¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, novembro 27, 2010
 
QUANDO OVERBOOKING É BEM-VINDO


Se algo um dia vai me roubar a vontade de viajar, acho que são os aeroportos. Se tornaram verdadeiras cidades, onde a locomoção é desconfortável. Alguns são inteligentes, como o Charles De Gaulle, em Paris. O avião atraca a poucos metros da saída. Outros são abomináveis, como o Heathrow, em Londres. Andamos quilômetros por esteiras e quando pensamos ter chegado ao terminal de embarque, descobrimos que temos de tomar um ônibus ou metrô que nos levará a outro terminal, vários quilômetros adiante. Você pensa que chegou? Não chegou não. Terá de recomeçar o calvário das escadas rolantes. Estou indo para Londres nos próximos dias. Mas decidi aterrissar em Paris, depois tomo um trem para lá. Fica mais perto e é mais rápido.

Isso que nunca enfrentei um overbooking. Não é nada agradável você comprar um bilhete com meses de antecedência e, na hora de partir, descobrir que não pode partir, porque um outro passageiro ocupa seu lugar. A meu ver, é uma ofensa ao consumidor. O mesmo não pensa a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata). Segunda-feira passada, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) anunciou o veto à venda de passagens além da capacidade das companhias como forma de evitar um caos aéreo. Na Iata, a decisão não foi bem recebida. Martine Ohayon, porta-voz da associação, explicou ontem que a entidade não tem uma política única e insiste que as empresas aéreas devem seguir as regras estabelecidas pelos governos onde operam.

Mas declarou que se trata de uma prática necessária para o setor aéreo garantir a rentabilidade. "Caso contrário, assentos nos aviões não seriam usados completamente." Para a entidade, a solução não é acabar com o overbooking, mas investir em infraestrutura e estabelecer uma estratégia. As queixas quanto ao pacote de fim de ano se somam a várias situações que têm deixado a Iata irritada com o governo, azedando a relação entre a associação que reúne as 220 maiores empresas do setor e o Brasil. Podemos até levar conta as ponderações da Iata. Mas quem deixa de voar na data prevista, deve ser regiamente recompensado.

Contei há alguns anos o caso de um auditor fiscal paulistano que foi para o Canadá, com mulher e dois filhos. Na volta, houve um problema de overbooking em seu vôo e a empresa - a já falecida Canadian Airlines - levou a família para um hotel e a embarcou no dia seguinte. Se a história terminasse aqui, tudo ficaria por conta do respeito da empresa ao consumidor.

Mas a história ainda não tinha terminado. Uma vez em São Paulo, o auditor foi procurado pela Canadian Airlines. A empresa se desculpava e queria recompensar o cliente pelos transtornos ocorridos no Canadá. Ofereceu então - a ele, sua mulher e dois filhos - mais uma passagem de ida-e-volta, para onde quer que a empresa voasse.

Se a história terminasse aqui, já teria um final feliz e tanto. Mas ainda não termina. O auditor fiscal, carcamano de boa cepa, alegou talvez não poder aceitar a cortesia, afinal tinha um terceiro filho e desta vez havia prometido ao menino que não viajava sem ele. Quem não chora não mama: ganhou cinco passagens.

Assim, eu também quero overbooking. De preferência, a cada viagem que faço. Conheço um outro caso, não de overbooking, mas de cortesia extraordinária de uma empresa. Um companheiro meu de boteco, professor de matemática no Mackenzie, foi à China com sua mulher. Mal chegou em Pequim, quebrou um pé. Permaneceu hospitalizado o tempo todo de sua viagem e voltou ao Brasil.

Mas a história também não termina aqui. A empresa pela qual viajou procurou-o para dizer-lhe que lamentava ele não ter podido aproveitar sua viagem. Para compensá-lo de alguma forma, lhe oferecia mais duas passagens de ida-e-volta. Bem entendido, a empresa - cujo nome agora não lembro - nada tinha a ver com o acidente com o pé. O professor não pensou duas vezes, e quem pensaria? É espantoso ver em um país comunista esta atenção ao cliente, que duvido que ocorra no bom sistema capitalista.

O problema não é exatamente overbooking, mas respeito ao passageiro. Se em função da boa operação de uma empresa o overbooking for inevitável, até que passa. Desde que a empresa me gratifique com prazeres inefáveis pelo meu desconforto.