¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, janeiro 18, 2011
 
MONTEIRO LOBATO E A
REFORMA ORTOGRÁFICA



Leitor atento me envia uma entrevista de Monteiro Lobato, concedida à revista Negrinha, sobre a ortografia de sua época. O texto está transcrito conforme a grafia de Lobato:

- Não é ojeriza. É o horror que eu tenho à imbecilidade humana sob qualquer forma que se apresente. Há uma lei natural que orienta a evolução de todas as linguas: a lei do menor esforço. Se eu posso dizer isto com o esforço de um quilogrametro, por que dize-lo com o esforço de dois? Essa lei norteia a evolução da lingua e foi o que fez que caissem as inuteis letras dobradas, os hh mudos, etc. A reforma ortografica veiu apenas apressar um processo em curso. Por si mesma a palavra phthysica passou a tisica, e o ph já havia sido desmontado pelo f. E assim seria em tudo. Essa grande lei do menor esforça conduz á simplificação da ortografia, jamais á complicação – e os tais acentos a torto e a direito que os reformadores oficiais impuseram á nova ortografia vêm complicar, vêm contrariar a lei da evolução! São, pois, uma coisa incientifica, tola, imbecil, cretinizante e que deve ser violentamente repelida por todas as pessoas decentes. Escrever “há” ou “êsse”, ou “ôutro”, ou “frequência”, só porque uns tais ignarissimos “alhos”, gramaticais resolveram assim, é ser covarde, bobo. Que é a lingua dum país? É a mais bela obra coletiva desse país. Ouça este pedacinho da Carolina Michaelis: “A lingua é a mais genial, original e nacional obra d’arte que uma nação cria e desenvolve. Neste desenvolve está a evolução da lingua. Uma lingua está sempre se desenvolvendo no sentido da simplificação, e a reforma ortografica foi apenas um simples apressar o passo desse desenvolvimento. Mas a criação de acentos novos, como o grave e o trema, bem como a inutil acentuação de quasi todas as palavras, não é desenvolvimento para a frente e sim complicação, involução e, portanto, coisa que só merece pau, pau e mais pau.

- Nega então a utilidade do acento?

- Está claro, homem! Pois não vê que a maior das linguas modernas, a mais rica em numero de palavras, a mais falada de todas, a de mais opulenta literatura – a lingua inglesa – não tem um só acento? E isto teve sua parte na vitoria dos povos de lingua inglesa no mundo, do mesmo modo que a excessiva acentuação da lingua francesa foi parte de vulto na decadencia e queda final da França. O tempo que os franceses gastaram em acentuar as palavras foi tempo perdido – que o inglês aproveitou para empolgar o mundo. Ora, depois dessa formidavel demonstração da coisa desastrosa que é o acento, virem os nossos gramaticos decuplicar a nossa acentuação, é coisa que eu explico só dde um modo: quinta-colunismo! Essa gente é suspeita! Essa gente quer arrastar este país a um imenso desastre futuro! Quer que tenhamos o ignominioso destino da França, a pobre vitima do excesso de acentos!

- Mas a acentuação já está imposta por lei.

- Não há lei humana que dirija uma lingua, porque lingua é um fenomeno natural, como a oferta e a procura, como o crescimento das crianças, como a senilidade, etc. Se uma lei institue a obrigatoriedade dos acentos, essa lei vai fazer companhia ás leis idiotas que tentam regular preços e mais coisas. Leis assim nascem mortas e é um dever civico ignora-las, sejam lá quais forem os paspalhões que as assinem. A lei fica aí e nós, os donos da lingua, nós, o povo, vamos fazendo o que a lei natural da simplificação manda. Trema!... Acento grave!... “Ôutro” com acento circunflexo, como se houvesse meio de alguem enganar-se na pronuncia dessa palavra!... Imbecilidade pura, meu caro. E a reação contra o grotesco acentismo já começou. Os jornais não o aceitam e os escritores mais decentes, idem. A aceitação do acento está ficando como a marca, a carateristica do carneirismo, do servilismo a tudo quanto cheira a oficial. Eu, de mim, solenemente o declaro, não sou “mé”, e portanto não admito esses acentos em coisa nenhuma que eu escreva, nem leio nada que os traga. Se alguem me escreve uma carta cheia de acentos, encosto-a. Nem leio. E se vem alguma com trema, devolvo-a, nobremente enojado...