¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, agosto 31, 2012
 
CORRUPTOR NÃO QUER NEM
OUVIR FALAR DE CORRUPÇÃO



Há bem mais de década venho denunciando a indústria estatal do livro, que chamei de indústria textil – assim mesmo, sem acento. Ou seja, a indústria do texto. Aquela mesma indústria que empurra goela abaixo para a juventude as produções intelectuais dos amigos do Rei. Como o Rei é de esquerda, leia-se as produções intelectuais das viúvas do Kremlin. Que há muito mamam nas tetas do Estado.

Em outubro de 1997 – há quinze anos, portanto – eu já denunciava esta farra obscena com o dinheiro do contribuinte, nas Jornadas Literárias de Passo Fundo. Em comunicado intitulado justamente de “A Indústria Textil”, dediquei um item aos amigos do Rei. Na época, Rubem Fonseca, Patrícia Mello, João Gilberto Noll e Chico Buarque desembarcaram em Londres, onde fizeram leituras públicas de suas obras e lançaram livros não só na capital britânica, como também na Escócia e no País de Gales.

Em um primeiro momento, poderíamos pensar: que maravilha, o Reino Unido se interessa por nossa literatura. Nada disso. É o Ministério da Cultura brasileiro que promove tais turismos e financia as traduções dos autores brasileiros.

Uma vez amigo do Rei, para sempre amigo do Rei. Em maio passado, comentei a notícia de que Chico Buarque iria receber financiamento da Biblioteca Nacional para a tradução de seu livro Leite Derramado para o coreano. Mais uma ajuda financeira indireta do Ministério da Cultura, comandado pela mana Ana. Chico quer empurrar sua “obra” ao mercado asiático. Quem a paga a tradução da obra do vate na Coréia? Você, leitor, que é coagido a pagar e cinicamente chamado de contribuinte.

Há décadas venho também comentando duas corrupções muito nossas, a universitária e a literária, que geralmente estão entrelaçadas. Escritor que de fato é amigo do Rei tem sua obra lançada e imposta aos circuitos escolares e universitários. Mas para isso precisa ser amigo do Rei. Nada de críticas ao governo ou ao PT. Se você, escritor, ousa criticar a realeza, você comete suicídio literário.

O grande instrumento de corrupção na área da cultura e das artes é a famigerada Lei Rouanet, assim chamada por ter sido obra do diplomata, “filósofo” e membro da Academia Brasileira de Letras Sergio Paulo Rouanet.

Ainda há pouco, comentei a fundação da editora Barléu, pelo o atual dono da Francisco Alves, Carlos Leal, especializada na edição de livros de arte, todos patrocinados por meio da Lei Rouanet. Ou seja, uma editora – empresa privada – só consegue sobreviver com auxílio estatal. Então que feche as portas, ora bolas.

Nas quebradas do século passado, tive notícias de um livreiro de Porto Alegre que, ante a perspectiva de falência, salvou-se graças à Lei Rouanet. Que história é essa? Se empresa privada só consegue sobreviver com auxílio estatal, então não é empresa privada, mas empresa estatal.

Em 2007, o governo federal autorizou a organização da Oktoberfest, festa do chope no Rio Grande do Sul, a captar R$ 1,182 milhão, via Lei Rouanet. Justificativa: o projeto "mantém e potencializa a cultura local, essencialmente germânica, contemplando a música instrumental".

Pergunta ao contribuinte que gosta de chope: se você já financiou a festa, por que terá pagar de novo pelo chope? A Lei Rouanet tem-se revelado um excelente instrumento de corrupção. Melhor ainda: corrupção perfeitamente legal.

Cinema e teatro há muito vivem do dinheiro do contribuinte. Esta farra com o bolso alheio teve seu ápice quando o Cirque du Soleil, companhia circense do Canadá, apresentou-se em São Paulo subsidiado pela famigerada lei. E deu-se ainda ao luxo de cobrar ingressos caríssimos dos contribuintes que financiavam seu espetáculo. De minha parte, não vou a espetáculo algum que seja patrocinado pela lei Rouanet. Mesmo que o espetáculo me interesse, se já paguei não vou pagar de novo. Se vierem me buscar de limusine, talvez. E mesmo assim, olhe lá!

Criou-se no Brasil, desde há muito, a cultura do livro estatal. Autores que há muito estariam mortos são ressuscitados com o empenho de instituições que as empurram aos jovens goela abaixo. O número de livros distribuídos gratuitamente aumenta cada vez mais. São editados via Lei Rouanet e não há quem os compre. No final do ano passado, a Folha de São Paulo noticiava:

“Já virou tradição de Natal: no fim de ano, grandes bancos presenteiam seus clientes com sofisticados livros de arte, viabilizados por meio da Lei Rouanet - que permite abatimentos no imposto de renda dos patrocinadores que invistam em cultura”.

O repórter pergunta-se, retoricamente: isso significaria, então, que os brindes de Natal desses bancos estariam sendo pagos pelo contribuinte? E responde, falaciosamente: sim, mas somente em parte. Mais exatamente, de acordo com a lei, o patrocinador recebe 10% da tiragem do livro, para seu uso - e, no caso, essa é a parcela destinada aos clientes.

Pode ser. Mas os outros 90% da tiragem também foram financiados pelo contribuinte. A Lei Rouanet – isto é, você - está financiando livros que ninguém compra, que são doados ao azar para quem não lê.

Não acredito nisso de distribuir livros de graça, ao azar. Até pode ser que algum encontre o leitor que dele precisa, mas esta hipótese é das mais aleatórias. Os passageiros de ônibus de São Paulo provavelmente se sentiriam mais gratificados com as memórias de Bruna Surfistinha. Que, diga-se de passagem, teve uma renúncia fiscal de dois milhões de reais aprovada pelo Ministério da Cultura para a produção da peça de teatro Doce Veneno, inspirada em sua vida exemplar de prostituta.

Como a dita vida fácil andava muito difícil, Bruna Surfistinha preferiu optar por ofício similar e mais confortável, a literatura. E acabou estreando no teatro, graças às mordomias da Lei Rouanet.

Segunda-feira passada, o criador renegou a criatura. Em entrevista à Folha de São Paulo, Rouanet diz que a lei por ele é uma "página virada", e que ter sido secretário da Cultura do governo Collor (1990-92), durante o qual formatou a lei, foi um "equívoco".

"Do ponto de vista dos meus interesses e da minha personalidade, foi um equívoco. Não era isso que eu queria fazer. Eu aceitei o convite para o cargo. Achei que poderia dar uma contribuição, mas não sou um homem da política, e sim um homem da reflexão".

O homem da reflexão diz não gostar de ser associado a sua principal criação e rejeita entrevistas sobre o tema. Em janeiro, ao ser procurado pela Folha em razão dos 20 anos da lei, disse que falaria sobre "qualquer coisa, mas sobre a Lei Rouanet não falo, nem adianta insistir".

Depois de ter corrompido as letras, o teatro e o cinema nacional, depois de ter reduzido escritores e cineastas a esmoleiros de um governo corrupto, Rouanet diz que tudo foi um equívoco e não quer falar mais sobre o assunto. O corruptor não quer nem ouvir falar de corrupção.

Então tá! Enquanto isso, a imprensa nacional dedica exclusivamente suas páginas à corrupção no Congresso. Na do Rouanet não vai nada.

PS - Leia A indústria textil em http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/textil.html