¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, março 24, 2011
 

CHÁVEZ E O PARTIDO SOCIALISTA
DA REPÚBLICA SOVIÉTICA DE MARTE



Quem me acompanha, sabe que Carmen é uma de minhas óperas diletas. Devo ter umas dez Carmens em minha – como direi? – Carmenteca. Entre elas uma com a letra em italiano, que em nada difere da original. Minha preferida, a prima inter pares, é a versão cinematográfica de Francesco Rosi, com a Julia Migenes no papel da cigana. A cena da sedução de Don José é algo insólito na história da ópera. Já vi, inclusive, uma Carmen do cinema mudo. Não deve ser difícil de achar na rede. Difícil conceber uma ópera muda. Mas existe. Legendada.

Mas duvido que os cultores do bel canto conheçam a Carmen mais divertida que vi em minha vida. Produção gaúcha, foi dirigida por Milton Barragan e tem Mary Terezinha como personagem-título e Teixeirinha no papel de Don José. Juro.

“Misto de aventura, drama e comédia, este filme é tributo de Teixeirinha à sua grande amada Mary Terezinha. A história envolve a paixão arrebatadora do cantor gaúcho por uma bela cigana e todas as complicações que uma gangue de malfeitores arruma para atrapalhar o final feliz. Encenado em Porto Alegre, Teixeirinha mostra os costumes do povo cigano, com suas lendas, músicas e hábitos”. É o que diz a propaganda do filme.

Teixeirinha foi um personagem curioso da cultura gaúcha. Sem ser comunista nem roqueiro, sua música era curtida na França, Suécia, Romênia, Estados Unidos, Rússia e África, sempre levado por portugueses. Vi discos do Teixeirinha numa vitrine em Estocolmo e ouvi Coração de Luto no Marché aux Puces, em Paris. Lá, contou-me um angolano que radinho que não tocava Teixeirinha é porque estava sem pilhas. Era muito escutado nas casernas de soldados russos e cubanos. Por quê, não tenho a mínima idéia.

Baixinho e barrigudo, Teixeirinha apresentava problemas para ser transformado em galã. Certa vez, a produção de um de seus filmes, cortou um eucalipto enorme em meio à mapa, sobre o qual o cantor executaria uma de suas canções. Não deu pé. O eucalipto era muito grosso e o Teixeira ficava com as pernas balançando no ar. A produção teve de cortar um eucalipto menor. Outro detalhe: no roteiro de seus filmes, só ele podia beijar sua parceira. Como tinha pouca estatura, para beijá-la precisava subir em um banquinho. No cartaz acima, ele está mais alto que a Mary. Na verdade, dava pelos peitos da moça. Mary Terezinha fugiu mais tarde com seu Escamillo, no caso o astrólogo particular do Teixeirinha. Mas isto já é outra história.

Assim era o ator. Vi sua Carmen no cinema Vitória, em Porto Alegre. Eu chorava de rir, chorava mesmo. A barriga me doía. Eu era o único que ria na platéia. Os demais espectadores estavam comovidos com o don José pampeano e suas atribulações. O pior de tudo é que não podia comentar o filme. Barragan, o diretor, era de um meus melhores amigos – sempre descobria em que parte do mundo eu estava para telefonar-me no réveillon - e eu não tinha a coragem de magoá-lo.

Há uma certa estética no grotesco. Talvez estética não seja a palavra adequada. Mas enfim, algo que fascina. Ou, pelo menos, faz rir. Sou cultor desta outra espécie de humor. Um outro filme que divertiu imensamente foi Aelita, a Rainha de Marte, de 1924, dirigido por Yakov Protazanov. Encontrei-o por acaso em uma locadora cá de São Paulo.

A história, baseada em um conto de Alexei Tolstoy – não confundir com o Leon - transcorre no alvorecer glorioso do comunismo. A nova doutrina se expande pelo sistema solar e chega a Marte. Los, um engenheiro que vivia em Moscou, sonhava com Aelita, a rainha de Marte. Levado pelo impulso do amor, constrói uma espaçonave e parte para Marte em busca de seus sonhos. Chegando lá, se encontra com Aelita e os dois se apaixonam. O engenheiro russo acaba se envolvendo com o proletariado marciano e funda o partido Socialista Soviético da República de Marte.

Não ri tanto como no filme de Teixeirinha, mas confesso que me diverti bastante. Quem quiser conferir, pode procurar trechos no You Tube e o filme todo é facilmente encontrável na rede. A arquitetura da cidade marciana e os modelitos da Aelita merecem um download.

Tudo isto para dizer que Hugo Chávez, o clown venezuelano, não laborava exatamente em equívoco, quando afirmou, na terça-feira passada, ao fazer um discurso para marcar o dia mundial da água: “Eu sempre digo, e ouço, que não seria estranho se tivesse existido uma civilização em Marte, mas talvez o capitalismo tenha chegado lá, o imperialismo chegou e acabou com o planeta”.

Alexei Tolstoy que o diga. Aelita, a rainha de Marte, confirma. Que uma rainha possa conduzir uma revolução proletária, bom, isso faz parte das contradições dialéticas do marxismo.