¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

terça-feira, junho 26, 2012
 
GIGOLÔS DAS ANGÚSTIAS HUMANAS
AMPLIAM MERCADO DE TRABALHO



Leio na Zero Hora: “Encilhar o cavalo, preparar a sela e seguir um circuito pelo picadeiro no ritmo ditado pelo instrutor. Terminada a seqüência, conduzir o cavalo para a baia, ajudar a limpar e alimentar o animal. Luciano Batista Nascimento, 12 anos, cumpre esse ritual uma vez por semana. Não é treino nem brincadeira. É terapia”.

Mais precisamente, equoterapia, uma das últimas modas criadas pelos ditos terapeutas. Acabo de descobrir que fiz terapia desde criança e não sabia. Nasci quase em lombo de cavalo, desde pequeno os encilhei e não os conduzi à baia porque isso é coisa que não existia em meus pagos. Após a cavalgada, largávamos o animal no campo. Vai ver que é por isso que sou hoje um ser mentalmente tão saudável. Claro que há quem me tome por insano e julgue que necessito urgentemente de terapia. Que se vai fazer? Impossível agradar a todo mundo.

Que cavalgar é bom, quem vai negar? Pequeno, tive um petiço, bichueco por sinal, mas foi nele que aprendi a montar. Mais tarde, tive cavalo de gente grande, e sempre gostei de lidar com eles. Nunca imaginei que isto constituísse terapia. Para mim, era meio de transporte, trabalho e lazer. Transporte para ir à escola ou visitar meus tios, trabalho na hora de ligar com o gado, lazer quando simplesmente saía a cavalgar ou caçar. É óbvio que uma criança urbana se sentirá muito bem, longe da cidade, montando um cavalo. Daí a ser terapia, me parece embuste dos psis. A menos que se considere que fazer algo agradável é sempre terapêutico.

Segundo a reportagem, na quarta série do ensino fundamental, Luciano já repetiu o ano duas vezes e dava trabalho à mãe, Rejane Nascimento, e aos professores da Escola Jardim Vila Nova, Porto Alegre, por causa da falta de disciplina e das notas baixas. Em acompanhamento psicológico e neurológico para investigar as causas da dificuldade de aprendizado, chegou à equoterapia por sugestão da diretora da escola, Tânia Araújo, que percebeu que ele gostava muito de cavalos. Segundo ela, o desempenho na escola tem melhorado com a continuidade do tratamento. A mãe de Luciano também nota que as sessões semanais que ele frequenta desde março fizeram diferença.

Essa agora! Andar a cavalo ajuda no rendimento escolar. Mais um pouco e os terapeutas descobrem que nadar, andar de bicicleta ou praticar qualquer esporte prazeroso estimula uma criança a aprender.

Equoterapia está na moda. Para quem pode pagar, é claro. Há anos venho denunciando estas vigarices, que só servem para enganar a classe média urbana. Digo classe média urbana, pois jamais enganarão um camponês, cujo filho precisa de um cavalo para ir à escola. Cavalo, no caso, não é luxo, mas meio de transporte.

Há horas venho denunciando estes gigolôs das angústias humanas, que transformam em doença circunstâncias banais da existência, para delas tirarem seus rendimentos. Ano passado, eu comentava uma nova vigarice que surgiu no mercado, a terapia do luto. No UOL, li entrevista com Cissa Guimarães, atriz que optara pela terapia do luto após perder o filho.

"A terapia do luto foi fundamental para que eu conseguisse sobreviver à maior dor de um ser humano", diz a atriz. "Consegui isso com a ajuda terapêutica de Adriana Thomaz. Com ela, entendi melhor a morte, como fazer a conexão com o amor do meu filho e como reaprender a viver."

Pelo jeito, o homem contemporâneo, apesar de milênios de evolução, ainda não aprendeu a lidar como o mais corriqueiro dos fatos humanos. Se a moda pega, os terapeutas do luto vão brotar como cogumelos após a chuva. Se cada vez que morre uma pessoa querida, temos de pagar um analista para enfrentar sua morte, o leitor pode ter uma idéia do baita mercadão que se abre aos gigolôs das angústias humanas.

Os psis continuam ampliando seu mercado. Na Folha de São Paulo de ontem, li que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vai permitir mais sessões de terapia, num máximo de 20, por e-mail, MSN ou Skype. Até aí nada de mais, vivemos dias de Internet. O que me deixou perplexo foi ler que a orientação psicológica na web atende problemas pontuais do paciente, como dificuldades de adaptação em uma nova cidade, problemas escolares do filho ou questões afetivas.

Se entendi bem, a cada vez que se muda de cidade, devemos consultar um psicólogo. Nossa! Já vivi em nove cidades e nunca consultei nenhum. Devo ser um desajustado. Para começar, inicialmente não precisei adaptar-me a uma cidade. Mas à cidade, pois vinha do campo, de alpargatas e bombachas. Lá, não existia mais campo aberto, horizontes, vacas e cavalos. Mas ruas acanhadas, pátios exíguos, nem sombra de horizonte, nem de vacas e cavalos. Mas gente, muita gente. Apesar de a cidade ser pequena.

Fui depois para as cidades grandes. Em Porto Alegre, não sabia nem como descer de bonde andando. (Era ainda na época dos bondes). Precisei adaptar-me à nova e complexa geografia, a horários mais rígidos, aos transportes urbanos. Mais adiante, troquei de país. Novas necessidades. Precisei aprender como usar o metrô, como comunicar-me em línguas que não as minhas, como enfrentar hábitos e culinárias que desconhecia. Jamais me ocorreu pedir socorro a psicólogo algum. Sempre enfrentei tais mudanças como um desafio. Mudar bruscamente de cidade – e mais ainda de país – é sempre um teste para nossa capacidade de sobrevivência. Só o que faltava buscar um terapeuta para adaptar-me a Estocolmo, Paris ou Madri.

Vejo ainda que psicólogos se tornaram necessários para resolver problemas escolares e questões afetivas. Ora, problemas escolares existem desde que existem escolas. E questões afetivas sempre acompanharam quem nutriu por alguém algum afeto. Fazem parte do dia-a-dia de cada um. Pelo que se depreende da decisão do CPF, cada cidadão deve andar com um psicólogo a tiracolo.

O que nos leva a um mistério. Como faziam os homens d’antanho - daqueles tempos em que a psicologia não se instalara ainda como ciência – para resolver esses tremendos dramas humanos, como a morte de um próximo, uma mudança de cidade, o rendimento escolar ou as crises afetivas? Mistério, profundo mistério.

Não bastassem os gigolôs das angústias humanas transformarem em doença os problemas banais do dia-a-dia, os psicólogos já estão cozinhando no forno novas enfermidades da era internética. Segundo o psicólogo Larry Rose, que estuda problemas mentais ligados à tecnologia, o smartphone acentua males psiquiátricos. Para o autor de iDisorder, redes sociais também afetam comportamento e narcisismo, depressão e obsessão são os problemas mais comuns em estudos com usuários.

Hoje, com smartphones e redes sociais pedindo atenção permanente das pessoas, a lista de problemas cresceu para uma dezena de sintomas de males psiquiátricos, disse Rosen à Folha de São Paulo.

"Mais gente está se tornando mais narcisista, ou está se apresentando para o mundo como se só se importasse consigo própria. Mais gente está ficando obcecada e compelida a checar constantemente o telefone. E há uma pesquisa que mostra que mais pessoas estão ficando deprimidas quando não têm coisas maravilhosas para mostrar aos outros no Facebook."

Para Rosen, que divide a autoria de iDisorder com Nancy Cheever e Mark Carrier, os problemas descritos por eles são fonte de atrito nas relações interpessoais e pioram nossa qualidade de vida. Para organizar essa tese, o livro apresenta um capítulo para cada tipo de transtorno tecnopsicológico. Ao final de cada um, há um trecho de autoajuda, que mostra dicas de como evitar o problema. Os autores defendem que, cada vez mais, psicólogos não podem ignorar a tecnologia. Não há como cuidar de um adolescente sem entender qual personalidade ele exibe no Facebook, por exemplo. E isso também é verdade para muitos adultos.

Não vai demorar muito, os computadores, smartphones e tablets serão vendidos em pacotes com assistência técnica e psicológica acopladas. Preserve sua saúde mental. Nos dias que correm, só um anormal – como este que vos escreve – pode viver sem apoio psicológico.