquer requisito para seu exercício. Afirmei isto há mais de trinta anos, quando escrevia nos jornais de Porto Alegre. Soube então que alguns psicanalistas pensaram em processar-me. Só pensaram, pois tiveram de tirar os cavalinhos da chuva.

Mas vejamos o trauma infantil que marcou a delicada psique do sensível cronista. Estava em um campo de futebol de roça, onde dois times jogavam, quando uma vaca investiu contra a bola. Seu irmão, para protegê-lo da vaca, arrastou-o para um chiqueiro e o colocou junto aos porcos.

- Minha analista, comovida com o meu relato, concluiu que minha indiferença ao futebol se devia a essa experiência em que o jogo aparece ligado a uma vaca desembestada e a porcos mal cheirosos. Concordei. Minha primeira experiência com o futebol foi traumática: mistura de bola, vaca e porcos. E está certo: não é raro que uma partida termine em tourada e que seja manifestação de espírito de porco...

Ora, se assim fosse, hoje eu não conseguiria sequer suportar o cheiro de álcool. Em meus dias de juventude, quando não sabia beber, tomei porres de conseqüências eméticas. (Confesso que um deles me marcou: até hoje não suporto o cheiro de gim). Provavelmente não gostaria nem de Mozart ou Fernando Pessoa, pois muito me encharquei ouvindo estes dois. E talvez não gostasse nem de mulher, pois muitos pileques tomei com elas em minhas universidades. Certa vez, ao acordar, encontrei a meu lado uma mulher nua. Olhei-a por todos os ângulos, não a reconheci. Bom, já que estava ali... Quando ela finalmente acordou, perguntou-me: e tu, quem és? Tentamos reconstituir nosso itinerário na noite anterior, até que achamos onde havíamos nos encontrado, um bar na Salgado Filho. Por algumas semanas, parei de beber. Mais por precaução que por qualquer outro motivo.

Abomino o futebol, já disse. Não o jogo em si, que considero bonito, inteligente, dinâmico. Mas o fanatismo que gera. Não preciso procurar em minha infância trauma algum que justifique minha ojeriza. Simplesmente detesto multidões, passionalismo, barulho, foguetes, buzinas. A multidão maior que consigo suportar é a lotação de uma sala de ópera. Mas aí se trata de uma multidão culta, civilizada. Fora isso, mais de seis pessoas para mim é multidão. Em minhas mesas de bar, ou na távola redonda cá de casa, só por acidente sentam mais de seis pessoas. Em geral são quatro, preferentemente duas. Uma mesa de dez ou vinte pessoas me arrepia. Durante muitos anos, o réveillon me pegou no estrangeiro. Sempre encerrado em quartos de hotel. Multidões me horripilam. Escusado dizer que não vou a festas.

Se a moda pega, teremos ainda de consultar psicanalistas para saber por que não gostamos de caju ou goiaba, de jiló ou mollejas, de samba, rap ou funk. Ou do Piazzolla ou do Chico Buarque. Ou do Paulo Coelho ou do Machado de Assis. Algum trauma deve ter ocorrido em nossos tenros dias. Só pode ter sido isso. Ou então a psicanálise não tem sentido.

De qualquer forma, é triste ver um marmanjo consultando uma psicanalista para saber por que não gosta de futebol.

segunda-feira, junho 28, 2010
 
BALCANIZAÇÃO DA ESPANHA?


Ontem à tarde, o Tribunal Constitucional da Espanha deu à luz uma grave sentença sobre o Estatuto da Catalunha, que põe em risco a existência do próprio país, como hoje o conhecemos. No preâmbulo da nova lei, a Catalunha é definida como nação, sem ligar para o artigo 2º da Constituição, que faz referência explícita à indissolúvel unidade da Nação espanhola. "El Parlamento de Cataluña, recogiendo el sentimiento y la voluntad de la ciudadanía de Cataluña, ha definido de forma ampliamente mayoritaria a Cataluña como nación", reza o Estatuto. Teremos um novo país na Europa?

Quando escrevi minha primeira crônica para a Folha da Manhã, em Porto Alegre, em 27 de outubro de 1975, Franco agonizava. O caudillo de España por la gracía de Diós, mutilado pelos médicos, vivia num mundo de sonho. De seu leito, em seus raros momentos de lucidez, pedia ansiosamente notícias sobre o governo. Sobre um governo que não mais existia. Ou, se existia, não estava mais em suas mãos.

Contava-se uma piada na Espanha na época. Franco, já cortado em pedaços, ouve alaridos fora do hospital. Chama seu ordenança.

- Que pasa?
- Es el pueblo, Generalísimo!
- Y que quieren?
- Vienen a decirle adiós.
- Ah sí! Y para donde ván?

Como não só o governante, mas também os governados, crêem na ficção do poder, os espanhóis esperavam que o símbolo bruxuleante do poder se apagasse, para determinar os novos rumos da Espanha. Que rumos? – me perguntei então. Disse-me um amigo na época: “eu estava pensando em conhecer a Espanha nestas férias. Mas acho que vou esperar um pouco, assim visito uns quatro países”.

Isto foi dito há 35 anos. Demorou um pouco, mas estamos rumando para lá. Na história, três décadas é um suspiro. Se a Catalunha se independentiza, ninguém segura as vascongadas, que muito antes dos catalães aspiravam a independência. É de se perguntar se isso não dará idéias à Galícia e à Andaluzia. Em um século em que a União Soviética desmoronou, em que Iugoslávia se quebrou em cacos, em que a Tchecoslováquia se partiu em dois, em que a Bélgica pensa seriamente em dividir-se, a balcanização da Espanha é perspectiva a ser levada em conta.

Por balcanização se entende a fragmentação de uma região ou Estado em partes ou Estados menores, geralmente hostis entre si. A palavra surgiu durante os conflitos da península balcânica no século XX. Por primeira balcanização se entende as guerras dos Balcãs e a expressão se tornou mais atual nas guerras iugoslavas. A hostilidade da Catalunha em relação à Espanha é evidente na oficialização do idioma, que obriga instituições a traduzirem do espanhol para o catalão – e vice-versa – documentos de duas regiões que falam a mesma língua.

Problema dos espanhóis, direis! Não é bem assim. Se a moda pega, não ficaremos imunes. Desde há muito, ONGs internacionais e ativistas quinta-colunas pensam na balcanização do Brasil. Vivemos hoje em país em que os brasileiros estão proibidos de transitar por certos territórios, as ditas nações indígenas, no jargão dos ongueiros. O mapa do Brasil - proporções à parte - está se parecendo cada vez mais com o de Israel. Uma ilhota de árabes aqui, outra de judeus ali e descontinuidade total de território.

Em editorial de novembro de 2008, intitulado “Atentado à unidade nacional”, o jornal O Estado de São Paulo analisava as reivindicações do aparato indigenista internacional, que exigia a plena implementação política e judicial da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Ora, esta convenção é um dos principais mecanismos jurídicos engendrados pela internacional indigenista para transformar povos indígenas e tribais em Estados independentes. Leio nos jornais que a Convenção foi aprovada em 1999 pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Senado, e pela Câmara de Deputados em 2003. Seus defensores dizem tratar-se de uma simples revisão da convenção anterior da OIT, a de número 107, ratificada pelo Brasil em 1966, o que é falso. Na 169, o espírito “integracionista” original foi substituído pelo “autonomista”, como pretendido pelo indigenismo internacional, estabelecendo as condições para dar existência às autonomias e autodeterminação das comunidades indígenas, primeiro passo para o surgimento de “nações” indígenas e posterior introdução do conceito de “plurinacionalidade”.

Não por acaso, a senadora e ex-ministra Marina Silva, galardoada com medalha do WWF (World Wildlife Fund) pelo príncipe Philip, e atual postulante à Presidência da República, se candidatou a ser a autora do projeto de lei destinado a regulamentar a Convenção 169. Isto é, se morena Marina levar, adeus Brasil como o concebemos. Feliz ou infelizmente, não vai levar.

Digo feliz ou infelizmente porque, depois da eleição e reeleição de Lula, os destinos do Brasil não mais me interessam. Que continue existindo como existe, ou que se desintegre. Não pertenço a este povinho que elegeu e reelegeu um analfabeto populista e corrupto. Minha pátria está em algum outro lugar do mundo. Talvez na Espanha, onde tenho algumas raízes. Por isso deploro esta tendência à balcanização de um país, tão lindo e tão rico historicamente, que hoje parece estar cedendo aos passados conflitos da Guerra Fria.

Quanto ao Brasil, se quiser partir-se em cacos – como um dia previu Eça de Queiroz – que se parta. Para mim tanto faz como tanto fez.

domingo, junho 27, 2010
 
BANDEIRAS ESFARRAPADAS


Interrogada pela reportagem de Veja sobre a liberação das drogas e do aborto, disse Marina Silva:

- Olhe como é a vida! Posso dizer que nunca fui discriminada por ser mulher ou negra, mas agora, pela primeira vez, estou sentindo um grande peso por ser evangélica. Quando os outros políticos se dizem contrários ao aborto, o assunto morre ali. Comigo vira sabatina. Colocam-me rótulos de ultraconservadora, de fundamentalista, que não me cabem, pois não vivo à margem da modernidade. Você não imagina o mal-estar que isto me traz. Mas não vou mexer uma vírgula em meu discurso. Sou a favor da democracia e reconheço o grau de complexidade dessas questões. Por isso, eu as submeteria a plebiscito.

Que discurso? Que vírgula? A candidata não disse nada. Seus entrevistadores, um deles o diretor de redação de Veja – famoso pela histórica barriga do boimate – não ousaram sequer fazer a pergunta que deveria ser feita: e no plebiscito, em qual opção você vai votar? Por ou contra a liberação do aborto e das drogas?

Isso sem falar que a candidata, pertencendo a uma religião que consegue mobilizar dois ou mais milhões de pessoas para uma passeata, se sente discriminada. Ser discriminado está virando moda no Brasil. Negro é discriminado mas vale por dois brancos em um vestibular. Homossexual é discriminado, mas se algum pastor citar o desagrado do bom Jeová em relação ao sexo de homem com homem - mulher com mulher, a Bíblia não condena -, arrisca um processo. Isso sem falar que os ditos gays estão disputando firme com os evangélicos na hora de reunir multidões para suas passeatas.

Dos três candidatos mais em destaque à Presidência da República, é difícil dizer qual o mais dissimulado. Talvez seja morena Marina. Assumiu o topo do muro e não abre. Meio ambiente à parte, não é contra nem a favor disto ou daquilo. José Serra, por sua vez, participa da mesma hipocrisia. “A descriminalização do aborto liberaria uma carnificina” – declarou nesta semana. Ou seja, todos os países do Ocidente onde o aborto é permitido praticam diariamente carnificinas.

Ora, se aborto é carnificina, carnificina é rotina no Brasil. Em 2008, o Ministério da Saúde considerava que um milhão de abortos ilegais eram feitos anualmente no país, apesar da proibição no Código Penal e da forte oposição da Igreja. Ora, se um milhão de abortos são feitos anualmente entre nós, é porque a prática já faz parte dos usos e costumes nacionais.

O mesmo diga-se das drogas. Nas grandes cidades brasileiras, você encontra maconha ou crack com mais facilidade que Melhoral. Os políticos, temendo uma hipotética reação do eleitorado religioso, fingem que aborto e drogas são proibidos e manifestam-se ora contra, ora a favor de sua liberação. Perguntas aos leitores: você viu alguém preso pelo consumo de drogas no Brasil, nas últimas décadas? Eu não vi. Lá de vez em quando prende-se um traficante para mostrar serviço - ou porque não contribuiu com a polícia -, o que não faz nem mossa no tráfico.

Você viu alguma mulher presa por ter praticado aborto no Brasil? Eu não vi nenhuma. Se fossem presas, precisaríamos de prisões suficientes para abrigar um milhão de mulheres... por ano. Isso sem falar nos pais ou maridos que as induzem ao aborto. Nem nos médicos, enfermeiras ou açougueiras que o praticam.

Qual pai ou mãe, por católico que seja, não leva a filha a um aborteiro, quando a gravidez é indesejada? Qual jovem, independentemente de qualquer crença, não procura um médico após ter cometido uma imprudência? Qual rave ou festival de rock não tem farta distribuição de drogas? Será que algum pai não sabe disso? Ou acha que seus filhos consomem refrigerantes nessas festas regadas a ecstasy? Aqui em São Paulo, a distribuição de drogas é feita na porta dos colégios. Sob o olhar complacente da polícia. E ai do professor que ouse denunciar algum traficante! Corre risco de vida.

Na chamada Cracolândia, os nóias fumam seus cachimbos a céu aberto, seja dia ou faça noite. A poucos metros dali, há um posto policial. Se a polícia inventa de levar os pobres diabos a uma delegacia, do nada surge um batalhão de assistentes sociais e defensores dos direitos humanos, protestando contra “a quebra de confiança” decorrente da ação policial.

Político que fala em liberação de drogas ou aborto não passa de um demagogo que finge desconhecer o mundo em que vive. Não merece um pingo de crédito. Ignoram o país real e alimentam a imagem de um país ideal, no qual a droga e o aborto são proibidos por lei. Acontece que lei, no Brasil, pertence ao universo da ficção. De uma ficção não coercitiva.

Quando se trata de droga ou aborto, cumpre a lei quem quiser. Quem não quer, a transgride e nada acontece.

sábado, junho 26, 2010
 
LÍNGUAS MORREM À MÍNGUA


Quando jovem, sempre achei que quando uma língua morria, a humanidade se tornava mais pobre. Jovens são geralmente românticos e gostam de frases grandiloqüentes. Hoje penso diferente. Há línguas demais no mundo. Os homens se entenderiam melhor se elas não fossem tantas. Recente reportagem do El País pergunta se o leitor sabia que a África do Sul tem nove línguas oficiais. Entre essas nove línguas não está o korana que, segundo a Unesco, é falado por apenas seis pessoas e é um firme candidato a unir-se à lista de idiomas extintos.

Firme candidato? Ora, uma língua que é falada apenas por meia dúzia de pessoas já está extinta. Não há esforço na face da Terra que possa salvá-la. Como expandir um idioma que é falado por alguns gatos pingados? Mais ainda: para quê? Para que a maioria de uma nação possa entender seis pessoas?

Segundo o jornal, no início deste ano, a mídia celebrou o funeral pelo idioma bo, quando a última falante desta tribo das ilhas Andamán, na Índia, morreu aos 85 anos. Ora, uma língua falada por uma só pessoa só serve para solilóquios. Se não serve para estabelecer comunicação com ninguém mais, está morta e bem enterrada. Não é o que pensa a lingüista Colette Grinevald, que põe em dúvida o conceito de último falante: “É um mito para os jornalistas, nunca se sabe qual é a última pessoa que fala uma língua, porque os últimos falantes se escondem quando uma língua é desprezada”.

O que em pouco muda a situação. Se não há um último falante, há últimos falantes. Deplorar a morte de uma língua é desconhecer a história. Se civilizações e impérios morrem, por que não haveria de morrer uma língua? Segundo os especialistas, mais da metade das seis mil línguas faladas no mundo estão ameaçadas. Que estejam! Quantas línguas já morreram no mundo, algumas das quais certamente jamais tivemos notícias? Quem consegue decifrar hoje o manuscrito Voynich?

Uma língua, costumo afirmar, tem ter atrás de si um exército, uma marinha e uma força aérea. Se não tiver, é dialeto. Uma língua só se expande quando seus falantes fazem ciência, arte, tecnologia. As palavras surgem para designar fatos ou coisas novas. A medicina, a biologia, a engenharia, a arquitetura, a música ou a literatura, inundam os idiomas de novos conceitos, que necessitam de novas palavras.

Que ciência ou arte pode fazer uma comunidade de seis pessoas? Na falta de coisas novas a serem nomeadas, a língua morre à míngua. Línguas não desaparecem por acaso. Morrem quando seus falantes perderam o elã vital e não conseguem produzir mais cultura. As línguas indígenas, de tribos que não conseguiram escapar de uma cultura ágrafa, estão todas condenadas à extinção. Apesar dos esforços dos neo-rousseaunianos que querem ressuscitá-las a fórceps.

É o que está se tentando fazer no Brasil. São Gabriel da Cachoeira, localizado no extremo norte do Amazonas, foi o primeiro município brasileiro a adotar três línguas indígenas oficiais, o nheengatu, o tucano e o baniwa. Mais ainda: a lei estabelece também que nenhuma pessoa poderá ser discriminada em razão da língua oficial falada, devendo ser respeitada e valorizada as variedades da língua guarani, como o kaiowá, o ñandeva e o mbya.

Que os falantes destas línguas pratiquem tais idiomas, nada contra. Que não sejam discriminadas, muito menos. Que sejam elevados à condição de língua oficial é um despautério. Inconstitucional, inclusive. Diz o artigo 13 da Constituição Federal, no capítulo sobre a nacionalidade: "A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil". A Carta Magna não contempla outros idiomas. Mas a moda começa a pegar. Em Tacuru, Mato Grosso do Sul, o guarani foi adotado como língua oficial. Com a sanção do presidente da República. Constituição, no Brasil, é apenas um papel pintado com tinta.

O Brasil só se tornou viável quando no final do século XVIII o marquês de Pombal, então primeiro-ministro de Portugal, baniu o ensino do nheengatu das escolas e instituiu o português como língua oficial. Na época, Portugal já tinha história, dispunha de arte, ciência, tecnologia. Isto é, tinha coisas a nomear. Que nos resta do nheengatu? Alguns topônimos e palavras que nomeiam árvores, animais, peixes e frutos da terra. Quem não produz cultura não produz língua.

Usada em cinco continentes, por mais de 240 milhões de falantes, a língua portuguesa é a terceira mais praticada nos continentes africano e europeu. Os defensores incondicionais da bárbarie, ao que tudo indica, pretendem renunciar a esse rico legado e ressuscitar – contra a vontade dos cadáveres – línguas que não resistiram ao tempo.

Segundo Américo Córdula, secretário da Identidade e Diversidade Cultural/MinC, “temos no Brasil uma comunidade de aproximadamente um milhão de indígenas, formada por 270 povos diferentes, falantes de mais de 180 línguas”. Leio que em março deste ano, foi criado o primeiro Colegiado de Culturas Indígenas, formado por 15 titulares e 15 suplentes representantes do segmento. Maria das Dores do Prado, da tribo dos pankararu – apesar do nome -, foi escolhida para defender as políticas públicas voltadas para a valorização da cultura de todas as comunidades indígenas brasileiras e reivindica a manutenção de todas as línguas nativas.

Tal absurdo, se exeqüível, significaria a dissolução da nação como a concebemos. Um país que mal se entende em uma única língua, passaria a ter mais 180. Malucos é o que não falta no MinC.

sexta-feira, junho 25, 2010
 
ERNESTO SÁBATO ...


...completou ontem sua 99ª volta em torno ao sol. Uma milhagem considerável.

 
POETA DEFENDE
DOENÇA MENTAL



Na Veja on line, leio entrevista com um poeta gaúcho, de unhas rosadas e cheio de tatuagens:

- Você também desconstrói o ciúme, e parece admirá-lo.
- Isso mesmo! Primeiro, porque ele vai explodir no momento certo. A pior coisa que existe hoje é as pessoas terem vergonha do ciúme. Ele é tratado como doença. Você não vai dizer para o namorado que está com ciúme. Vai tentar sonegá-lo, escondê-lo, e ele só vai crescer. Se a mulher confessa que tem ciúme, o homem diz “Você não confia em mim?”. Assim, ele coloca em risco o relacionamento e não permite que você sinta ciúme. E eu acho que o ciúme é indispensável. Porque é a pessoa ciumenta que vai se importar com você, vai ser leal, escutar o que você diz. A gente pensa nos efeitos colaterais do ciúme, no barraco, no escândalo, mas a gente esquece o lado positivo, a cumplicidade, a intimidade, a preocupação. Ele só se torna incontrolável quando sufocado.


Que barraco? Que escândalo? Isso é coisa de gente pobre e inculta. Entre civilizados, tudo se resolve com diálogo. Se há um consenso do casal em manter relações abertas, tudo bem. Se não há, que aceitem os termos do contrato. Ou se separem, numa boa. O que não pode é viver sob o mesmo teto, dormindo na mesma cama, desconfiando um do outro. É preciso ser muito doente para fazer a defesa do ciúme em pleno século XXI.

O poeta insiste em defender sua doença. Doença tão perversa que tem sido a causa da maior parte dos crimes ditos passionais, que ainda existem nestes dias. Houve época, há uns bons quarenta anos, em que todo marido que desconfiava de sua mulher, ou que tinha provas de sua infidelidade, a matava. E era absolvido por seus colegas de chifre. Protestei vivamente contra estes assassinatos impunes, em crônica que republico abaixo, “Falência do macho”. Na ocasião, três maridos de Bagé me escreveram uma carta indignada: “quer dizer que não temos o direito de matar a própria mulher quando ela nos trai?”

Naqueles dias, pensava-se assim. Quem ama não mata, dizia uma novela televisiva dos anos 70. Eu não estava no Brasil na ocasião. Se estivesse, teria escrito: só mata quem ama. O tal de amor, enquanto visto como relação exclusiva, foi um dos grandes fatores criminógenos dos séculos passados. Continua matando até hoje.

Em meus dias de universidade, eu participava de uma mesa num boteco de Porto Alegre, freqüentada também por um ilustre advogado. Era um homem liberal. “Tenho as mulheres que quero. Minha mulher não se preocupa com elas”.

Achei simpática a tese e perguntei se ele se importava com os homens de sua mulher. Melhor não tivesse perguntado. O rábula começou manso: “como se comportar assim numa sociedade suja como a nossa?” Ele podia se comportar assim. Sua mulher, não. Terminou furioso. Puxou o revólver e o colocou sobre a mesa, cano virado para mim.

Tirei meu time de campo. Contra armas não há argumentos. Vai daí que, rabiscando meus primeiros contos, elaborei uma ficção em torno ao episódio, ficção que nunca publiquei e hoje repousa em alguma de minhas gavetas. Aventava um final diferente: o advogado matava sua mulher. Cala-te boca! Alguns meses depois, o ilustre advogado matou sua compreensiva companheira. Para subtrair-se a qualquer punição, deu um tiro nos próprios cornos. Me senti profeta, naqueles dias.

Coisa de gente insegura. Me espanta ouvir hoje, de alguém que se pretende culto, um elogio aos ciúmes. Para quando será o assassinato da moça?

quinta-feira, junho 24, 2010
 
FALÊNCIA DO MACHO *


Descobriu tudo e deu três tiros na mulher. Para bom entendedor, a manchete já disse tudo, nem é preciso ler a notícia. O crime ocorreu sexta-feira passada, na esquina da Sete de Setembro com a João Manoel. Entrei num edifício do centro, o porteiro comentava:

- Nesses casos, a culpa é sempre da mulher. O homem sempre tem razão.

A meu lado, estava o homicida potencial. Em minha pasta de recortes, as notícias sobre maridos que matam mulheres já estão ocupando um espaço excessivo. Ora o marido mata a mulher que o traiu, ora mata o amante da mulher, quando não mata os dois. O fato comporta algumas variantes. Mas a decisão do júri é uma só: absolvição. Defesa da honra, pretextam. Mas que honra é essa que exige sangue para ser lavada?

Vejo algo de mais profundo e sintomático nessa atitude do marido e do júri. Não creio se trate apenas de defesa da honra. Mas sim medo do homem de nossa época ante a nova mulher que surge.

Houve um momento na História em que o Estado encarregava-se de vingar os brios do macho insultado. Antes do surgimento da roda e da máquina, era senhor quem tinha maior força física, ou seja, o homem. O homem erigiu o Estado e as leis eram um reflexo de sua vontade absoluta. A mulher era sua propriedade, o adultério era antes de mais nada um roubo. E o Estado punia esse roubo. Jogava os adúlteros na fogueira. Ou pendurava-os no patíbulo.

Os tempos mudaram. Hoje, força física não alimenta ninguém, exceto ídolos do futebol ou campeões olímpicos. A máquina permite que uma mulher execute o mesmo trabalho de um homem. Não está mais em jogo sua força física, mas sua capacidade mental. Mesmo ainda inferiorizada, a mulher pode hoje prover o seu sustento, decidir, comandar. Em outras palavras, equipara-se ao homem. Se nos primórdios da humanidade a subsistência dependia de músculos rijos, manejo do tacape ou machado, argúcia na caça, hoje subsistência depende de conhecimento, técnica, cultura. Sabemos como vive – ou melhor, sobrevive – quem só dispõe de força física para o trabalho.

A fêmea do homem evoluiu. O macho continua o mesmo.

Posso ser dono de um livro, de um par de sapatos, de um carro. São coisas, objetos. Eu os possuo e deles disponho como bem entender. Mas não posso ser dono de uma mulher, de um outro ser humano com vontade própria. Se minha mulher me troca por um outro homem, creio existirem apenas duas atitudes a tomar. Uma, seria cumprimentar minha mulher, caso tenha encontrado um homem melhor dotado e com mais capacidade de oferecer-lhe amor e compreensão. (Pois é bem possível que eu não seja o mais perfeito e amoroso dos homens, não é verdade?) A outra atitude seria dar-lhe pêsames, por ter-me trocado por um homem inferior e incapaz de oferecer-lhe amor. (Pois é bem possível que eu não seja o mais imperfeito e egoísta dos homens, não é verdade?)

Mas o macho contemporâneo não renunciou à sua condição de senhor. Vê na mulher uma escrava, uma coisa de sua propriedade. Sente-se roubado? Mata. Os jurados o inocentam, numa espécie de alerta: “Cuidado, querida. Se me traíres, te mato. E meus colegas me absolverão”. Chamam a isto defesa da honra.

Os tempos mudaram. A mulher se transformou. O homem ficou parado no tempo. Ao sentir-se traído, só conhece uma forma de diálogo: reage à bala. Isto é, o macho está falido.


*Porto Alegre, Folha da Manhã, 03/11/1975

 
O ILUSTRE ANTROPÓLOGO
E AS ÍNDIAS DECADENTES



Sobre a crônica “Quando ensino vira mentira”, Heitor, um leitor, me escreve:

Acho que o senhor não leu O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro. A integração do branco na sociedade indígena é uma peça fundamental na formação do caráter (ou falta de, sabe-se lá) político nacional. Procure, por favor, o termo "cunhadismo". Com relação às "viúvas do Kremlin", queria muito saber se são as viúvas dos Tsares ou as viúvas dos comunistas.

Me refiro às viúvas dos comunistas, que estão hoje no Brasil exercendo altos cargos na Presidência da República. No que diz respeito aos tzares, não há viúvas. Os comunistas mataram todas.

Quanto a Darcy Ribeiro, sim, eu li O Povo Brasileiro. Mas também Mestiço é que é bom, onde o ilustre antropólogo, entrevistado pelos mais ilustres comunossauros tupiniquins - Antonio Callado, Antonio Houaiss, Eric Nepomuceno, Ferreira Gullar, Oscar Niemeyer, Zelito Viana e Zuenir Ventura -, confessa sua total integração com as comunidades indígenas.

CALLADO — Darcy, a primeira vez que eu fui ver os índios, em 50 ou 51, já estava muito estabelecido que índia não se comia, para não bagunçar muito o coreto, era mais ou menos tradicional, para não começarem a comer as índias todas. Tanto é assim que, quando eu estive lá, o Leonardo Villas-Boas já estava na Fundação Brasil Central, sendo forçado a deixar o Serviço de Proteção ao Índio porque ele tinha comido uma índia, com quem se casou. Quando é que você chegou lá pela primeira vez? Nessa época já tinha essa lei?

DARCY — É verdade. Eu comecei com os índios em 46. Essa lei existe até hoje, por causa do Rondon e da antropologia clássica. Eu fui educado para não trepar com índia porque, para o antropólogo, no meu caso específico, pesquisas longas eram difíceis. Hoje em dia é que as moças começaram a dar para os índios, as antropólogas dão para os índios, gostam de transar com eles, para fazer intimidades. Tão dando mesmo, dão para eles também. Coitado, índio também é gente. Então, dão. E como elas dão, os homens também começaram a comer as índias, antropólogos de primeira geração. (...) Eu passei meses com os índios, arranjava um jeito de ter uma. Por exemplo, eu não comia as índias Urubus-Kaapor porque eu estava trabalhando com os Kaapor, mas comia índia Tembé, que eram umas índias decadentes que havia lá.

quarta-feira, junho 23, 2010
 
AOS QUE CHORAMINGAM

Uma das boas coisas da Internet é que as crônicas não morrem. Os ornitólogos continuam chilrando por crônica que escrevi há três anos e os coitadinhos dos ateus continuam choramingando por crônica que escrevi há pouco mais de mês. Me escreve um deles:

O Sr. Janer deve viver em outro planeta. Eu, como ateu (não-ativista, diga-se de passagem), já perdi vários amigos, SIM. Sou mal visto, discriminado e ridicularizado, SIM.

Sorte a sua, Senhor Janer, nunca ter sofrido isso. Mas eu, e outros milhões
de ateus do Brasil, sofremos.


Pra início de conversa, duvido que haja milhões de ateus no Brasil. É estatística difícil de estabelecer, já que nenhum censo foi feito neste sentido e nem teria razões para ser feito. Ser ateu exige uma certa cultura, e no Brasil temos uma maioria não só de analfabetos como de analfabetos funcionais, aqueles que sabem ler mas não lêem. Chez nous, todo mundo crê em algo. Seja no deus cristão, seja nos deuses africanos, seja no espiritismo ou no marxismo, que não deixa de ser outro tipo de religião. Isso quando não crêem em todos ao mesmo tempo. Sempre é prudente apostar uma fichinha em cada crença, sabe-se lá o que vai dar! Ou no budismo, vegetarianismo e ornitologia, coisas que nada têm a ver com deuses, mas também estão virando religião. Nós, ateus, constituímos uma insignificante minoria.

Tenho recebido não poucos mails de ateus se queixando de que são discriminados. Há os que perderam namoradas e inclusive um deles teria sido expulso de casa. Pelo jeito, andam com uma fita na testa, onde se lê: “sou ateu”. Estas questões, eu só as discuto em público, na Internet, afinal fazem parte do debate contemporâneo. Em minhas relações privadas, raramente conversamos sobre o assunto. Se estou com uma namorada, nem me ocorre discutir teologia. Temos coisas mais agradáveis a tratar. Estou adorando conviver com uma adorável católica, que quer ir a Éfeso, onde estaria enterrada a Virgem. De nada adianta dizer-lhe que a Virgem subiu aos céus de corpo e alma, que nada da sagrada carcaça ficou para os vermes. Tanto faz como tanto fez. O que importa é que a adoro e com ela iria tanto a Éfeso como ao Hades.

Com meus amigos, muito menos. Intuo que alguns são ateus, sei que outros não são, mas isso em nada interfere em nosso relacionamento. Às vezes temos grandes embates teológicos nos botecos. Mas discutimos textos bíblicos, etimologias, dogmas. Argumentos. Em nenhum momento se coloca a crença ou descrença de alguém. Tenho ótimo entendimento com meus taxistas e garçons e concluí que todo taxista ou garçom acredita em Deus. Que acreditem, não vou contestá-los. Não será por isso que vou deixar de estimá-los.

Só reajo quando alguém acha que fui curado de um carcinoma pela graça divina. Aí me pico. Estou aqui, vivito y coleando – como dizem os espanhóis – graças a uma competente equipe de oncologistas. Nada a ver com o judeu aquele. Muito menos com Jeová ou com o Paráclito. Também me irrita ver pessoas que tiveram excelentes cuidados médicos e atribuem sua cura a Deus. Esta atitude constitui um insulto à medicina. Se Deus cura, por que procuraram medicina de ponta? O pior é que tem médico que acredita nisto, negando sua própria formação.

Diria que a maior parte das pessoas com as quais convivo nem têm idéia de meu ateísmo. Namorei meninas de todas as crenças e isto nunca foi obstáculo entre nós. Suponho até que muitas nem tenham tido conhecimento de minha descrença. Isso pouco importa. Quem faz do ateísmo uma profissão de fé, no fundo é um religioso. Nunca falta quem me objete: mas se não crês em Deus, como conheces tanto dele?

Bom, vejo a Bíblia como Harold Bloom, como obra literária. É livro que me agrada ler, nele estão os mitos que formataram a cultura ocidental. O Quixote não existe, nem por isso vou deixar de comentar suas andanças. Muito menos Pantagruel ou Candide. O triângulo também não existe, é um ente de imaginação. Mas se alguém me der as medidas dos catetos, eu calculo a hipotenusa. Não discuto com ninguém - nem em público, nem em privado - sobre a existência ou não existência de Deus. Quanto às características desse Deus, conforme está no Livro, discuto e com sumo prazer. Deus é o mais universal personagem de ficção criado pela mente humana: até mendigos analfabetos, que jamais manusearam um livro, o conhecem. O personagem pegou. Veio para ficar.

Estou com mais de sessenta anos, sou ateu desde os 15 ou 16. Era ateu quando nasci, no que não vai nada de novo. Todos somos ateus ao nascer. Religião é fruto da família, escola, Igreja ou Estado. Em suma, da educação. A religião me foi imposta a machado lá pelos dez anos, mas logo me libertei. Em mais de meio século de caminhada, jamais tive problemas por ser ateu. Tive problemas, isto sim, por não ser comunista.

Os meninos que choramingam me parecem estar choramingando para passar bem. Se uma namorada me deixa por ser ateu, que vá passear, ora bolas! O mundo está cheio de crentes e atéias adoráveis. Quanto ao leitor que me disse ter sido expulso de casa por ser ateu, que me desculpe: não acredito. Pais não expulsam filhos de casa por serem ateus.

E se por acaso expulsam, são fanáticos com os quais não é possível conviver.

terça-feira, junho 22, 2010
 
MEU COQUEIRO


Leitores de minha idade certamente curtiram um dia os quadrinhos de Carlos Estevão, na revista O Cruzeiro. Uma historieta que jamais esqueci foi a do João do Coqueiro. Um certo João decidiu um dia fincar seu rancho à beira de uma estrada e frente à fachada plantou um coqueiro. Mal a árvore cresceu, não faltou passante que o apelidasse de João do Coqueiro.

João não gostou do apelido. E tomou uma decisão radical. Numa calada de noite, pegou um machado cortou seu coqueiro. Se achava que bastava um machado para eliminar o problema, enganou-se redondamente. Passou a ser chamado de João do Toco. Irritado, João decidiu arrancar o toco. Mas infatigável é a malícia humana. Dia seguinte, era o João do Buraco. João tapou o buraco. Passou a ser chamado de João do Buraco Tapado. Já não lembro como terminava a história. Creio que João, que queria apenas ser João, bateu na marca e mandou-se à la cria. Cronista, desde há muito vivo os avatares de João do Coqueiro.

A partir de meus primeiros artigos, publicados em um pequeno jornal de Dom Pedrito, o Ponche Verde, no início dos 60, passei a ser tachado como comunista. Meus artigos tinham um forte viés anticlerical, no que nada havia de espantar, afinal eu sofria a opressão intelectual de um colégio de padres oblatos. Se era anticlerical, obviamente era comunista. E com essa pecha - e outras, é bom salientar - fui expulso de minha cidade natal. Ora, na época eu tinha 16 ou 17 anos e desde os 15 já lia filosofia. Quando os comunistas tentaram cooptar-me - afinal a cidade toda me julgava ser um deles - eu já tinha nítida consciência de ser o marxismo uma filosofia excessivamente tosca, sem fundamento racional algum. Mesmo assim, fiquei marcado na paleta: comunista.

Uma vez na universidade, em Porto Alegre, um de meus primeiros artigos publicados no Correio do Povo, em 06 de janeiro de 1969, intitulava-se "Marxismo Gaúcho Contemporâneo", e constituía uma sátira aos membros do PC gaúcho, alguns deles ministros ou ex-ministros do atual governo. Na universidade, passei a ser visto como um perigoso reacionário e agente do imperialismo. No curso de Filosofia, era tido como agente do DOPS e perdi não poucas mulheres por essa pecha. Em Dom Pedrito, quando fui rever meus pais, fui preso por um delegado, que via em mim um perigoso comunista. Motivo? O artigo publicado no Correio, do qual o delegado só havia lido o título. Ou talvez tivesse lido o artigo mas não tivesse bestunto para entender ironia. Minha prisão foi rápida em Dom Pedrito. Ao voltar a Porto Alegre, fui interrogado no DOPS, por suspeição de ser elemento subversivo. Enquanto isso, na universidade, ora era nazista, ora era fascista.

Finda a universidade, viajei. Fui para Estocolmo e, honestamente, não pretendia mais voltar ao Brasil. Na época, a Suécia constituía um dos locais de asilo preferidos pelos comunistas brasileiros, que comunista que se preze não é maluco a ponto de pedir asilo em Cuba ou Moscou. Em 71, assistindo uma palestra de um desses heróicos senhores, nos salões da ABF, ouvi gritos de vitória como "A revolução é amanhã", "O povo está nas ruas", "O país está pronto para explodir". Da platéia, enviei um bilhetinho ao palestrante. Que, de fato, o povo estava nas ruas... comemorando a vitória do Brasil na Copa do Mundo. Perguntava se ele não se pejava de estar viajando pela Suécia, hospedado em hotéis cinco estrelas, paparicado como herói pelas árdegas louras nórdicas, enquanto seus companheiros de luta sofriam tortura e prisão no Brasil.

Eu escrevera em sueco. Meu bilhete passava de mão em mão, como brasa quente, e nenhum dos participantes da mesa ousava traduzi-lo. Como me pareceu que não iam lê-lo, acabei abandonando a palestra. Em boa hora. Meu bilhete acabou sendo lido e, se eu lá estivesse, talvez não fosse linchado pelos bravos suecos, mas certamente passaria por maus momentos. De agente do DOPS, fui imediatamente promovido pelo palestrante a agente do SNI, pago pela ditadura militar para vigiar os revolucionários no exílio.

Em 77, após ter percorrido toda a Europa, ganhei uma bolsa em Paris. Nova e imediata promoção. Agora não havia mais dúvidas. Eu fora finalmente desmascarado: trabalhava para a CIA. Assim fosse. Escassos eram meus francos. Bem que os dólares da CIA me seriam muito oportunos nos bistrôs de Paris.

Curiosamente, boa parte de meus amigos era ou fora comunista. Coisas do Sul: para um gaúcho da Fronteira, a amizade sempre fala mais alto que as ideologias. Estes amigos passaram um recado aos militantes: tirem isso da cabeça, o Janer não tem nada a ver com a ditadura. Estes boatos cessaram. Que fazem as gentes quando insultos ideológicos não colam? Apelam aos insultos sexuais. Apesar da generosa rede de proteção feminina que me cercava, passei a ser nada menos que homossexual. O raciocínio era de uma lógica impecável: homem que anda sempre atrás de mulheres, no fundo está procurando um homem. De mulher deve-se gostar moderadamente. Gostar demais é politicamente incorreto. "Use com moderação". Não faltou quem me apodasse de paxá dos pampas. Fui também chamado de Robin Hood às avessas, o que tira de todos e não dá nada a ninguém. Ou ainda de Savonarola às avessas, o que nos condena por não pecarmos.

Fui lecionar em Florianópolis. Lá, longe da memória gaúcha, voltei a ser comunista para uns, porco imperialista para outros. Certos setores da universidade me consideravam maçom. Os maçons, por sua vez, juravam que eu era um líder petista em disputa pela Reitoria. Outros, mais gentis, me definiam simplesmente como um libertino.

Esgotados os chavões da Guerra Fria, algum novo epíteto eu mereceria. Em São Paulo, passei a ser racista. Se o leitor presta atenção na imprensa, deve ter notado que após a queda do Muro de Berlim, as palavras racismo e racista brotaram nos jornais como cogumelos após a chuva. Luta de classes morta, luta racial posta. Fui inclusive denunciado ao Ministério Público por sete entidades ligadas à questão indígena por crime de racismo, por artigo escrito na Folha de São Paulo, no qual negava a farsa do massacre de ianomâmis montada em agosto de 1993. Os afáveis indigenistas pediam para mim nada menos que cinco anos de prisão. Claro que não levaram nada.

Não é tarefa fácil agradar gentes. Pior ainda, agradar leitores. Embora tenha recebido cumprimentos efusivos por minhas crônicas, os descontentes são legião. E pelos mais diversos e descabidos motivos. Em recente crônica, ironizei de alto a baixo a hipocrisia do abbé Pierre, um dos ícones das esquerdas francesas, por suas práticas sexuais enquanto religioso, religioso que um dia fez voto de castidade. Estas práticas foram confessadas pelo próprio abade, em livro intitulado Mon Dieu... Pourquoi?. Ora, não faltou o leitor que reclamasse. Voltei a ser comunista ou algo similar:

"Esse último artigo de Cristaldo, em 31/10, exalta a figura de um herói dos esquerdistas franceses, Abbé Pierre. O objetivo do jornalista é tão somente dar razão às suas taras e para isso, com o maior descaro, faz elogios a esse senhor que só é considerado "santo" pelos comunistas. Só nos falta agora ter de ler do sr. Cristaldo elogios a D. Hélder Câmara, frei Betto, Leonardo Boff por causa das posições anticlericais destes".

Parece estar faltando massa cinzenta ao leitor. Ou, pelo jeito, nunca ouviu falar do que seja ironia. Lembrou-me o delegado de Dom Pedrito, que me prendeu como comunista, por um artigo em que eu baixava a lenha nos comunistas. Mas, pelo jeito, ainda não perdi a antiga fama. Outro dia, aqui em São Paulo, me dizia um súbito amigo: "nós, da direita...". Polidamente, o interrompi: "Nós, não. Eu nada tenho a ver com a direita".

Em função das últimas crônicas que escrevi, fui definido como apóstata, herege e cheguei a merecer o trocadilho infame de Satanaldo. Parece que andei machucando os leitores tefepistas do MSM, que não conseguem admitir que um ser humano não creia em deuses. Mas nem tudo está perdido, senhores devotos de Maria. Eu comentava outro dia com uma amiga de Orkut um versículo de Isaías (14:12), e minha interlocutora, num acesso de ira, pespegou-me um epíteto que jamais imaginei merecer: cristão fanático. Perplexidade total. Por este eu não esperava. Ou seja, não é muito evidente que eu seja exatamente um herege.

Parece que há Cristaldo para todos os paladares. Seja como for, não pretendo cortar meu coqueiro.

(14/11/2005)

segunda-feira, junho 21, 2010
 
A ESTUPIDEZ AVANÇA


Comentei há pouco que fanatismo em futebol era coisa de país pobre. Vários leitores me alertaram para os hooligans da Itália, Espanha e Inglaterra. Ok! Terá sido a eles que se referia Orwell, quando dizia que o futebol é o princípio da guerra civil. Mas hooliganismo é fenômeno que antecede o futebol. O termo surgiu em meados da década de 1890 - quando foi usado para descrever o nome de uma gangue de rua em Londres – e foi cunhado por um jornal londrino em 1898. A transferência do fenômeno para o futebol é relativamente recente, dataria dos anos 60 do século passado.

A palavrinha já constava de livros de Conan Doyle e H. G. Wells, de inícios do século XX. Quer dizer, antes de ser futebolístico, o fenômeno é britânico. Na Rússia tem outra acepção. Se refere a desordeiros em geral ou dissidentes políticos. Quem não lembra de Mathias Rust, o jovem alemão que, voando de Hamburgo, atravessou a defesa aérea soviética, conseguindo aterrissar na Praça Vermelha ao lado do Kremlin, em 28 de maio de 1987, com dezenove anos de idade? Eu lembro, e como. Recebi a notícia numa madrugada em que perambulava por Madri, e me diverti imensamente. Pois bem, Rust foi acusado de hooliganismo.

Não, não me refiro à violência das torcidas quando falo em fanatismo. Isso sempre existirá em qualquer parte do mundo. Me refiro, isto sim, a esta mania nossa de todo mundo vestir-se de verde e amarelo nos dias de copa. De buzinar e berrar e soltar foguetes durante os jogos. Vivi pelo menos dois períodos de eventos futebolísticos na Europa e não vi nada disso.

O primeiro foi a Copa de 78, quando eu vivia em Paris. Algumas televisões nos bares, franceses torcendo com discrição. Quando jogavam os azuis, discretas manifestações de apoio, tipo “allez, les bleus”, “c’est bon!”, “c’est bon ça!” Não ouvi foguetes nem buzinas nem gritarias. Nem vi franceses uniformizados.

O segundo foi em 2000, durante uma Eurocopa. Caí em Oslo em um feriadão. Fui comer em um boteco imenso, em meio a uma praça e encontrei, para minha surpresa, oito telões. Com futebol, é claro. A impressão que tive é que tinha chegado ao Brasil. Mas os noruegueses não faziam escândalos a cada gol, nem estavam fantasiados de noruegueses. Na ocasião, passei por mais quatro países e nada vi que cheirasse a fanatismo. Ou seja, futebol naquelas bandas não é a pátria de chuteiras.

O legado perverso das copas, que noto na Europa, foi a televisão nos cafés. Chegaram durante os jogos e foram ficando. Seja como for, o norte é sempre mais civilizado. Enquanto a televisão está se tornando onipresente no sul do continente, nos países nórdicos é mais rara.

Falei também desta mania nossa de decretar feriado a cada jogo da seleção. Um leitor me adverte que “a idiotice é uma doença mundial. Em qualquer telejornal é possível ver cidadãos em Paris, Roma, ou em outras cidades da Europa vestindo as cores dos seus times ou enrolados com bandeiras. Quanto a liberar funcionários, uma amiga uma vez contou que, quando fazia mestrado em Stuttgart, as aulas eram suspensas nos dias em que a Alemanha jogava, as repartições e lojas fechavam e apenas os bares permaneciam abertos, com muita cerveja e grandes telões para transmitir os jogos”.

Cá entre nós, nunca vi gente enrolada em bandeiras nas ruas das cidades européias. Que estejam enroladas nos estádios se entende. Quanto à Alemanha, consultei boa amiga que vive em Berlim há mais de trinta anos e ela me respondeu:

“Muitas coisas mudaram na Alemanha nos últimos anos, inclusive em relação ao comportamento durante a copa do mundo. Diria que os alemães estão mais descontraídos e tem mais coragem de mostrar suas paixões. Os restaurantes e bares todos têm uma televisão ou telão ligados durante os jogos, às vezes sem som, mas onde podes dar uma olhada enquanto comes. Virou moda, como no Brasil, assistir aos jogos em comunidade, em lugares abertos ou cobertos.

“Existe um enorme telão na frente do estádio olímpico onde 300 mil pessoas podem assistir ao jogo. Estão montando mais um telão na frente da porta de Brandenburgo e vão fechar a avenida 17 de Junho para os próximos jogos. Há também mais descontração em relação aos horários de trabalho e escolas. Os colégios secundários dispensaram os alunos às 13:00 horas quando a Alemanha ia jogar às 13:30. Neste dia meu filho foi dispensado de ir de terno e gravata ao seu trabalho e o chefe assistiu com os empregados ao jogo, mas depois se voltou a trabalhar novamente.

“Quer dizer: pode-se em alguns tipos de trabalho dar uma olhada no jogo, não há dispensas e os serviços públicos continuam a funcionar, mas procura-se não fazer uso deles. Ainda assim acho que nos bancos alguém pode dar uma olhadinha na internet. Quando a Alemanha joga às 20:30 a cidade já está vazia meia hora antes e posso afirmar que metade da população está na frente dos grandes telões distribuídos em todos os bairros”.

Ou seja, a estupidez se universaliza. Volto àquela pergunta de um filme cujo nome não lembrava e um leitor informou-me ser Invasores de Corpos - Invasion of the Body Snatchers - de Philip Kaufman:

- Fugir para onde?

domingo, junho 20, 2010
 
SARAMAGO E NETCHAIEV


Minhas considerações sobre a morte de um dos mais ilustres stalinistas do século XXI geraram um efeito inesperado. Já recebi não poucos mails defendendo, não propriamente Saramago, mas o atentado às torres gêmeas. Recebi inclusive uma longa lista das invasões dos Estados Unidos mundo afora. Como se eu, algum dia, tivesse feito a defesa da política externa americana. Os americanos são responsáveis por não poucos massacres pelo mundo todo e não serei eu a negar o óbvio.

Uma leitora argumenta que os Estados Unidos provaram de seu próprio veneno ao terem treinado Bin Laden contra os russos. Vá lá. Os Estados Unidos também apoiaram Saddam Hussein na guerra contra o Irã. Longe de mim apoiar a cínica estratégia ianque. Daí a jogar dois aviões cheios de civis que nada têm a ver com o peixe contra dois prédios cheios de civis que tampouco nada têm a ver com o peixe vai uma longa distância. Entendo um ataque ao Pentágono ou à Casa Branca. Mas não consigo entender jogar inocentes contra inocentes.

Volto a Saramago. Se condenou os desmandos americanos, jamais disse uma palavrinha contra os crimes dos comunistas, fossem chineses, soviéticos ou cubanos. A teoria do terror tem suas origens no país onde eclodiu a revolução comunista. Em meados do século XIX, surgiu na Rússia tzarista um pequeno manifesto intitulado O Catecismo do Revolucionário, escrito na Suíça e assinado por dois revolucionários russos, Serguei Guennadovich Netchaiev e Mikhail Bakunin.

Este panfleto tem sido até hoje a cartilha que inspirou todo terrorismo do século seguinte, desde Lênin, Stalin, Yasser Arafat, George Habash, Wadi Haddad, Carlos, o Chacal, Che Guevara, Aloysio Nunes Ferreira, Lamarca, Marighella e Fernando Gabeira, etarras ou OLP. Entre milhares de outros, bem entendido. (Se alguém não lembra mais quem foi Aloysio Nunes Ferreira, eu ainda lembro. Foi ministro da Justiça no governo Fernando Henrique). As estratégias do catecismo influenciaram todo o século passado e foram utilizadas pela Frente de Liberação Nacional na Argélia, pelo Vietcong no Vietnã, e pelos movimentos guerrilheiros latino-americanos, entre outros.

Netchaiev tinha 22 anos na época da publicação do panfleto. Sem poder matar um tirano, acabou matando um estudante, Maxim Ivanov – suspeito injustamente de ser agente duplo da Ochrana, polícia política tzarista – o que lhe valeu o afastamento de Bakunin, que reprovou sua “repugnante tática”. Netchaiev, condenado a 25 anos de prisão, continua conspirando mesmo entre as grades, planejando inclusive o assassinato do tzar.

Morre nas masmorras da fortaleza Pedro e Paulo, em São Petersburgo, após doze anos de reclusão. Segundo o manifesto, “é necessário que o revolucionário, duro para com ele próprio, o seja também para os outros. Todas as simpatias, todos os sentimentos que poderiam emocioná-lo e que nascem da família, da amizade, do amor ou do reconhecimento, devem ser sufocados nele pela única e fria paixão da obra revolucionária. Para ele não existe mais que um prazer, que uma consolação, que uma recompensa, que uma satisfação: o sucesso da Revolução. Não deve haver, dia e noite, mais que um pensamento e um objetivo: a destruição inexorável. E prosseguindo com sangue frio e sem descanso a realização deste plano, deve estar pronto a morrer, mas pronto a matar com as suas próprias mãos todos aqueles que se oponham à sua realização”.

Segundo Bakunin e Netchaiev, “a nossa tarefa é de destruir, uma destruição terrível, total, implacável, universal”. Os autores pregavam ainda a necessidade de se unir “ao mundo selvagem dos bandidos, este verdadeiro e único meio revolucionário da Rússia”.

Sensível aos movimentos subterrâneos de sua época, Dostoievski toma Netchaiev como personagem em Os Possessos. Na obra, um outro personagem, Ouspenski, pergunta a Netchaiev:

- Que direito temos de tirar a vida de um homem?
- Não se trata de direito – diz Netchaiev – mas de nosso dever de eliminar tudo o que prejudica a causa.

A Rússia também provou de seu próprio veneno, quando mulheres-bomba chechenas se explodiram no metrô de Moscou, matando nove pessoas, e em dois aviões russo, matando outras 89. Os chechenos, ou ossetas, ou árabes – que também estavam entre os terroristas – apenas seguiam uma antiga tradição russa. Durante a Guerra Fria, a União Soviética – liderada pela Rússia – usou e abusou do terror. Nos campos de treinamento de Aden, Baalbek e Beirute, formaram-se os quadros que saíram a seqüestrar e matar mundo afora. Seu dever era eliminar tudo o que prejudicasse a causa.

O Brasil que o diga. Em 1935, antes mesmo da ativação destes campos, Luís Carlos Prestes, assessorado por um grupo de terroristas internacionais a mando de Stalin, voltou ao Brasil para defender a “causa”, isto é, a sovietização do país. Derrotada a Intentona, em 64 a União Soviética, desta vez tendo Cuba como ponta de lança, tenta de novo a conquista do país. Tentativas semelhantes ocorreram na Argentina, Uruguai e Chile.

Como a Revolução devia atingir o orbe todo, África e Ásia também foram manchadas de sangue. O saldo, segundo os autores de O Livro Negro do Comunismo, foi de cem milhões de cadáveres. A Europa, como santuário de terroristas do mundo todo, foi relativamente poupada. Em A Rede do Terror, a jornalista Claire Sterling nos mostra que até a Suécia, a pacata e aprazível Suécia de Olof Palme, foi uma mãe para terroristas de todos azimutes. Não bastasse abrigar carinhosamente os assassinos, chegou a fornecer 300 jovens suecos ao al-Fatah, para serem treinados em campos de guerrilha na Argélia, em 1969. Esta mesma complacência – e generosidade – em relação ao terrorismo, pode ser atribuída também a países como a França ou a então Alemanha Ocidental.

Em 1991, quando o império soviético se fragmentava, a Chechênia proclamou a independência da Federação Russa. Moscou não a reconheceu, mas esperou até dezembro de 1994 para intervir militarmente. Os combates se prolongaram até agosto de 1996. Saldo da chamada primeira guerra da Chechênia: cerca de 15 mil soldados russos, 10 mil guerrilheiros e mais de 80 mil civis mortos. Grozni, a capital chechena, foi arrasada a bombas e 80% da cidade foi destruída. O número de refugiados chegou a 350 mil. Claro que tais ações não inspirariam aos chechenos sentimentos exatamente amorosos.

Ou seja, massacres e terror não são exclusividade ianque. Quem quer que condene os EUA por suas invasões, tem também de condenar a Rússia pelas suas. Quem quer que defenda o atentado ao World Trade Center – como fez o prêmio Nobel luso – está seguindo a cartilha do terror de Netchaiev.

sábado, junho 19, 2010
 
OCIDENTE HOMENAGEIA
ESCRITOR STALINISTA
CÚMPLICE DE ASSASSINOS



Morreu ontem, em Lanzarote, um dos últimos remanescentes do stalinismo em pleno século XXI, ao lado de Oscar Niemeyer, Ariano Suassuna, Chico Buarque, Luís Fernando Verissimo. Portugal e o Ocidente todo estão chorando a morte do escritor que sempre foi inimigo ferrenho de Portugal e do Ocidente. No Brasil, os jornais estão dedicando suplementos a quem sempre defendeu as atrocidades da URSS e de Cuba e ousou defender o atentado às torres gêmeas. O Ocidente todo foi acometido de amnésia. Com sua morte, o cúmplice de assassinos virou herói.

Não vou comentar a literatura de José Saramago. Exceção feita de A Jangada de Pedra, não a li. Mas sobre a jangada posso falar.

A idéia de uma Europa Unida vinha sendo gestada desde 1951, com o Tratado de Paris, teve continuidade em 1957 com os Tratados de Roma e tomou corpo em 92, com o Tratado de Maastricht. Stalinista e anti-europeu até a medula, insensível à vocação histórica de seu país, em 1986 Saramago escreve Jangada de Pedra, um panfleto irracional e gratuito contra o Velho Continente. Enquanto os portugueses aspiravam desde há muito a integração com o universo transpirenaico, o escritor marxista, não contente em separar Portugal da Europa, pretende levar a Espanha nessa viagem insana.

A jangada em questão é a península ibérica. Lá pelas tantas, as terras luso-hispânicas começam a fender-se, separam-se gradualmente do continente e saem a navegar pelo mar oceano, rumo ao oeste. Para logo mudar de rumo. “A uns setenta e cinco quilômetros de distância do extremo oriental da ilha de Santa Maria, sem que nada o fizesse anunciar, sem que se sentisse o mais ligeiro abalo, a península começou a navegar em direção ao norte”.

Se seus habitantes temem encalhar nas planuras gélidas entre a Groenlândia e Islândia, a península tem outros planos. Na altura da mais setentrional ilha dos Açores, o Corvo, vira em linha reta, retomando sua trajetória para o ocidente, numa direção paralela à de sua primeira rota, prosseguindo-a alguns graus acima. A nova rota aponta para Nova York e o presidente americano apressa-se a dizer que a península seria bem-vinda. O mesmo não pensa o Canadá. Enfim, todas estas manifestações prévias de aceitação ou rechaço se revelam inúteis, já que a imensa ilha flutuante, em dado momento, começa a cair rumo ao sul. Para atracar finalmente em seu destino histórico, o mar caribenho e o socialismo cubano.

Em entrevista durante uma de suas visitas ao Brasil, Saramago falava em vocação atlântica da península ibérica. É grosso sofisma. Para começar, a península já está no Atlântico. Foi graças ao Atlântico que Portugal e Espanha construíram seus impérios. Continuando, Saramago a desloca para o Caribe. Sua metáfora pretende mostrar uma vocação cubana, socialista, que Portugal nunca alimentou. A dita Revolução dos Cravos, liderada por Otelo Saraiva de Carvalho, morreu na casca. Portugal, após o salazarismo, tornou-se um próspero país capitalista, perfeitamente integrado à economia – também capitalista – da Europa. Isto o velho comunista não consegue admitir.

Nos dias em que Portugal e Espanha faziam os preparativos para seu enlace definitivo com a Europa – e muito bem sucedido, como hoje pode ver-se – o escritor português, fazendo eco ao ancestral ódio marxista ao velho continente, separa estes dois países de seu futuro. E os empurra um século para trás, rumo ao socialismo cubano. Nunca uma obra literária, sob o inocente disfarce de um divertissement, foi tão anti-ocidental, anti-européia, anti-lusitana e anti-espanhola. Ao autor deste panfleto imediatamente desmentido pelos fatos, a Kungliga Akademie de Estocolmo conferiu o galardão máximo das letras ocidentais. Vista destes dias em que portugueses, espanhóis e demais europeus se regozijam com o euro, esta obra de Saramago revela-se um merencório equívoco.

Uma vez conquistado o Nobel, o detentor da láurea permitiu-se o luxo de afirmar qualquer impropriedade. Comentando o conflito entre Oriente e Ocidente por ocasião do atentado às torres do World Trade Center, em artigo para a Folha de S. Paulo, Saramago toma o partido dos terroristas. Para defendê-los, empunha antigas atrocidades de uma Europa passada, hindus atados à boca de canhões. "No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá ver cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes".

O prêmio Nobel evoca também Angola, onde algures "dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro". Isto é: se ingleses explodem hindus, se portugueses decapitam angolanos, é perfeitamente permissível que um saudita, homiziado no Afeganistão e imbuído da missão de vingador universal, detone dois prédios em Nova York matando não só malvados civis americanos, mas também cidadãos de 62 países do planetinha.

Como um jornalista novato que vê a História como um lago raso, sem antes nem depois, Saramago mistura geografia e fatos de épocas passadas para absolver o terrorismo presente. Se algo se perdeu definitivamente neste atentado, parece ter sido a boa lógica. Numa tentativa de explicar o terror, o autor português joga a culpa no "fator Deus". Tudo, menos responsabilizar fanáticos muçulmanos.

Com sua autoridade de Nobel, escreve: "Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse...". Isto é, atribuiu ao pensador alemão frase que, por equívoco, é normalmente atribuída a Dostoievski, por leitores de orelhas de livros. Em verdade, tal frase, assim como é proposta, não se encontra em momento algum do escritor russo. Foi Sartre quem a atribuiu a Dostoievski, tentando interpretar seu pensamento. Que mais não fosse, tal aforismo só poderia nascer no cérebro de um católico e de católico Nietzsche nada tinha. Ao fazer tal afirmação, Saramago demonstra que, para um laureado pela Kungliga Akademie, qualquer bobagem será sempre bem paga.

Não contente em defender o terror que destruiu as torres de Nova York, Saramago atacou Israel e sua reação aos atentados suicidas palestinos. Por ocasião do recrudescimento dos atentados cometidos por homens-bomba, comparou as ações do Exército israelense nos territórios palestinos ao sofrimento dos judeus no campo de concentração de Auschwitz na Segunda Guerra Mundial. "É a mesma coisa, ainda que levemos em conta as diferenças de espaço e tempo", afirmou em Ramallah (Cisjordânia), onde se encontrou com o líder palestino Yasser Arafat. "É preciso tocar todos os sinos do mundo para dizer que o que está ocorrendo na Palestina é um crime que podemos impedir", disse. Para os civis israelenses que morrem aleatoriamente, nenhuma palavra de conforto.

Isso sem falar que o valente escritor só rompeu com Cuba em 2003, quando 75 dissidentes foram presos e três pessoas foram executadas em um julgamento sumário. Castro vem executando opositores desde 1959, e Saramago rompe com o tirano só 44 anos depois. Em uma carta, escreveu: "De agora em diante Cuba segue seu caminho, eu fico aqui. Cuba perdeu minha confiança e fraudou minhas ilusões".

Mas o rompimento era brincadeirinha. Logo depois, em entrevista a um jornal cubano, reatou: "Não rompi com Cuba. Continuo sendo um amigo de Cuba, mas me reservo o direito de dizer o que penso, e dizer quando entendo que devo dizê-lo".

Este é o homem que o Ocidente hoje homenageia.

sexta-feira, junho 18, 2010
 
ROTINA


Passei há pouco em meu fornecedor de vinhos. Estava na fila do caixa quando observei algo estranho. A moça esvaziava a caixa de moedas e as punha num saco de plástico que alguém segurava. À primeira vista, me pareceu que era alguém que vinha buscar troco. À minha frente, estava o entregador da loja, que entregou seu relógio ao fulano que recolhia as moedas. Bom, aí a coisa mudava de figura.

Tudo continuou igual na rotina da fila. Perguntei ao entregador: que houve? Como se fosse a coisa mais normal do mundo, me respondeu: um assalto. E todo mundo continuou trabalhando. Interroguei a caixa. “Ele me enfiou um revólver na barriga. Entreguei tudo”.

Quase sem que eu percebesse, ocorrera um assalto à minha frente. Eram dois, os assaltantes. Saíram caminhando pela rua, com a tranqüilidade dos justos.

Polícia? Não há polícia. A polícia está mais preocupada com a segurança das favelas. Não com a segurança de quem paga impostos.

Mas vai ser pé-de-chinelo assim no inferno. Ladrão que se preocupa em roubar moedas avilta a profissão.

 
RECURSO VIL DE
MORENA MARINA



Um dos recursos mais usuais de políticos que nada têm a dizer – e particularmente dos petistas – é jogar ao ar argumentos que jamais foram brandidos e depois contestá-los com valentia. Foi o que fez em sua sabatina ontem a candidata Marina Silva, aquela que gosta de comparar-se a Davi, ao que tudo indica sem saber, apesar de religiosa, dos crimes que o sábio rei cometeu. Diz morena Marina:

- Nossos filhos e os filhos dos ricos têm muitas oportunidades. Os filhos dos pobres às vezes não têm nenhuma, e ainda são chamados de preguiçosos, vagabundos e incompetentes.

Cá entre nós, leitor: quem ouviu, em algum lugar ou momento, alguém chamar filhos de pobres de preguiçosos, vagabundos e incompetentes? Leio jornais todos os dias, de cabo a rabo, e jamais vi essa afirmação. Morena Marina, ao lançar mão deste expediente vulgar, está denunciando suas origens petistas.

É a mãozinha do Dr. Strangelove que não consegue evitar a saudação ao Führer.

quinta-feira, junho 17, 2010
 
QUANDO ENSINO
VIRA MENTIRA



Leio no Estadão que crianças da Escola Suíço-Brasileira fazem lanche comunitário com alimentos ligados à cultura indígena. Cocares, chocalhos, sementes e cantos indígenas estão se misturando aos livros e cadernos dos alunos nas aulas. Tudo isso para cumprir a lei que exige o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, que passou a vigorar em 2008.

Com a proposta de atrair a atenção dos alunos para a importância histórica dos índios e dos negros, as aulas exploram múltiplos recursos. Na Escola Suíço-Brasileira, na zona sul de São Paulo, os alunos do 1.º ano do fundamental vivenciam o dia a dia dos índios em cabanas de pano e um banquete com alimentos típicos. "Eles aprendem até as formas de comer e de sentar dos indígenas", afirma a professora Vera Povoa.

É de perguntar-se se neste magistério, além de cocares, chocalhos, sementes e cantos indígenas, os professores falam nas práticas de canibalismo dos índios brasileiros, relatadas por Hans Staden. Se, ao abordar as formas de comer dos indígenas, os professores citam o bispo Sardinha, que foi degustado pelos caetés.

Para ambientar os alunos – diz a reportagem - algumas escolas utilizam desde vídeos - o que inclui até mesmo uma espécie de reality show do cotidiano de uma aldeia, filmado pelos próprios índios - até excursões para museus e comunidades indígenas, onde as crianças aprendem a usar arco e flecha.

Falta saber se os professores contam que, no cotidiano de uma aldeia, existe o direito de matar filhos de mães solteiras e os recém-nascidos portadores de deficiências físicas ou mentais. Gêmeos também podem ser sacrificados. Algumas etnias acreditam que um representa o bem e o outro o mal e, assim, por não saber quem é quem, eliminam os dois.

Outras crêem que só os bichos podem ter mais de um filho de uma só vez. Há motivos mais fúteis, como casos de índios que mataram os que nasceram com simples manchas na pele – essas crianças, segundo eles, podem trazer maldição à tribo. Os rituais de execução consistem em enterrar vivos, afogar ou enforcar os bebês. Geralmente é a própria mãe quem deve executar a criança, embora haja casos em que pode ser auxiliada pelo pajé.

A prática do infanticídio já foi detectada em pelo menos 13 etnias, como os ianomâmis, os tapirapés e os madihas. Só os ianomâmis, em 2004, mataram 98 crianças. Os kamaiurás matam entre 20 e 30 por ano. Sob o olhar complacente dos antrópologos e indigenistas. A tradição deve ser respeitada. Informarão as escolas aos alunos estas práticas tradicionais dos silvícolas?

“O interesse despertado nas crianças é notável, principalmente quando elas percebem a influência que as raízes indígenas e afro-americanas têm em suas vidas – diz a reportagem -. Os alunos percebem que nos nossos hábitos há muitas referências culturais, como dormir em rede, comer farinha de mandioca e assar peixe na brasa, por exemplo", afirma a coordenadora pedagógica da Escola Cidade Jardim Play Pen, Gabriela Argolo.

Seria interessante saber se os professores contam aos alunos que Zumbi, o novel herói da libertação dos negros, se lutava contra a escravidão, também tinha escravos. Se ensinam que, se os brancos europeus compravam escravos, quem os vendia eram os chefes tribais negros africanos aliados aos portugueses, que enriqueceram com a venda de seus irmãos.

Se os professores não ensinam estas verdades históricas, os estudos afros ficam incompletos. Outra pergunta a se fazer é quando as escolas terão disciplinas que ensinem nossas origens greco-hebraico-romanas e européias. Comentei há alguns anos a história de uma sobrinha, a quem apresentei a estátua do Quixote e Sancho Pança na Plaza España, em Madri. Ela tinha formação universitária e jamais ouvira falar destes dois. As novas gerações, ao que tudo indica, continuarão sem saber quem é Cervantes. Mas saberão como comiam ou dormiam os bugres. Saber que, cá entre nós, não passa de mera curiosidade histórica que nada nos acrescenta.

A organização social do Brasil, nossas instituições, nosso ensino e nossa cultura são européias, antes de serem africanas ou indígenas. Derivamos muito mais de Platão e Aristóteles, Kant ou Descartes, Montesquieu ou Montaigne, do que de culturas ágrafas africanas ou nativas. O índio ou o africano em pouco ou nada contribuíram para formatar o Brasil como hoje é. Não fossem os portugueses, os habitantes de Pindorama ainda hoje viveriam da caça e coleta.

Índio não construiu nada. E negros, muito pouco. A pedagogia oficial, fundamentada em leis de cunho racista, está pretendendo inverter a história do país, atribuindo méritos a quem não os tem. Crianças adoram brincar em cabanas de pano, mas a cultura indígena jamais produziu pano. Pano é coisa de branco, que foi imposto pela Igreja aos índios para cobrirem suas vergonhas. Culinária indígena soa simpático, mas sempre é bom lembrar que esta culinária, entre seus acepipes, incluía carne de brancos.

O ensino está virando uma imensa mentira no Brasil. A serviço das viúvas do Kremlin, que querem negar o legado europeu que formou o país. Não será fácil reverter este embuste.

quarta-feira, junho 16, 2010
 
EU, DIREITISTA RAIVOSO

De quatro em quatro anos, vivo meus dias de inferno astral. São os dias da Copa. Não que eu abomine futebol. Considero um esporte estético, dinâmico, inteligente. O que me desagrada é o que vem junto. Futebol seria civilizado se um torcedor aplaudisse uma boa jogada do time adversário. Isso não acontece. Futebol traz à flor da pele os mais baixos instintos da plebe: facciosismo, fanatismo, agressividade, violência e o pior de todos, patrioteirismo. O futebol é início da guerra civil, escreveu George Orwell.

O que me desagrada é a identificação de futebol com nação. A seleção é a pátria de chuteiras, dizia Nelson Rodrigues. Pátria de chuteiras para países subdesenvolvidos. Em país decente, é apenas mais um esporte entre outros. Nestes dias, quando saio na rua e vejo gente uniformizada de verde e amarelo, sinto vergonha de ser brasileiro. Mas que se vai fazer? Meu passaporte é brasileiro e só me resta sentir vergonha.

Ontem, fui almoçar em um restaurante francês, do qual gosto, além de razões culinárias, por não ter televisão. Lá fugirei das massas, pensei. Santa ilusão! Quando vi os garçons com lenços verde-amarelos atados na cabeça, lembrei de um antigo filme, cujo título já não recordo. Alienígenas invadem a terra e começam a tomar o corpo dos terráqueos. O herói se insurge contra a invasão mas não consegue contê-la. Quando o planeta está totalmente dominado, ele diz à sua companheira: "Vamos fugir para algum lugar onde eles não tenham chegado". Ela, já com a voz rouca dos contaminados, pergunta: "Para onde?"

Não há para onde fugir. Nem mesmo ficando em casa. Sou avesso às grandes datas em que todo mundo confraterniza, como Natal e Ano Novo. Mas nestas datas, pelo menos meu silêncio não é perturbado. Nas Copas, é. Não há como escapar das cornetas e foguetes. Por isso, sempre torço nas Copas. Para que o Brasil seja eliminado no primeiro jogo. Assim se tem um pouco de silêncio no mês. Mas torço em vão. Para mim, pior que Natal e Ano Novo, só mesmo a Copa.

Dito isto, sempre fui tido como homem de direita. Pelas mais variadas razões. Primeiro, porque não sou nem nunca fui comunista. Para os comunistas, quem não é comunista é de extrema direita. Segundo, porque além de não ser petista abomino o PT. Para um petista, quem não é petista só pode ser de direita. Terceiro, porque não tenho papas na língua na hora de condenar ditaduras comunistas. Quarto, porque não considero Fidel nem Che libertadores do continente, mas operosos assassinos. Quinto, porque não hesito em afirmar que Francisco Franco salvou das garras de Stalin não só a Espanha como também a Europa. E por aí vai.

Hoje, surpreendentemente, descubro que sou de direita... porque não gosto de Copas. Leio no Estadão que vários comentaristas norte-americanos estão atacando a popularização do esporte no país, dizendo que se trata de uma modalidade esportiva "de pobre", coisa de sul-americano, resultado da crescente influência dos hispânicos no país e ligado às "políticas socialistas" do presidente Barack Obama.

Glenn Beck, o mais famoso comentarista conservador da Fox News, compara o futebol às políticas de Obama. "Não importa quantas celebridades o apóiam, quantos bares abrem mais cedo, quantos comerciais de cerveja eles veiculam, nós não queremos a Copa do Mundo, nós não gostamos da Copa do Mundo, não gostamos do futebol e não queremos ter nada a ver com isso", esbravejou Beck na TV. Segundo ele, o futebol é como o governo atual: "O restante do mundo gosta das políticas de Obama, mas nós não".

Comentário do redator da Agência Estado, que não assina a matéria: “A Copa do Mundo é a mais nova vítima da raivosa extrema direita dos Estados Unidos”. Mais um adendo em meu currículo. Pertenço à raivosa extrema direita brasileira, que não gosta de futebol. Mais um pouco e serão pichados como direitistas aqueles que gostam de ópera e não de samba, de zarzuelas e não de funk, de csárdás e não de axé.

Fanatismo em futebol é coisa de país pobre, sim senhor. Os países ricos também vibram com futebol, mas neles não vemos essa palhaçada de patrioteiros enrolados em bandeiras ou vestindo as cores do país. Em país rico não há essa canalhice demagógica de liberar funcionários do trabalho em horários de jogos. Muito menos esse zumbido atroador de cornetas e foguetes, típico de retardados mentais. Por que raios se tem de celebrar um gol perturbando a paz dos demais cidadãos?

Fanatismo em futebol é coisa de gente inculta. Ontem, ao voltar do restaurante para a casa, antes de terminar o jogo, vi as ruas de desertas de carros. São Paulo é mais inculta do que parece. Direitista raivoso, continuo minha torcida para que o Brasil caia no próximo embate e o país volte à normalidade.

Sei que não estou só. Não poucos leitores participam desta direita raivosa.

terça-feira, junho 15, 2010
 
SOB O SIGNO DO
BON SAUVAGE



André Bastos escreve:

Janer, gostaria de saber se você acredita ou não na existência de raças superiores.

Eu sei como é você levantar uma hipótese e imediatamente ser acusado de racismo. Como estudo antropologia, já fui chamado várias vezes de racista. Parece que não podemos mais falar que, enquanto as grandes civilizações da Europa e da Ásia se desenvolviam, os índios da América Latina e os nativos da África e Oceania constituíam comunidades animistas primitivas e selvagens. Com exceção de algumas regiões, a África estava mil anos mais atrasada do que a Europa. Como não constituíam Estados e até hoje possuem rivalidades tribais, foi ainda mais fácil para os europeus dominá-los.

Para a antropologia atual, não se usam mais termos como "sociedade primitiva", “selvagem" e "barbárie". Ora, como então devo definir os astecas com seus sacrifícios humanos? Será que devemos queimar as evidencias de que várias tribos americanas eram canibais? Como se chama uma sociedade que considera legal o incesto?

É impressionante como nas escolas as crianças aprendem desde cedo a se odiarem por possuir uma herança genética européia e, assim, descenderem de assassinos de bons selvagens. Ainda me recordo - e olhe que não estudei em escola pública. Na alfabetização, uma professora - para variar marxista - nos ensinava como os índios habitavam sociedades perfeitas nas quais onde reinava a igualdade e tudo pertencia a todos. Não havia guerras, assassinatos, lutas por poder ou estupro e viviam "em comunhão com a natureza". Os índios eram comunistas, e o bárbaro cara-pálida foi o capitalista responsável pela a extinção deste sistema perfeito.


É o velho e nefasto mito rousseauniano do “bon sauvage”, meu caro André, que infesta as esquerdas do Ocidente. Preferir a cultura européia à cultura dos selvagens, hoje, é ser eurocêntrico. Já não se pode nem mesmo falar em tribos. O que existe são nações. Selvagens, nem pensar. Há alguns anos, tive um pega com uma antropóloga em um trem na Espanha. Falei em salvajes.

- No conozco esta palabra.
- Natural de aquellos países que no tienen cultura.
- No la conozco.
- Salvajería?
- Tampoco.
- Dicho o echo propio de un salvaje.

Também não conhecia. Em sua histeria de negar a existência de culturas primitivas, a moça negava o próprio vernáculo.

Existem raças superiores? Se compararmos o legado das culturas grega ou egípcia, hebraica ou romana, chinesa ou nipônica, com a triste condição dos bugres brasileiros, sem ir mais longe, a resposta é mais ou menos óbvia. Enquanto aquelas culturas descobriram o alfabeto há milênios, nossos selvagens não escaparam de uma cultura ágrafa. A tal ponto que são os brancos que têm de atribuir-lhes uma língua escrita.

Será por isto que sociólogos, antropólogos e outros ólogos negam a idéia de raça. Não existindo raça, não existem raças superiores ou inferiores. Toda negação de conceitos milenares não é inocente, a algum interesse escuso serve. No caso, é argumento empunhado pelas viúvas do Kremlin para negar a importância da cultura branca, européia... e capitalista.

Vá lá. Para efeitos de argumentação, até se pode conceder que não haja raças superiores. Mas que ninguém – satisfeito com esta concessão – vá adiante e pretenda negar a existência de culturas superiores. Há uma diferença que não pode ser desprezada entre a Grécia de Platão e Sócrates, entre a Roma de Júlio César ou Marco Aurélio, entre a Áustria de Mozart ou a Alemanha de Platão e a Uganda de Idi Amin Dada, o Congo de Mobutu Sese Seko e o Zimbábue de Robert Mugabe.

Quanto ao incesto, é proibido em muitos países desenvolvidos. Em outros, também desenvolvidos, é legal. Na maioria dos países, não há dispositivo algum sobre o incesto. No Brasil, não é punido criminalmente se as duas pessoas forem maiores de 14 anos.

 
ÁFRICA DO SUL


Schopenhauer nunca foi tão atual: "A soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade mental".

segunda-feira, junho 14, 2010
 
NEGRO PODE AFIRMAR
QUE RAÇA EXISTE.
BRANCO NÃO PODE



Há uns bons três anos, ao comentar o episódio de dois gêmeos idênticos que foram considerados como branco e negro pelo sistema de cotas, a revista Veja rendeu-se vilmente ao politicamente correto e titulou com gosto na capa:

É mais uma prova de que
RAÇA NÃO EXISTE


Veja sofismava. Se os responsáveis pelo sistema de cotas se enganaram, isto nada tem a ver com a existência ou não de raça. Se afirmo que preto é branco e branco é preto, isto nada tem a ver com a existência ou não do preto ou do branco. Se raça não existe – comentei na época - vamos então parar de falar em dálmatas, buldogs, bassets, beagles, dobermanns, filas, chihuahuas, chowchows, cockers, malteses, pequineses, pitbulls, poodles, yorkshires, São Bernardos, rottweilers. Nem nas mais de 400 raças caninas.

Tampouco se fale mais, quando se trata de cavalos, em raças árabe, crioula, Holsteiner, manga larga, puros sangues ingleses, espanhóis e lusitanos, lipizzaners, appaloosa e quartos de milha, percherons, paint horses, campolinas, favacho, JB, Bela Cruz. Nem nas mais de 100 outras raças conhecidas.

Abominável racismo falar em bois zebu, Aberdeen-Angus, Nelore, Hereford, Limousine, Brahman, Gir, Guzerá, holandês, charolês. Ou em ovinos merino, Texel, Île-de-France, Suffolk, Hampshire Down, Poli Dorset, Corriedale, Ideal, Laucane, Bordaleira. Tenha também respeito pelos galináceos. Elimine de seu vocabulário palavras como Legorne, D’Angola, Cochinchina, Hamburguesa, Brahma e Plymouth.

Ou alguém pretende que raça só exista no reino animal? Quando surge o Homo sapiens, este ser excelso, tocado pela graça divina, raça deixa de existir?

Um ano depois, o politicamente correto voltou a atacar. Desta vez, através do livro Humanidade sem Raças, do doutor em genética humana Sérgio Pena, editado pela Publifolha. O autor defende a tese de que as raças e o racismo são uma invenção recente na história da humanidade. E o conceito de "raças humanas" surgiu e ganhou força com base em interesses de determinados grupos humanos, que necessitavam de justificativas para a dominação sobre outros grupos.

Houve muito negro que não gostou. O livro chegou em momento inoportuno. Em décadas passadas, os movimentos negros haviam concluído que raça não existia. Depois do estabelecimento de cotas para universidades, voltou a existir. Segundo um projeto do senador Paulo Paim, a condição de negro deve inclusive constar em documento. Quando se trata de ganhar no tapetão, o conceito de raça é muito conveniente. Dr. Pena, na introdução de seu livro, dizia:

“Parece existir uma noção generalizada de que o conceito de raças humanas e sua indesejável conseqüência, o racismo, são tão velhos como a humanidade. Há mesmo quem pense neles como parte essencial da "natureza humana". Isso não é verdade. Pelo contrário, as raças e o racismo são uma invenção recente na história da humanidade”.

Por defender a existência óbvia de raças, tenho sido condenado como racista. Tanto por negros como por judeus. Já fui inclusive processado por sete entidades indígenas por crime de racismo. Por ter afirmado que os índios não conseguiram escapar de uma cultura ágrafa e que os antropólogos queriam conservá-los como animais em museus intemporais para contemplação dos homens do futuro. Bem entendido, os indigenistas não levaram nada e tiveram de retirar seu cavalinho da chuva. Mas, em suma, hoje passou a ser apodada como racista toda pessoa que acredita na existência de raças.

Neste sentido, até a Bíblia é racista, pois fala continuamente em raças. O que nega cabalmente a convicção do Dr. Pena, de que raças e racismo sejam uma invenção recente na história da humanidade.

Na Folha de São Paulo de hoje, leio curiosa entrevista com o militante do movimento negro Abdias do Nascimento, cujo nome está sendo lançado para prêmio Nobel da Paz. Que emplaque não me espantaria. O Nobel da Paz é a última esperança de posteridade dos vigaristas. Os ingênuos noruegueses já concederam o galardão a terroristas e escroques, desde Yasser Arafat, Rigoberta Menchu, madre Teresa de Calcutá e Tenzin Gyatso, humildemente conhecido como Oceano de Sabedoria.

Não, um Nobel para o líder negro racista não me surpreenderia. O que me surpreende é vê-lo negar o óbvio, sem que o entrevistador nada objete. Diz o repórter:

- Há quem diga que o Brasil é miscigenado, e por isso não faria sentido enxergar divisão racial aqui.

Responde o líder negro:

- Isto é a cretinice brasileira, a falta de caráter, a sem-vergonhice brasileira. Isso vem de longe. Este discurso é para ajudar o Brasil a continuar racista. A continuar a ter a cobertura moral para o racismo. Eles querem até isto.

Refugiando-se no insulto, sem apresentar argumento algum, Nascimento nega cabalmente a existência do mulato. Ora, segundo o IBGE, a população negra do Brasil, em 99, era de apenas 5,4%. Se forem acrescidos os 39,9% do contingente de mulatos, o Brasil estaria perto de ser definido como um país majoritariamente negro, como aliás é hoje considerado por muitos americanos e europeus. Nascimento está sendo cúmplice da classificação ianque, que só consegue ver pretos e brancos em sua sociedade e nega a miscigenização.

Esta é mesma filosofia do Supremo Apedeuta que, mal foi eleito, saiu arrotando urbi et orbi que o Brasil era a segunda nação negra do mundo, depois da Nigéria. Até mesmo uma pessoa aparentemente culta, como Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, prestou-se a corroborar o sofisma safado: "como declarou o presidente Lula, o estreitamento das relações com a África constitui para o Brasil uma obrigação políica, moral e histórica. Com 76 milhões de afrodescendentes, somos a segunda maior nação negra do mundo, atrás da Nigéria, e o governo está empenhado em refletir essa circunstância". Ao colocar todos afrodescendentes no mesmo saco dos negros, o ministro demonstra que, nos círculos do poder, mesmo homens cultos se dobram à bajulação. Abdias do Nascimento não ficaria atrás de tais sumidades.

Mas o mais surpreendente vem adiante, quando o macróbio ativista afirma, na mesma Folha de São Paulo que publicou o livro do Dr. Sérgio Pena, que negava peremptoriamente a existência de raça. O repórter pergunta se Marina Silva seria a melhor candidata.

- Sem dúvida nenhuma. Tem qualidades e preparo. É de classe humilde, apesar de ter aprendido a ler muito depois de adulta, tem qualidade. Uma das primeiras solidariedades que tive no Senado foi a dela. Todo mundo sabe das minhas posições em defesa da minha raça. E ela não teve medo em vir me abraçar e se colocar à disposição para a ajuda que ela pudesse dar. Não recebi dos outros nenhum apoio.

Em defesa de minha raça? Quer dizer então que raça existe? Onde estão os ativistas negros que consideram racista quem acredita em raça? Se morena Marina apoiou Abdias, ao que tudo indica participa de sua Weltanschauung.

Será morena Marina - a candidata negra, como se apresenta - racista? Ou será que líder negro pode falar de raça sem ser pichado como racista? Estará proibido apenas aos brancos falar de raças?

domingo, junho 13, 2010
 
LEI QUE PRETENDE SEPARAR
O ESTADO DAS RELIGIÕES
SURTE EFEITO CONTRÁRIO



Sua Santidade Bento XVI, santo patrono dos padres pedófilos, não viu com simpatia a lei de liberdade religiosa que está sendo preparada pelo governo espanhol. Segundo o texto proposto, os atos e celebrações oficiais organizados pelos poderes públicos serão realizados de forma que não integrem cerimônias de caráter religioso. A futura lei aponta em primeiro lugar para os funerais, mas abrange qualquer outro ato estatal.

Se aprovada esta lei – comenta El País – os funerais de Estado realizados em 2004 pelas vítimas do atentado do 11 de março não poderiam ser repetidos, pois a cerimônia foi exclusivamente católica, embora entre os 191 mortos houvessem muçulmanos e cristãos ortodoxos. Não contente de explorar séculos afora o cadáver do crucificado, a Igreja de Roma continua a explorar cadáveres de pessoas que cultuam outros deuses ou crenças que não as católicas.

Sensato, o novo projeto de lei. Por que meu cadáver de ateu teria de cultuar um deus no qual não creio? A Igreja, ao apropriar-se de funerais públicos, põe todo e qualquer defunto a seu serviço. Senti isso na morte de minha mulher. Era sua vontade expressa ser cremada. Mas antes disso havia um velório. Quando entrei na câmara mortuária, havia um Cristo peladão pendurado num madeiro dominando a sala toda. (Não sei se o leitor já notou, mas o único cara com direito a usar tanga nas missas e velórios é aquele judeu). “Tirem isso daqui” – ordenei. Tiraram. Minha mulher nunca foi religiosa. Só o que faltava, ao final de sua vida, fazer propaganda dos papistas.

O texto determina que nos estabelecimentos públicos não se exibirão símbolos religiosos, salvo aqueles com valor histórico-artístico, arquitetônico e cultural protegidos pelas leis. Não poderá haver crucifixos em colégios nem hospitais públicos, prefeituras ou ministérios.

A nova lei, no entanto, traz embutidos certos inconvenientes. Para não quebrar os princípios de neutralidade e não-discriminação, as autoridades não só deverão atender aos convites da Igreja católica para participar, por exemplo, de procissões, mas também deverão comparecer aos atos das demais confissões, como a reza coletiva com que se encerra o Ramadã. Ou seja, o Estado, que antes prestigiava apenas uma religião, agora terá de prestigiar outras crenças.

Num país em que, além de católicos, há um número considerável de muçulmanos, protestantes e cristãos ortodoxos, prefeitos e ministros terão de dedicar boa parte de sua agenda a portar andores alheios. A lei, cuja intenção original era separar o Estado de toda religião, acabará por misturá-lo a todas.

sábado, junho 12, 2010
 
BOLÍVIA QUER TORNAR
OFICIAL JUSTIÇA PARALELA



Tenho comentado, ao longo destas crônicas, a tendência cada vez mais em moda em nossos dias, a de criar diferentes legislações para os cidadãos pertencentes a um mesmo Estado. No Brasil, negro vale por dois brancos em vestibular, índio pode estuprar, espancar mulheres e matar crianças, desmatar e exportar mogno, o MST pode invadir propriedades e próprios federais, demolir laboratórios e culturas transgênicas. Se um outro cidadão que não pertence a estas tribos fizer o mesmo, cai sobre ele todo o rigor da lei.

Na Europa, os muçulmanos reivindicam o direito a práticas que na Europa constituem crime, como a ablação do clitóris e a poligamia. Na Alemanha, citando o Corão, a juíza Christa Datz-Winter, de Frankfurt, negou o pedido de divórcio feito por uma mulher muçulmana que se queixava da violência do marido. A juíza declarou que os dois vieram de um "ambiente cultural marroquino em que não é incomum um homem exercer um direito de castigo corporal sobre sua esposa". Se um alemão bate em sua mulher, estão estabelecidas as condições para o divórcio e para a punição do marido. Muçulmano pode bater à vontade.

Costumo afirmar que quando em um Estado há duas ou mais legislações, então há dois ou mais Estados. Falei em “tendência cada vez mais em moda em nossos dias”. Me corrijo. Isto não vem de nossos dias. Há dois mil anos, uma seita de fanáticos já tinha a mesma pretensão.

Celso, nobre romano, autor de Discurso Verídico, que foi queimado pela Igreja e do qual só temos notícia pela contestação de Orígenes em Contra Celso, em sua época já acusava os cristãos de rebeldes contra a ordem estabelecida. Se se negavam a participar na vida pública e civil, isto equivalia a estabelecer um Estado dentro do Estado, com normas e costumes próprios, mas distintos dos do Império. Se se contentassem em anunciar um deus novo, isto pouco importava aos romanos. Mais deuses, menos deuses, tanto faz como tanto fez. Ocorre que se empenhavam em denegrir os deuses do país que os acolhia.

Leio no El País que a Bolívia é o primeiro país na América Latina a oficializar a nova moda. Evo Morales anunciou ontem que pretende assinar uma nova lei reconhecendo a validade da “justiça indígena e comunitária”, com a qual se justifica uma série de linchamentos no país. A última vítima da tal de justiça foi Santiago Flores, um cidadão de 51 anos, lapidado na última segunda-feira em Jununa, a 620 quilômetros de La Paz, acusado de violação.

Santiago foi enterrado boca abaixo, segundo os costumes indígenas, para impedir que seu ajayu (alma ou espírito) moleste os habitantes da comunidade, agora sob pacto de silêncio. Segundo o jornal espanhol, não se trata de um caso isolado. Há uma semana, na mesma província de Potosí, um grupo de indígenas entregou às famílias os corpos de quatro policiais que investigavam o contrabando na região. Os índios era os responsáveis pelo linchamento e entregaram os cadáveres amparando-se nas normas de sua jurisdição e com a condição de não serem denunciados pelo crime.

Nesta “justiça” não há recursos. Se um jilakata (autoridade indígena) emite uma sentença, que é verbal, as partes ou vítimas não podem recorrer a outra instância. Não existem cifras precisas, mas em 2007 foram registrados 57 casos de linchamento. Segundo Evo Morales, os índios têm uma cultura de vida, não de morte. (Estranha cultura de vida!) O governo defende a oficialização da justiça paralela. “A justiça ordinária já tem normas, mas a comunitária não. Os irmãos das comunidades têm de trabalhar uma proposta, convertê-la em lei e aprová-la no Congresso”, disse o deputado Isaac Ávalos, do Movimiento al Socialismo (MAS).

Se a moda pega no continente, maus dias nos esperam pela frente. Verdade que no Brasil índio já pode estuprar, ter relações com crianças de 10 ou 11 anos e matar (inclusive os próprios filhos) impunemente, com o beneplácito dos tais de indigenistas e com a cumplicidade do Estado de direito. Negro em vestibular vale por dois brancos e os tais de sem-terra podem invadir propriedades à vontade.

Só nos falta oficializar a justiça paralela.