¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, junho 23, 2012
 
ENTREVISTA ANTIGA (II)


por Diogo Chiuso e Sidney Vida

Mas nem Machado de Assis escapa?

Quando o Machadinho estava preocupado com o tremendo drama da Capitu - se ela corneou ou não o marido - Nietzsche estava lutando a tapa contra Deus, Dostoievski estava discutindo os grandes problemas da condição humana, o assassinato, o poder, a revolução. Marx (sem entrar em seus méritos ou deméritos) já havia declarado sua guerra particular à Europa. A impressão que se tem é que Machado desconhecia esses autores. Ou, se os conhecia, preferiu ignorá-los. É muito pobre, muito tacanho. Mas Machado não tem culpa do que mais me irrita nele: é sua circulação forçada nas escolas e universidades. Sem falar que ele cometeu um pecado que não tem perdão, criou essa associação de pavões medíocres que se chama Academia Brasileira de Letras.

Essa mediocridade está clara hoje, por sermos totalmente órfãos de bons textos literários e dramatúrgicos, o que reflete, principalmente, em nosso cinema, que não tem boas estórias para transpor para as telas. Na sua opinião, por que isso acontece?

A escassez de bons textos não é só brasileira. É como se a ficção, a força de multiplicar-se, tivesse se exaurido. O escritor tinha uma função social importante até o século XIX, até a primeira metade do XX. Era uma espécie de filósofo, maître-à-penser, o sonhador da comunidade. A indústria editorial cresceu desmesuradamente e a literatura foi se banalizando. Imprensa, cinema e televisão foram aos poucos invadindo o território antes ocupado pelo escritor. Qual a diferença entre um filme e um romance? Do ponto de vista estrutural, nenhuma. Do ponto de vista prático, no filme há imagens e sons, e além disso pode ser degustado em menos de duas horas. Em uma época em que as pessoas são pouco dadas à leitura, isto se reflete na literatura.

Houve época em que escritores promoviam revoluções. Que fez Marx, que influiu no século passado de ponta a ponta? Marx não fez nada senão escrever. Mas o mundo mudou. As revoluções hoje são feitas por cientistas e técnicos em laboratórios. A pílula anticoncepcional foi mais eficaz que milhões de palavras contra o obscurantismo. O chip de silício aproximou mais os homens que inflamados discursos em prol da solidariedade.

Pessoalmente, não leio mais ficções. Cansei. O autor leva muito tempo e muitas páginas querendo criar um clima especial, para então plantar sua tese. Sei disso porque cometi algumas ficções. Prefiro ensaios, que são mais diretos, e particularmente ensaios históricos. E adoro essa novela sem fim nem roteiro, as notícias do mundo que o jornalismo traz. Leio hoje os jornais com o prazer que um dia li ficções. Há romances para todos os paladares, sempre segundo a fórmula do antigo folhetim. Desde clássicos antigos como A Guerra dos Seis Dias, Watergate, A Guerra no Golfo, A Queda do Muro, Ex-URSS, O Conflito nos Bálcãs, até outros mais contemporâneos como A Guerra no Iraque, Intifada em Israel, Rio sem Lei, O Presidente Analfabeto. São obras surpreendentes, que autor algum, por mais imaginoso que seja, ousou conceber.

Para você qual o melhor escritor de todos os tempos?

Pergunta complicada. Dentro do pequeno universo que li, o que mais me toca é José Hernández, talvez por minhas origens gaúchas. Martín Fierro é minha bíblia predileta. Quanto me exilei na Suécia no início dos 70 (voluntariamente, bem entendido, afinal ninguém me obrigou a sair do país) levei no bolso um pequeno exemplar de Fierro. Invejo a capacidade de síntese de um Renan. É preciso muito talento e obstinação para montar aquele imenso quebra-cabeça histórico. Invejo também a intuição de Orwell em 1984, a meu ver a obra mais importante do século passado. Não quero dizer que estes sejam os melhores escritores de todos os tempos. São apenas os que mais admiro. Ah! Tenho também de pôr Pessoa nesta cesta básica. Foi o outro autor que levei em minha bagagem para Estocolmo. Hernández e Pessoa foram os amigos que reconfortaram naquelas noites brancas, solitárias e geladas de Estocolmo.

Fale um pouco sobre os seus livros e quais as influências literárias que você teve para escrevê-los; e aonde eles podem ser achados pelos leitores interessados?

Meu primeiro livro foi um ensaio sobre a Suécia dos anos 70, O Paraíso Sexual Democrata. Publiquei depois vários livros em papel e eletrônicos (contos, dois romances, crônicas, ensaios) e traduzi vinte títulos do sueco, espanhol e francês, entre estes praticamente toda a obra de Ernesto Sábato. Como as publicações em papel estão todas esgotadas, o leitor pode encontrar os eletrônicos no E-books Brasil. Dois romances, Ponche Verde e Laputa. O primeiro é um romance de exílio, dez anos na vida de um grupo de gaúchos que sai de Porto Alegre e perambula por Estocolmo, Berlim e Paris. O segundo, as angústias de um professor de Letras em uma ilha tropical, leia-se Santa Catarina. Mensageiros das Fúrias é minha tese de doutorado em Letras Francesas e Comparadas na Sorbonne Nouvelle (Paris III). Nesta tese, em torno às obras de Albert Camus e Ernesto Sábato, há um capítulo que hoje não assinaria mais, é o capítulo sobre o Che Guevara. Ocorre que Sábato o tomou como personagem em Abadón, o Exterminador, e faz do assassino frio um herói generoso e sonhador. Eu endossei a proposta do autor, também tomei Che como personagem. Hoje, considero que não se pode maquiar impunemente um personagem histórico. Sábato, tenho hoje de convir, caiu na armadilha do terceiromundismo. Foi cúmplice póstumo deste mito que só tem atrasado a América Latina.

Mais os ensaios Engenheiros de Almas (sobre o stalinismo em Jorge Amado e Graciliano Ramos), Qorpo Santo de Corpo Inteiro, Ianoblefe (ensaio jornalístico sobre essa tremenda farsa que foi o massacre de ianomâmis em 93) e A Indústria Textil, ensaios sobre a corrupção literária e universitária. Textil assim mesmo, sem acento, a indústria do texto. Em crônicas, há mais títulos: Crônicas da Guerra Fria, EleCrônicas, Flechas contra o Tempo, Ressentidos de Todo o Mundo, Uni-vos e o último, A Vitória dos Intelectuais, compilação de crônicas do ano passado. Minhas crônicas atuais, e muitas das anteriores, podem ser encontradas no Baguete, Mídia sem mascara, Brazzil.com e Jornaleco.

Influências? Os autores que mais me transformaram, já os citei. Aos leitores, recomendo minhas últimas crônicas. O jornalismo na Web não depende de grandes custos em papel, máquinas, distribuição, logo não precisa bajular o grande público. A liberdade que tenho nos jornais eletrônicos, eu jamais a teria nos jornais em papel.

Você acha que o nível das nossas universidades melhorou ou piorou nas últimas quatro décadas? Quais os motivos? Você não acha que está sendo instituída uma supervalorização do diploma universitário?

Piorou, e piorou terrivelmente. Senti isso quando lecionei Letras na Universidade Federal de Santa Catarina. No último ano de curso, meus alunos não dominavam nem mesmo o português. Aí lembrei de meus dias de ginásio, no Colégio Patrocínio, em Dom Pedrito, pequena cidade gaúcha na fronteira com o Uruguai, na época com uns 15 mil habitantes. Completei o ginásio aos quatorze anos, com um português impecável, um excelente francês, um inglês razoável e arranhando um bom latim. Essa educação, que tive no ginásio, nenhuma universidade fornece hoje. Basta ler os jornais e ver o resultado. Jornalistas oriundos até mesmo da prestigiosa ECA já não conseguem conjugar o subjuntivo e se enredam com os verbos reflexivos. O pronome reflexivo está em vias de extinção. Urge criarmos uma Sociedade Protetora do Pronome Reflexivo, ou este pronome desaparece da língua brasileira. Os jornalistas cometem até mesmo erros crassos, como trocar a letras l (ele) por u. Sauva tua auma, como li certa vez em uma cruz de uma Igreja no interior.

Certa vez, na Folha de São Paulo, escrevi a palavra “preito” em um texto-legenda. Escândalo na editoria. Um subeditor veio reclamar que ninguém conhecia aquela palavra, deveria ser palavra muito antiga. Ora, todas as palavras são antigas, e a imensa maioria delas são bem mais antigas que nós. Tenho dezenas dessas histórias. Isso nos dá uma idéia do nível do ensino universitário hoje.

Quanto à supervalorização do diploma: o papelucho é algo mítico para o brasileiro. Os mercadores do ensino sabem disso e as faculdades proliferam como cogumelos após a chuva. Dessa expansão descontrolada decorre o baixo nível dos cursos. Não há preocupação das universidades na seleção dos melhores. As universidades querem clientes, e quanto mais clientes melhor. Agora chegou no Brasil, tardiamente, a moda das cotas. Querem enfiar os negros à força nas universidades, mesmo quando ineptos para o ensino universitário. Se a moda pegar, vai piorar ainda mais. Todo brasileiro sabe que um marceneiro ou mecânico ganha mais do que muito profissional diplomado. Mas há quem prefira ganhar menos ou mesmo nada, desde que tenha o diploma na parede.

Como você vê a dicotomia entre o grande número de formados que saem das universidades brasileiras todos os anos com a crescente queda de oferta de empregos no mercado formal para pessoas qualificadas?

Isto não é difícil de entender. É decorrência do que falei antes. Ninguém está preocupado com possibilidades no mercado, o que interessa é o diploma. Em minha cidadezinha, vi gente pobre, pagando o que não podia a faculdades particulares, para que os filhos tenham um diploma que não servirá para nada. Diploma é sinal de status no Brasil. Que mais não seja, sempre pode render um empreguinho público ou mesmo um casamento morganático. Só um setor tem ganhos garantidos com a expansão descontrolada do ensino superior: os mercadores de ensino superior. Em minha passagem pelo curso de Letras, vi que o magistério pode não levar a nada, mas tem suas mordomias nada desprezíveis. Bolsas no Exterior, congressos literários, intercâmbio universitário. Isto é, turismo à la farta, boa gastronomia, vida sexual mais diversificada que na província. Tudo isto às custas do contribuinte. Denunciei amplamente, na imprensa, esta corrupção na Universidade Federal de Santa Catarina, que eu chamava de UFSCTUR. Deu em nada. O reitor me processou, mas também não levou nada.

Na sua opinião o que é uma pessoa culta?

Culto, a meu ver, é o homem que conhece história suficientemente para entender a época em que vive. Também acho que uma pessoa, hoje, para entender o mundo em torno a si, deve conhecer pelo menos uns dois ou três idiomas além do vernáculo. Idiomas são janelas abertas para o mundo e viver em ambientes fechados não é nada salutar. Não se pode admitir que um brasileiro medianamente culto não entenda espanhol, francês e inglês. Espanhol, porque é língua irmã, língua do vizinho. Francês, além de ser língua irmã, é a língua das artes. E inglês, queiramos ou não, é o esperanto que deu certo. Se não entender estas três línguas, não saiu da aldeia.

Mas qual o incentivo para estudar se você pode virar um jogador de futebol rico e famoso?

Bom, tens de convir que o jogador de futebol tem vida mais dura que o intelectual. Transpira mais, faz mais esforço. Mas a fortuna só bafeja uns poucos. Para cada moleque de favela que sonha ser um Pelé, há milhares que não chegam sequer a um time de porte médio. A verdade é que o futebol é um meio de ascensão rápida no Brasil, para quem nasceu pobre. É como as touradas na Espanha. Ou como os seminários. A grande safra de padres no Brasil - e provavelmente no mundo todo - depende de famílias pobres, que jogam os filhos numa escola gratuita e num ofício que lhes dá alguma proeminência social. Se o objetivo é ser rico e famoso, estudar de pouco vale.

O que você acha desta busca desenfreada nos dias de hoje - principalmente dos jovens - por alguns valores como fama, poder, corpo perfeito, riqueza e sexo. Essa busca demasiada de tais valores seria característica do declínio da nossa civilização? Por que não se cultiva mais a justiça, lealdade, honra, amor, honestidade e etc., em nossa sociedade?

Começo pela ordem inversa. Sexo é ótimo. Tens algo contra? Riqueza não é ruim, não. Quem gosta de pobreza são os católicos e marxistas. Eu adoraria ser rico. Seria pródigo, daria bolsas e viagens às pessoas que julgasse merecê-las. Bill Gates doa um bilhão de dólares por ano aos países do Terceiro Mundo. Te confesso que adoraria doar um bilhão de dólares. Infelizmente, não posso doar nem mil. Corpo perfeito é uma bela idéia, desde que não seja obsessão. O sedentarismo inerente à cidade deforma o corpo, mas que fazer? Como dizia Sócrates: a vida no campo é linda, mas os amigos estão em Atenas. Quanto a poder e fama, bom, são coisas que não me atraem. Para se chegar ao poder é preciso mentir, bajular a opinião pública. Está aí o Lula. Para chegar lá, mentiu a vida toda. Mas chegou.

Fama também exige mentir. A idéia de escrever para agradar o maior número de pessoas possível me horroriza. Daí minha ojeriza a best-sellers, sejam livros, sejam filmes. Best-seller, por definição, é algo medíocre. Se o que escrevo não irrita boa parte de meus leitores, em algo devo ter errado.

Quanto à justiça, todo mundo clama por ela. Tanto o Lalau como o Fernandinho Beira-Mar se sentem injustiçados. Lealdade é virtude muito cara aos gaúchos, mas quando falo em gaúchos me refiro àquele ser mítico já extinto, que um dia habitou Uruguai, Argentina e a Fronteira Oeste gaúcha. Lealdade é uma virtude camponesa, pouco encontradiça na urbe. Honra? Está fora de moda. Hoje vale mais saldo bancário, carro importado, roupa de grife. Amor? É um mito literário que surgiu nos poemas de Safo, de Lesbos, na Grécia, invadiu a Idade Média e hoje rende milhões de dólares a indústria cinematográfica, particularmente Hollywood. É talvez o mais lucrativo produto de exportação ianque. Honestidade? Já encontrei pessoas que me confessaram ter vergonha de serem tidos como honestos. Passam por panacas. Assim é o mundo em que vivemos. Não adianta deplorar.

Quem gosta de música, quem precisa de música, acha-a uma emoção, uma sensação, uma onda de prazer. Você não pode sentir prazer se não se permitir sentir, principalmente no caso da música erudita - o prazer de um Mozart, de um Beethoven, tem que penetrar em você suavemente, sem que você perceba, dando uma sensação de bem estar. Mas é notório que nos últimos vinte anos - sendo muito otimista -, a música erudita foi marginalizada na nossa cultura; ninguém quer sequer experimentar tais emoções. Qual a sua opinião sobre os ramos atuais da música erudita em nossa cultura?

Vou discordar de teus pressupostos. Existe, é claro, essa massa informe que vai a megashows, curte rock, funk, reggae e barulhos do gênero. Ou essa música fajuta caipira que de caipira nada tem. São multidões, como multidões são também os leitores de Paulo Coelho ou Harry Potter. Essa gente não interessa, são mercado. Mas a música erudita não foi marginalizada, não. Tenta encontrar um ingresso para uma ópera em Paris, Roma ou Viena. Se não tentares com um mês de antecedência, só vais encontrar o "assento do ceguinho". Em Nova York, há duas salas de ópera, lado a lado, com espetáculos diários, eternamente lotadas. Conheço pessoas que economizam o ano todo para fazer circuitos de ópera em ópera no Exterior. Concertos de música erudita também são muito concorridos no mundo todo.

Eu acho espantoso - e reconfortante - que obras de Mozart, Verdi ou Bizet, escritas há séculos, ainda atraiam multidões. Não só atraiam, como também comovam. Há momentos em Carmen ou Don Giovanni que até hoje nos fazem chorar de emoção. A música erudita vem de séculos e tem excelente futuro pela frente. Considerada a população do planetinha, seus cultores são minoria. Mas é uma minoria de milhões. Outro dia, tomei um táxi com uma amiga, o taxista escutava Carmina Burana. Mal entramos, desligou. Minha amiga chiou: deixa aí. Ele ficou surpreso, disse que o CD estava sendo um sucesso entre seus passageiros. Estatisticamente, isto não quer dizer muita coisa. Mas já é algo.

Além disso, o CD e o DVD trouxeram a música erudita para mais perto de seu público. Hoje, podemos assistir dezenas, centenas de vezes, a uma ópera de Mozart. Ou as diversas encenações de uma mesma ópera. Mozart não teve essa chance.

Por que tudo se politizou no Brasil? Ou é da natureza do homem desde sempre? Não me parece que o Brasil se tenha politizado. Há setores politizados, isto sim. O povão gosta mesmo é de futebol, samba, carnaval, novelas da Globo, Ratinho e Sílvio Santos, Fórmula Um e besteiras do gênero.

O que você acha das medidas do governo Lula? Você acha que tais iniciativas diferem das do ex-governo FHC? Acredita que até terminar seu mandato o sr. Luiz Inácio Lula da Silva finalmente cumprirá parte do ideário socialista de suas propostas iniciais?

Lula começou com uma grande bobagem, o tal de Fome Zero. A meu ver, será este programa o fator maior de desmoralização de seu governo. É uma idéia de jerico dar de comer a uma grande massa. Há inúmeros planos assistenciais no Brasil, desde o governo Fernando Henrique. No ritmo em que vamos, teremos em breve metade do país trabalhando para sustentar uma outra metade ociosa e improdutiva. Não se constrói riqueza deste jeito. Esta é a melhor fórmula para chafurdar eternamente na pobreza.

Lula não está seguindo exatamente ao pé da letra o programa de Fernando Henrique, está indo além. Fernando Henrique tentou taxar os inativos, mas acabou desistindo. Para Lula, é uma questão de honra levar a velharada à miséria. Com o argumento de acabar com aposentadorias milionárias, que são exceção, quer tascar a mão no bolso de milhões de pessoas que estão longe de receber aposentadorias milionárias. Não importa se isto ferir um dos pilares dos regimes democráticos, o direito adquirido. O PT pode ter-se civilizado, mas dadas suas raízes stalinistas, pouco está ligando para democracia. Quer fazer caixa rapidamente. Como afirmou o presidente, nem o Congresso nem o Judiciário irão impedi-lo deste propósito. Só Deus. Quanto ao ideário socialista, ao que tudo indica, o PT, uma vez no poder, o abandonou. Ainda bem.

Mas o Brasil não está passando por uma revolução comunista aos moldes de Antonio Gramsci?

Não creio. Se o PT tivesse ascendido ao poder nos anos 80, quando ainda o urso soviético arrotava e fazia ouvir seu arroto no Terceiro Mundo, sem dúvida teríamos corrido o risco de virar uma gigantesca Cuba. Verdade que o socialismo serviu de bandeira para a tomada do poder. Mas, como dizia Roberto Campos, o poder é como o violino: pega-se com a esquerda e toca-se com a direita. Derrubado o Muro, desmoronada a União Soviética, não há mais clima para aventuras socialistas neste mundo contemporâneo. Se os brasileiros todos estrilam contra um salário mínimo de 75 dólares, não vejo como reduzir, nos dias atuais, o salário de um médico ou professor universitário a vinte ou trinta. O paraíso cubano, onde médicos e professores foram reduzidos a esta condição de miserabilidade, só serve de referência para militantes idosos, saudosos de suas bandeiras de juventude, e universitários sem noções da História recente, como o são geralmente os universitários hoje. O salário de um profissional liberal nos atuais países socialistas e ex-socialistas, um mendigo diligente o tira em uma semana no Brasil. Tampouco consigo imaginar os brasileiros se submetendo à tirania de um partido só.

O poder tornou o PT mais pragmático. Um dos últimos movimentos no mundo a empunhar as bandeiras do obscurantismo hoje é a guerrilha católica do MST, cujas lideranças cultuam assassinos como Mao, Lênin e Castro como paradigmas para a sociedade. Há quem desconfie do namoro dos encanecidos petistas com o regime de Cuba. Árvore velha não se curva, sob risco de quebrar. Condenar Cuba, para vetustos senhores como José Dirceu, Genoíno, Tarso Genro, seria algo como negar a própria biografia. O mesmo fenômeno vemos nas universidades, onde velhos marxistas continuam fiéis à antiga crença. Negá-la seria o mesmo que afirmar: “eu fui um idiota a vida toda e minha obra não vale nada”. A um homem já maduro, é preciso muita coragem para tal admissão, e coragem é moeda rara. O máximo que o PT conseguirá fazer é afundar um pouco mais o país na pobreza. E daí não passa. Espero.

Quanto ao Gramsci, me parece que atualmente seu maior divulgador é o Olavo de Carvalho, ao conceder-lhe créditos por esse pensamento comunizante que ora vige no país todo. Discordo. Não consigo ver a militância do PT, de Gramsci em punho, tentando encontrar em seus livros a fórmula de introduzir o comunismo no Brasil. Não é preciso ler Gramsci para concluir que, dominadas a universidade e a imprensa, tem-se o controle do que pensa a população. As esquerdas brasileiras são malandras e não precisam de maiores leituras para saber disso. O Olavo vê o mundo a partir de um prisma filosófico e pensa que atrás de todo fenômeno social deve existir um pensamento. Ora, não é bem assim. Basta apanharmos os milhares, talvez dezenas de milhares, de jovens que se dizem marxistas. Raros, raríssimos, são os que leram Marx. Nessas doutrinas messiânicas há algo de místico que não apela à razão, mas ao irracionalismo. De fato, no Brasil le fonds de l'air est rouge, como diziam os franceses em 68. Daí a estabelecer um regime comunista, vai uma longa distância. Comunismo significa miséria. Se os brasileiros já acham injusto um salário mínimo de 75 dólares, imagino que a população jamais aceitaria um regime onde um médico ganha 20 dólares por mês.

Com a falência do chamado socialismo real, surgiu o neoliberalismo (sic) como saída política e econômica para as sociedades ocidentais. Esse modelo, no entanto, já começa a dar sinais de falência. O sr. enxerga uma terceira via nesse processo ou uma saída inovadora baseada em novos princípios?

Isso de neoliberalismo mais me soa como insulto criado pelas esquerdas para atacar o poder. Palavras como capitalismo, burguesia, classes dirigentes, tornaram-se obsoletas com a derrocada do comunismo. Era preciso criar um novo vocabulário, novos palavrões ideológicos. Conheço pensadores, teóricos e obras do liberalismo. Do tal de neoliberalismo, não conheço nada. O PT usou muito o novo palavrão em sua campanha. Agora, ao repetir o programa de Fernando Henrique, faz boquinha de siri. As sociedades ocidentais encontraram uma boa saída tanto no capitalismo como nas sociais-democracias, sistemas que aliás em pouco diferem. Isso de buscar uma terceira via é recurso retórico dos derrotados da história que não querem admitir que foram derrotados. Os petistas já andam piscando o olho para a social-democracia, que até bem pouco era considerada reformismo. Será divertido ver o PT, partido no governo de um país pobre, sendo aceito pela Segunda Internacional, movimento de países ricos. Será um vexame, algo como um penetra maltrapilho em baile da corte.

O que é ser um estadista? Você acha que houve algum em nosso país?

Quem decide quem foi ou não estadista é a História e, no caso brasileiro, esta senhora parece não ter-se decidido por nome algum. Mas há um grande má vontade, um propósito veemente de negar a importância dos governantes militares de 64 em diante. Da mesma forma que Francisco Franco salvou a Espanha - e a Europa, eu diria - do comunismo, nossos militares salvaram o país desta peste que contaminou o século passado. Da mesma forma que Franco, foram situados como vilões. Até o século XIX, os vencedores escreviam a História. Do século XIX em diante, graças à propaganda soviética, surgiu um fenômeno novo: os derrotados passaram a escrever a História. Hoje, no Brasil, são cultuados como heróis os apparatchiks financiados por Moscou, pagos para transformar o país numa tirania comunista.

Podemos acreditar em um futuro para o nosso país?

Futuro é claro que o país tem, já que não há perspectiva alguma de que amanhã desapareça do mapa. Como vai ser este futuro? Esta é a pergunta que se impõe. Não sou nada otimista. Com as favelas se multiplicando, com os ditos moradores de rua aumentando nas metrópoles, com o tráfico dominando e administrando comunidades inteiras, com os sedizentes sem-terra invadindo fazendas, repartições e pedágios, com um governo populista dando - ou pretendendo dar - comida em vez de trabalho e educação, não consigo ver dias lindos pela frente. Tenho mais de meio século de existência e neste curto tempo já vi países escapando à pobreza e levando prosperidade a seus cidadãos. Sem ir mais longe, aí estão a Irlanda, Espanha e Portugal, que deram um tremendo salto econômico nas últimas décadas. Se antes forneciam mão-de-obra aos demais países europeus, hoje têm de fechar fronteiras para escapar aos migrantes da África, Ásia e Leste europeu. O Brasil marcha em ritmo de ganso: um passo, uma cagada. Vivi na Europa e viajo seguidamente para lá. Cada viagem me dói na volta. Vejo países cada vez mais lindos, organizados e ricos e volto a um país cada vez mais sujo, bagunçado e pobre.

Qual a sua mensagem para os jornalistas que estão iniciando sua carreira?

Resumindo: antes de mais nada, aprender português. Depois, ler História.