¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, fevereiro 21, 2011
 
QUANDO OS RATOS
FOGEM DO NAVIO



Cronistas metidos a cosmopolitas, aqui no Brasil, estão evocando seus turismos ao Cairo, suas visitas às pirâmides e suas fotos junto a camelos como currículo para deitar cátedra sobre o que está acontecendo no Egito. É um certo narcisismo intelectual, tipo “olha como eu sou viajado e entendo de Oriente Médio”. Pensei em sequer citar o nome destes pavões, para não poluir minha bitácora. Para não fazer mistério, vou citar.

São os dois mais conhecidos medíocres que empestam o jornalismo nacional. O imortal bolsa-ditadura Carlos Heitor Cony e aquele outro cronista extremamente coerente, o Arnaldo Jabor. E por que extremamente coerente? Porque seja quem estiver no poder, ele está sempre com o poder. Já puxou o saco de Fernando Henrique. Quando o Analfabeto subiu ao poder, largou o do Fernando Henrique e passou a alisar o do Analfabeto. Afastou-se de Lula no segundo mandato e agora passou a acarinhar o da presidenta. Jamais vi no jornalismo, ser tão mais vil. Ou tão servil.

Para analisar a situação no Oriente Médio, os argutos analistas começam sempre evocando sua visita às pirâmides. É a decadência do jornalismo tupiniquim.

Também estive no Egito, subi o Nilo de Cairo a Assuã, vi as pirâmides, a Esfinge, Luxor, o Vale dos Mortos. Vi também miséria, imundície, falta de higiene. Vi água saindo da pia de um trem com cor de petróleo. Vi meninos nadando junto às felucas para pedir esmolas aos turistas. Estive em um hotel cinco estrelas, em cuja banheira Cleópatra deve ter-se banhado e, em homenagem à bela, nunca mais foi lavada.

Estive também em outros países árabes. Sempre como turista. Sem conhecer a língua e me comunicando um pouco em inglês, outro tanto em francês e no mais das vezes por gestos. Nada disto me autoriza a uma análise mais profunda do que ocorre por lá. Um jornalista me pergunta: “cara, quem é que está coordenando os levantes nos países árabes? Se é que alguém está coordenando. Tem ideologia? Ou uma coisa é uma coisa e outra é outra bem diferente? Tens idéia do que está acontecendo?”

Idéia nenhuma. E, pelo que leio, ninguém sabe bem do que se trata. Aparentemente, é um contágio midiático. Não conheço suficientemente o mundo árabe para tentar qualquer interpretação. Visitei só três países árabes – Egito, Argélia e Tunísia – e na condição de turista. Conheço mais do Magreb e Oriente Médio a partir do que li na França.

Mas, mesmo olhando de longe, algo se pode afirmar. A maioria dos analistas está equivocada. Não há – nem haverá – nenhuma revolução. O que pode haver é troca de síndico. Há quem compare as atuais convulsões árabes a 1989 e à queda do muro. A comparação não é pertinente. Em 1989, os países socialistas tinham um objetivo definido: pertencer ao Ocidente, partilhar seus valores. Não é o caso das multidões que hoje se rebelam nos países árabes.

Mais importante que contestar um ditador, seria contestar o Islã. Os jornalistas, entusiasmados, falam em revolução democrática. Ora, não há revolução democrática em teocracias. O Egito, por exemplo: que revolução é essa que permite um exílio dourado ao ditador deposto? Isso sem falar que o Exército é tão ou mais corrupto que o Mubarak. Domina desde resorts a condomínios de luxo, produz desde geladeiras, máquinas de lavar roupa, carros e televisões. Os generais utilizam a mão de obra, praticamente gratuita, da soldadesca. Alguém imagina que os generais egípcios vão renunciar a estes privilégios? Ora, contem outra.

Alguém pensa que um muçulmano renunciará às quatro mulheres às quais o Profeta (louvado seja seu nome) lhe concede direito? Algum macho árabe renunciará à sua condição de amo e senhor? Estar por cima é muito confortável e nenhum Mohamed admitirá um dia que sua mulher saia de baixo. Para sair às ruas e bradar por revolução, mulher até que serve. Depois, que volte pra cozinha fazer cuscuz. Os jornalistas que hoje louvam a “revolução democrática” nos países árabes não passam de ingênuos que do Oriente Médio só conhecem camelos e pirâmides. Que, aliás, nem são camelos. Mas dromedários.

Em Paris, conheci egípcios, argelinos e palestinos. Posso afirmar que, tanto no Egito como na Argélia ou Palestina, há muita revolta entre os mais jovens, que não vêem futuro algum pela frente. Não sei como será nos demais países. Enfim, no Iêmen e Sudão, miséria total.

Durante meus dias de Sorbonne Nouvelle, tive um bom convívio com Slimane Zeghidour, autor de La Vie quotidienne à la Mecque - de Mahomet à nos jours. Na época, Giscard d'Estaing estava oferecendo dez mil francos mais passagem de volta a todo imigrante que quisesse retornar a seu país. "Podem me dar a França inteira - me dizia Slimane - Não volto. Não posso levar a França no bolso".

Fala-se muito nos efeitos da Internet e Facebook. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Rádio e televisão também são fatores importantes. Foi mais ou menos o que afundou a União Soviética. O pessoal recebe imagens do Ocidente, seu fausto, suas facilidades, carros, mulheres, sexo e se pergunta: mas e por que eu não tenho isso?

Claro que a Internet tem um efeito multiplicador. Mas já tem gente querendo demais, se perguntando quando ocorrerão as revoltas na Rússia ou China. Devagar nas pedras, companheiros! Otimismo tem seus limites.

Tunísia e Egito derrubaram seus ditadores. Todos bajulados pelo Ocidente. Não só Lula, mas boa parte dos dirigentes europeus, se esfregaram em Ben Ali, Kadafi, Mubarak e tutti quanti! Inclusive Barack Obama. Derrubaram seus ditadores mas e daí? Não vejo como algo possa mudar em países atrelados ao Islã.

Só quero ver no que vai dar a Líbia. Kadafi não tem dificuldade alguma em lidar com banhos de sangue. Não consigo vê-lo largando o osso. Em todo caso, há sinais alentadores. Um ministro e vários embaixadores já pediram demissão do cargo, após anos de cumplicidade com a ditadura. Quando os ratos começam a abandonar o navio, o naufrágio parece ser iminente.

Será? Por enquanto, nada se pode afirmar.