¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, março 25, 2012
 
BENTO XVI NO MÉXICO: ENTRE A
VIRGEM, IXIPTLAS E PEDÓFILOS



Ontem, em sua primeira visita ao México, Bento XVI rezou diante de uma imagem da Virgem de Guadalupe, padroeira da América Latina. O mesmo fez João Paulo II, em suas três visitas ao país. Papas, quando vão ao México, não perdem a ocasião de reverenciar a origem do embuste.

Em 1990, comentei a segunda visita de João Paulo II ao México. Na época, o vice-Deus de plantão foi até lá, não para degustar tequila ou ouvir mariachis, e sim para beatificar Juan Diego, o índio em cuja túnica as rosas teriam deixado gravada a imagem da Virgem de Tepeyac, mais conhecida como Virgem de Guadalupe, não por acaso a mesma venerada nas montanhas de Estremadura, e muito querida pelos conquistadores. João Paulo, padre astuto, intuindo que a tal de teologia de libertação está em franca decadência com o desmoronamento do fascismo eslavo, investiu no mistério. E conferiu odor de santidade ao coitado do íncola manipulado pelo barroco europeu.

Tudo começou nos anos 1550, quando na colina de Tepeyac os indígenas mexicanos prestavam culto a um ixiptla, ou seja, estátua ou imagem de uma deidade que, na linguagem dos conquistadores, é traduzida como ídolo. O ixiptla, no caso, é o da deusa Toci-Tonantzin, nome que, traduzido do náuatle, dá - maravilhosa coincidência! - Nossa Mãe. Alonso de Montufar, arcebispo do vice-reino, não vai perder esta oportunidade - como direi? - divina, de sobrepor, como sempre fez a Igreja romana, aos símbolos e cultos pagãos, a tralha católica. Encomenda a Marcos, um pintor indígena, uma obra inspirada em um modelo europeu e a coloca ao lado do ixiptla asteca, gesto aparentemente inocente se visto daqueles dias, mas carregado de conseqüências quando o olhamos com o distanciamento de quatro séculos.

Pelo período de aproximadamente um século, a imagem da Virgem permanece, sem trocadilhos, em banho-maria, sem que se fale de epifanias ou milagres. Em 1648, com a publicação de Imagen de la Virgen Madre de Diós de Guadalupe, do padre Miguel Sánchez, o culto mariano toma novo impulso.

"Segundo esta versão destinada a tornar-se canônica" – escreve Serge Gruzinski, em La Guerre des images - a Virgem teria aparecido três vezes em 1531 a um índio chamado Juan Diego. Segundo Juan de Zumárraga, primeiro bispo e arcebispo do México, Juan Diego abriu sua capa sob os olhos do prelado: "em lugar das rosas que ela envolvia, o índio descobriu uma imagem da Virgem, miraculosamente impressa, até hoje conservada, guardada e venerada no santuário de Guadalupe".

Mas nada surge do nada, muito menos imagens. Antes da publicação do livro de Miguel Sánchez, que oficializa a versão das rosas imprimindo os traços da Virgem na capa de Juan Diego, haviam chegado ao México pelo menos duas levas de pintores e arquitetos, profundamente influenciados pela escola flamenga. Colocando seus talentos a serviço da Igreja, estes artistas transportam ao novo continente o imaginário europeu. Vasto é o mercado.

Para Gruzinski, a clientela dos artistas cresce e se diversifica: "A corte, a igreja, as autoridades municipais, a universidade, a Inquisição, as confrarias e os ricos entregam-se a uma concorrência cada vez mais viva e rivalizam em encomendas que afirmam publicamente, aqui como alhures, poder, prestígio e influência social. Eis então reunidos todos os meios de uma predileção pela imagem e de uma produção em larga escala, conforme o gosto europeu, impulsionada pela Igreja, posta sob a vigilância da Inquisição e de prelados de zelo por vezes intempestivo".

Faltava apenas o ingênuo para descobrir, sob as rosas, a imagem da Virgem. Como seria pouco convincente apresentar uma imagem sendo descoberta por seus criadores, foi escolhido Juan Diego, hoje alçado à condição de beato pela igreja que destruiu seus ixiptlas e sua cultura. E assim, como quem não quer nada, semeando marias mundo afora, vai o Vaticano alastrando seus domínios.

Nesta visita, Bento enfrentou problemas dos quais João Paulo – coincidentemente o responsável por tais problemas – conseguiu furtar-se. Enquanto o papa orava diante da imagem da virgem, as vítimas dos abusos sexuais cometidos pelo fundador da Legião de Cristo, o sacerdote mexicano já falecido Marcial Maciel, manifestaram sua repulsa pela ocultação do escândalo por parte do Vaticano durante décadas. Leio a notícia no El País. A imprensa tupiniquim, pelo menos até hoje, não deu um pio sobre o assunto. Bento XVI não aceitou receber a vítimas da sanha de seus padres.

Se há algo que não invejo na vida, é a condição destes senhores que regem o mundo, sejam estadistas ou religiosos. Por questão de ofício, mais dia menos dia têm de posar junto a outros dignitários que mais tarde se revelam nada frequentáveis. O caso mais recente foi o de Kadafi. Tony Blair recebeu afavelmente o ditador e o qualificou como parceiro na guerra contra o terror. Logo Kadafi, que deu apoio aos terroristas que explodiram um avião sobre Lockerbie, matando 270 pessoas. Silvio Berlusconi encontrou em Kadafi uma alma gêmea. Condoleeza Rice foi homenageada pelo assassino com jantar de gala. Obama apertou alegremente sua mão em um encontro na ONU.

Em 2007, Nikolas Sarkozy, sorridente, em gesto afável apertou a mão do ditador, que por sua vez ergueu o braço esquerdo em sinal de plena adesão. Lula o considerava “amigo e irmão”. Ao longo de seus oito anos de mandato, teve quatro encontros com o ditador. Em um deles posa com Kadafi, ornado com um de seus berrantes parangolés, de um amarelo de doer os olhos. Justifica:

- Quando o primeiro-ministro britânico se reúne com o Kadafi, todo mundo acha o máximo, mas quando eu me reúno com ele, todos criticam - rebateu Lula à época do segundo encontro.

Cidadão comum e anônimo, me reservo o luxo de jamais ter de apertar a mão destes senhores. O mesmo não ocorre, por exemplo, com papas, que muitas vezes têm de confraternizar alegremente com celerados.

Karol Wojtyla, por exemplo, mais conhecido como João Paulo II. Além de notório acobertador de pedófilos - sobre sua mesa haviam-se acumulado acusações de pedofilia contra milhares de sacerdotes e também queixas pelo encobrimento desses delitos por alguns prelados nos EUA, Irlanda, Itália, Áustria e inclusive na Espanha - foi o grande protetor de Marcial Maciel.

Ainda no ano passado, comentei a biografia do fundador dos Legionários de Cristo. Acusado de abusar sexualmente de mais de 20 seminaristas - incluindo os próprios filhos - Maciel teve filhos com várias mulheres e, como um outro santo moderno, o Martin Luther King, foi plagiador emérito: plagiou descaradamente o livro de cabeceira da legião, intitulado Saltério de Meus Dias, e impôs a toda a organização um quarto voto de silêncio para se proteger de denúncias. Um de seus antigos colaboradores o acusa inclusive de ter envenenado seu tio-avô, o bispo Guízar, que apoiou a bem-sucedida carreira eclesiástica do sobrinho no México dos anos 1930.

Deste santo senhor, temos fartas fotos sendo abençoado pelo papa João Paulo II, recebido em audiência especial no Vaticano. Centenas de denúncias sobre o padre Maciel chegaram à mesa de Wojtyla. O papa as desprezou. Maciel enchia praças e estádios de futebol em suas viagens pelo mundo. Era merecedor da benção papal. Como também da proteção de Bento XVI. Verdade que Ratzinger o expulsou do Vaticano, obrigando o padre Maciel a levar "uma vida reservada de oração e penitência, renunciando a qualquer forma de ministério público". Punição no mínimo carinhosa para um notório pedófilo.

Mas em 1999, quando responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé, Ratzinger recebeu uma carta do ex-legionário Alberto Athié, na qual os desmandos de Marcial Maciel eram denunciados. Na ocasião, respondeu o papa que ora visita o México:

- Lamentavelmente, o caso de Marcial Maciel não pode ser aberto porque é uma pessoa muito querida do papa João Paulo II e além disso fez bem à Igreja. Lamento, não é possível.

Bento XVI, protetor de pedófilos, quer santificar João Paulo II, outro notório protetor de pedófilos. Ano passado, Ratzinger beatificou Wojtyla. A seqüência lógica é a canonização. Beatificar criminosos já está se tornando norma no Vaticano. João Paulo II não beatificou aquela freira albanesa, Agnes Bojaxhiu, mais conhecida como madre Teresa de Calcutá, vigarista de alto bordo e apoiadora de ditadores como Envers Hodja e Baby Doc?

Entende-se porque Bento, em sua visita ao México, procura evitar as vítimas de Maciel. Melhor visitar o ixiptla da virgem "descoberto" pelo bugre mexicano.