¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, setembro 22, 2011
 
HARVARD DESCOBRE A AMÉRICA


Há quem pense que sou um ateu militante, que luta para atrair os crentes à sua causa. Nada disso. Ateu, eu o sou desde minha adolescência. Ou melhor, desde nascido. Nascemos todos ateus. Quem nos faz crer em Deus é a igreja, escola, a família, o Estado. No meu caso, foi uma catequista uruguaia, Doña Chichi.

Eu vivia no campo, em um universo mais pagão que religioso. Meus pais acreditavam vagamente que deveria existir alguém que criara aquelas canhadas e coxilhas e inclusive nós mesmos. Era uma crença vaga, de pessoas incultas que do mundo pouco ou nada entendiam. Morávamos em Upamaruty, distrito rural de Livramento. Havia uma capela nas Três Vendas, no município vizinho de Dom Pedrito. A cada domingo, vinha um padre da cidade celebrar uma missa.

Quem nos levou para as missas – e para a catequese – foi Doña Chichi, mulher de um fazendeiro uruguaio, don Soilo. A cada domingo, Doña Chichi passava em sua camioneta pela Linha Divisória, arrebanhando a piazada. Automóvel, para nós, era uma aventura. Entrávamos com entusiasmo na caçamba e só a viagem já valia uma missa.

Acreditei naquelas potocas todas, fiz primeira comunhão, me submeti a essa suprema humilhação que se chama confissão e tentei, naqueles anos, ser um bom cristão. Cada vez que julgava ter cometido um pecado, me ajoelhava no chão de terra e pedia perdão a Deus. Esta genuflexão ridícula é o que mais tarde me fez abominar a Igreja. Eu me ajoelhava ante o que não existe, para pedir perdão por algo que nada tinha porque ser perdoado.

Doña Chichi, por sua vez, nos fazia pedir ao grande Deus do universo para que não chovesse, “para que nuestras carreteras se mantengan en buenas condiciones, para llevar nuestra safra de lana a la ciudad”. Era sua maneira de interpretar a função de Deus no universo.

Durante uns quatro ou cinco anos, fui à missa a cada domingo, rezei, confessei e comunguei. Fui congregado mariano e, mais ainda, fui presidente da Congregação Mariana. Por uma questão de coerência, acabei destruindo a Congregação Mariana. Teria uns quinze anos. Foi meu primeiro serviço prestado à humanidade.

Voltei a meu ateísmo primevo quando comecei a ler a Bíblia. Não há fé que resista a uma leitura atenta da Bíblia. Desde o Gênesis, vê-se que deus é uma criação dos homens. Terá sido por isso que a Igreja desrecomendava a leitura da Bíblia antes do trinta anos. Se você chegou aos trinta acreditando em Deus, dificilmente renegará sua crença.

A respeito de crônica recente, sobre o embuste das medicinas do Além, me escreve Marcelo Araújo:

Picaretagem??? Superstições??? Embustes??? O seu texto até que nos faz parar para pensar nos profissionais da medicina, porém, a sua forma de se dirigir às pessoas citadas, nos lembra os orgulhosos Patrícios do 1º século. Que se discorde das idéias, tudo bem. Mas, utilizar destas palavras, me parece uma falta de respeito muito grande.

Caro, toda religião é picaretagem. Padres, seja a qual religião pertençam, vivem de enganar o próximo. Sustentam-se vendendo vento. Comprei vento, em minha juventude. Mas lá por meus quinze anos considerei não ser bom negócio comprar vento. Achar que chamar de picaretagem a condenação das religiões é falta de respeito, é o mesmo que chamar de falta de respeito condenar a corrupção do governo e do Congresso Nacional.

Que as pessoas creiam no que quiserem e felicidades a todos! Para mim, tanto faz como tanto fez. O que não se admite é atribuir a instâncias do Além o trabalho de médicos, enfermeiros e máquinas.

Minha cura se deveu em boa parte à medicina de ponta e à excelência do corpo médico – e também dos físicos - do Sírio-Libanês. Além da competência, fui tratado com um carinho como se eu fosse, não um cliente, mas um amigo de todos. E graças, muito especialmente, à Siemens e à sua metodologia IMRT - Intensity Modulated Radiotherapy - Radioterapia com Intensidade Modulada, uma tecnologia avançada de radioterapia. O aparelhinho, um acelerador linear de última geração, que custa um milhão de dólares – mais outro milhão pelas instalações e softwares – cura determinados cânceres com mais eficiência e menores danos que as técnicas anteriores.

Quem atribui a Deus sua cura, após ter sido tratado em hospitais de excelência, deveria ter seu nome posto numa lista negra e jamais ser aceito em hospital algum. Que apele a Deus, ao Dr. Fritz, ao Queiroz. Mas que não ofenda o esforço continuado dos cientistas em desenvolver cada vez melhores instrumentos de cura.

Em meio a isso, leio na Folha de São Paulo de hoje reportagem afirmando que pessoas que acreditam em Deus têm mais chance de cometer falhas lógicas levadas pela intuição. Ora, acreditar em Deus já é uma falha lógica. Que milhões de pessoas acreditem numa ficção, isto é questão de fé e não se discute. O que não se pode afirmar é que seja questão de lógica. Lógica nenhuma permite afirmar a existência do que não existe.

Segundo a reportagem, muita gente rejeita o estereótipo que descreve ateus como pessoas racionais e analíticas e religiosos como intuitivos e espontâneos. Um experimento feito na Universidade Harvard, porém, sugere que esse clichê pode ter um fundo de verdade. No trabalho, cientistas avaliaram o estilo de raciocínio preferido por mais de 800 voluntários e viram que aqueles com tendência maior a usar a intuição eram mais propensos a crer em Deus e entidades sobrenaturais. O resultado do experimento saiu em um estudo publicado na revista científica Journal of Experimental Psychology. O trabalho, coordenado pelo psicólogo Amitai Shenhav, indica que pessoas mais racionais tendem a crer menos em Deus.

A Universidade Harvard, pelo jeito, está descobrindo a América. É óbvio que um ser racional não pode acreditar em deus ou deuses. Esta crença é atributo dos tais de intuitivos.

E eles são legião.