¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, abril 30, 2011
 
SOBRE ERNESTO SÁBATO (III)

(entrevista concedida à professora Inês Skrepetz)



O convite de traduzir toda sua obra ocorreu quando estava em Paris. Comecei com Sobre Héroes y Tumbas, retraduzi El Túnel e avancei por Abbadón e seus ensaios. Traduzir um autor complexo como Sábato - pelo menos que diz respeito à sua ficção – é sempre um desafio. Para mim era uma forma de unir o útil ao agradável. Se pretendia desenvolver uma tese sobre o argentino, a tradução me obrigava a lê-lo vírgula a vírgula.

A tradução de Sábato no Brasil teve muitos percalços. Os direitos autorais estiveram em mãos de pelo menos duas editoras, sem que nada fosse publicado. Sábato acabou assinando contrato com a Francisco Alves, do Rio e convidou-me para traduzi-lo. Eu estava terminando a tradução de Héroes, quando o professor Deonísio da Silva, da UFSCAR, me envia uma nota do Jornal do Brasil, que dizia este livro já estar em fase de impressão. Comuniquei-me com Sábato. Sua resposta:

11 de setiembre
Mi querido Cristaldo:

La condición que puse a Editora Alves es que se empleará su traducción o ninguna outra. Estoy esperando ahora la respuesta, pero sin duda será así. Estaremos en Paris desde el 1º de noviembre hasta el 10, em el Hotel d’Isly. Um abrazo muy fuerte y cariñoso para los dos,

E. Sábato


Sei lá que intrigas ocorreram, mas foram conjuradas. Meu orientador jamais ouvira falar nem do autor nem de sua obra. Depois de minha tese, escreveu um livro sobre Sábato e saiu a fazer palestras sobre ele na Europa. Ou seja, contribui um pouco para a educação de meu professor e para uma maior difusão de Sábato no velho continente.

Que representa hoje Sábato para mim? Foi uma boa experiência conhecê-lo, foi um belo desafio traduzi-lo. Foi um interlocutor fascinante e muito me honra ter merecido sua amizade.

IS - Dentro da sua autoridade como tradutor de Sábato, como você compreende a produção literária deste autor, tão marcada pelos seus romances e, no entanto, que produziu muito mais ensaios e críticas do que propriamente Literatura?

JC – É um dos mais importantes escritores latino-americanos, que por muito tempo foi sabotado pelas esquerdas, por ter ousado denunciar o comunismo. Houve época em que, ao falar-se em literatura latino-americana, dizia-se: Borges, Cortázar, Garcia Márquez, Vargas Llosa, etc. E só. Cheguei um dia a perguntar a Sábato se não estava escrevendo com o pseudônimo de Etc.

Tendo escrito apenas três ficções em sua vida, conseguiu um grande momento na ficção latino-americana, com Sobre Hérois y Tumbas. Mas cometeu um grave equívoco em Abbadón, ao fazer o hagiológio de um dos mais frios assassinos do continente, seu conterrâneo Ernesto Che Guevara. Pelo jeito foi uma recidiva de seus dias de marxismo. Em minha tese sobre Sábato e Camus, Mensageiros das Fúrias, dediquei um capítulo a esta parte do livro. Na época, eu considerava que um escritor, uma vez que toma um personagem histórico como personagem, tem todo direito de pintá-lo a seu modo. Hoje, não penso assim. Embarquei no equívoco do outro Ernesto.

Sábato nasceu em 1911, seis anos antes da Revolução de 17, que se pretendia a redenção da humanidade. Em sua juventude, não se tinha conhecimento dos crimes de Lênin e muito menos, mais tarde, dos crimes de Stalin. Estes só começaram a ser conhecidos em meados dos anos 30. Ora, em 1930, Sábato participava ativamente do Partido Comunista argentino.

Em 1934, começam suas discordâncias políticas e filosóficas com o marxismo, o que faz com que os dirigentes do partido o enviem às Escolas Leninistas de Moscou, mas antes deve participar do Congresso contra o Fascismo e a Guerra, em Bruxelas, presidido por Henri Barbusse. Encontra-se com dirigentes do mundo todo e confirma suas suspeitas, que culminam com o começo dos "processos" de Moscou. Decide fugir do congresso e vai para Paris, onde passa o inverno de 34-35 na clandestinidade e na miséria. Rompe com o Partido, que abandona lá por 35 ou 36, por ocasião das primeiras purgas de Stalin. Foi quando desceram do barco Camus, Koestler, Gide, Ignazio Silone, Louis Fischer, Stephen Spender, Richard Wright. Desde então, Sábato tem sido um crítico feroz dos regimes totalitários socialistas.

Foi um homem que viveu as contradições do século que percorreu desde o início. Foi honesto quando passou a militar no Partido e mais ainda quando o abandonou. Sua ruptura: "Enojado com a escravidão moral, intelectual e física que o stalinismo impunha, consciente do divórcio que provocava entre a realidade de nosso país e o regime soviético e, enfim, tendo tomado consciência de que muito pouco restava da teoria marxista na escolástica que se injetava na Rússia, inclusive com tortura e morte, acabei por deixar o movimento pelo qual havia abandonado família, estudos e segurança. Nos quase quarenta anos então transcorridos, jamais reneguei os ideais de justiça social e de liberação nacional, como creio ter provado através de minhas atitudes públicas".

É escritor que não morre. Sobre Héroes é definitivamente um clássico da literatura do continente.