¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, novembro 26, 2010
 
UM HEREGE NO VATICANO?


Escrevi sábado passado que o papa Bento XVI havia aceito o uso de preservativos no caso de relações com prostitutas. Segundo as últimas da imprensa, não teria sido bem assim. Sua Santidade teria aceito apenas o uso de preservativos nas relações com prostitutos. O erro decorreu da tradução do texto original do alemão para o italiano. Para prostitutas, salvo melhor juízo, a camisinha continua proibido. Pelo jeito, Sua Santidade estaria preocupada apenas com a saúde de seus cardeais.

Mas parece que também não é bem assim. Se a fala do Sumo Pontífice suscitou uma controvérsia sobre se ele tratara de "prostitutas" ou "prostitutos", Federico Lombardi, o porta-voz do Vaticano, apressou-se em dirimir as dúvidas. "Perguntei ao papa se há distinção entre homem e mulher, e ele afirmou que não. A questão é que a camisinha deve ser o primeiro passo para a responsabilidade com o risco à vida do outro. Se é um homem, uma mulher ou ainda transexual, não há diferença."

Ah bom! Então tá!

A entrevista papal, concedida a um jornalista alemão, foi saudada pela ONU e OMS como um avanço do Vaticano. Margaret Chan, diretora-geral da OMS, elogiou na segunda-feira passada o fato de o Papa Bento XVI ter admitido a utilização de preservativos em certos casos para reduzir o risco de transmissão do vírus da Aids. "Saúdo essa posição. Pela primeira vez, a utilização de preservativos em certas circunstâncias é admitia pelo Vaticano. É uma boa notícia e um bom começo", afirmou Chan, em Berlim, onde apresentou o relatório anual de sua organização.

Para Michel Sidibé, diretor do programa Unaids, criado pela ONU para combater a propagação do vírus da Aids, a declaração é um "passo adiante significativo e positivo do Vaticano".

Ora, o passo é tão tímido que sequer pode ser considerado passo. Tanto que o sempre solícito Federico Lombardi se apressou em declarar que "no raciocínio do Papa está claro que não pode ser definido uma mudança revolucionária". Perguntado sobre sexualidade, Bento XVI diz no livro que se basear só no preservativo significa banalizar a sexualidade e isso faz com que muitas pessoas não vejam nela a expressão do amor, "mas uma espécie de droga, que fornecem a si mesmos". Mas acrescenta: "Podem ter alguns casos em que se justifique o uso do preservativo, quando, por exemplo, uma prostituta utiliza um profilático. Isso pode ser o primeiro passo em direção a uma moralização, um primeiro ato de responsabilidade, consciente de que nem tudo é permitido e não se pode fazer tudo o que se quer", afirma.

Que história é essa de que “nem tudo é permitido e não se pode fazer tudo o que se quer"? Seria interessante salientar: se você não estiver infringindo a lei. Fora essa hipótese, tudo é permitido e posso sim fazer tudo o que quero. Ao lado da lei, existe a ética, é claro. Mas ética não é coercitiva e cada um tem a sua. Se não firo a lei, posso fazer o que quero, sim senhor! Só é crime o que a lei define como tal.

Verdade que a Igreja não liga para o conceito de crime e empunha o de pecado. Crimes são julgados – e absolvidos ou não – por júris ou juízes singulares. Pecado é mais fácil. O pecador confessa, faz um ato de contrição e está perdoado. É bem mais confortável, para os padres pedófilos, lidar com o conceito de pecado do que com o de crime.

Mas o problema do preservativo não diz respeito apenas ao HIV, e sim a todas as demais doenças sexuais transmissíveis. E não só a estas, mas a algo bem mais importante, o controle de natalidade. A Igreja não aceita a idéia de que sexo seja feito apenas por prazer. Se não tiver como finalidade a procriação, é pecado. Se por um lado a Igreja foi responsável por genocídios na África ao condenar os preservativos, continua ainda sendo responsável pela miséria no Terceiro Mundo, ao não aceitar o controle da natalidade.

A entrevista papal está sendo saudada como um avanço. Mas o Vaticano pariu um rato. Isso sem falar que Bento, muito inábil, está se dirigindo a um público errado. Que preocupações tem com o que o papa pensa quem freqüenta prostitutas? No fundo, é como se estivesse pregando a muçulmanos.

Mas não foi este pronunciamento do Bento o mais insólito em sua entrevista. E sim o fato de considerar errado afirmar que os Papas são infalíveis, "já que um Pontífice também erra. Obviamente, o Papa pode se equivocar, ser Papa não significa se considerar um soberano cheio de glória, mas alguém que dá testemunho de Cristo crucificado".

Há horas venho afirmando que Sua Santidade anda precisando de umas aulinhas, não só de Bíblia, como também de teologia. De fato, papas também erram. Mas não quando falam ex-cathedra. A infalibilidade papal é um dogma da teologia católica. O papa, quando delibera e define solenemente algo em matéria de fé ou moral, ex-cathedra, está sempre correto. E por que? Porque goza de assistência sobrenatural do Espírito Santo, que o preserva de todo o erro.

A infalibilidade papal diz respeito apenas às questões e verdades relativas à fé e à moral. Uma vez proclamadas e definidas solenemente, estas matérias de fé e de moral transformam-se em dogmas, verdades imutáveis e infalíveis que qualquer católico deve aderir, aceitar e acreditar de uma maneira irrevogável. A infalibilidade por sua vez é também dogma, promulgado na quarta sessão do Concílio Vaticano I, em 18 de julho de 1870, pelo papa Pio X. Diz o documento:

"O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando no exercício de seu ofício de pastor e mestre de todos os cristãos, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina de fé ou costumes que deve ser sustentada por toda a Igreja, possui, pela assistência divina que lhe foi prometida pelo bem-aventurado Pedro, aquela infalibilidade da qual o divino Redentor quis que gozasse a sua Igreja na definição da doutrina de fé e costumes. Por isto, ditas definições do Romano Pontífice são em si mesmas, e não pelo consentimento da Igreja, irreformáveis".

Nenhum papa pode negar este privilégio seu, sob pena de heresia. Ao deliberar sobre o uso de preservativo, Sua Santidade estava tratando de questões de costumes. Terá Bento feito gazeta nas aulas de Direito Canônico?

Ou estamos diante de um herege sentado na cadeira de Pedro?