¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, agosto 22, 2012
 
Kashrut, a cozinha que divide:
UMA CULINÁRIA RACISTA
E RESERVA DE MERCADO



Por que tantas e tais prescrições? – pergunta-me um leitor. Para começar, Javé é um deus tribal. Protege os seus e não admite que estes se relacionem com membros de outra raça, que cultuam um outro deus. Está lá, no Pentateuco. Javé, deus ciumento, fere com uma praga os filhos de Israel por se relacionarem com mulheres que cultuam não ele, mas um outro deus, Baal de Fegor. Finéias, filho de Eleazar, traspassa com uma lança, de um golpe só, o israelita e a midianita que mantiam relações em uma tenda.

Números 25, 3: Estando Israel assim ligado com o Baal de Fegor, a ira de Javé se inflamou contra Israel. Javé disse a Moisés: toma todos os chefes do povo. Empala-os em face do sol, para Javé: então a ira ardente de Javé se afastará de Israel. Moisés disse aos juízes de Israel: mate cada um aquele dos seus homens que se ligaram a Baal de Fegor. Eis que veio um homem dos filhos de Israel, trazendo para junto de seus irmãos uma midianita, sob os próprios olhos de Moisés e de toda a comunidade dos filhos de Israel, que choravam à entrada da Tenda da Reunião. Vendo isso, Finéias, filho de Eleazar, filho do sacerdote Arão, levantou-se do meio da congregação, tomou na mão uma lança, seguiu o filho de Israel até a alcova e lá o transpassou, juntamente com a mulher. E a praga que feria os filhos de Israel cessou.

Fica bastante claro, no livro do bom rabino, que as interdições alimentares visam criar uma cerca que proteja os judeus de casar-se com não-judeus, em obediência ao bíblico racismo. Como o cozinhar ou comer juntos pode levar à confraternização – como de fato leva -, é bom que seja evitado. Judeu não pode casar-se com não-judia. Pode uma judia casar-se com não-judeu? Até que pode. Neste sentido, os rabinos são tolerantes. Pois inverteram a ordem de descendência. Se na Bíblia a descendência se transmite de pai para filho, conforme atestam as genealogias do Antigo Testamento, no judaísmo rabínico é de mãe para filho. Judeu é quem é filho de mãe judia, ao arrepio do Livro. Então pode.

Entre 9 de fevereiro e 9 de março de 1807, Napoleão Bonaparte constituiu na França um sinédrio – conselho judeu de 71 membros – que sucedeu à Assembléia de Notáveis, que tinha por função oficializar as medidas de secularização em matéria de decisões doutrinárias, do ponto de vista da lei judaica. Ao sinédrio e aos notáveis, o imperador fez doze perguntas. Entre elas, esta: uma judia pode casar-se com um cristão e uma cristã com um judeu? Ou a lei pretende que os judeus se casem apenas entre eles?

Está faltando um Napoleão em nossos trópicos, para bem dividir as águas. Os judeus com cidadania brasileira precisam decidir se respeitam as regras do país onde escolheram viver ou se preferem seguir regras escritas na Judéia há cinco mil anos. Para o rabino Ezra Dayan, a pergunta napoleônica não tem sentido algum. É melhor que judeus não comam com não-judeus, porque esta confraternização arrisca resultar em casamento. Estamos ante algo insólito, uma culinária racista. O comer, em vez de unir, divide.

Esta prática endogâmica cobra seu preço, a doença de Tay-Sachs. Segundo os médicos, é uma desordem neurodegenerativa, presente principalmente em crianças, decorrente de uma atividade deficiente de uma enzima específica, a lisossomal hexosaminidase A, que produz um acúmulo intracelular de substratos e um progressivo déficit neurológico.

Esta síndrome apresenta uma freqüência elevada em determinados grupos étnicos, sobretudo nos judeus ashkenazi. Não por acaso, muitos judeus procuram hoje católicas para casar-se. E por que católicas? Bom, elas já conhecem – ou deveriam conhecer – a parte judaica do Livro. Meio caminho andado para a ortodoxia.

Em segundo lugar, uma óbvia reserva de mercado. Se em cidades onde os judeus são gatos pingados não há sentido em comida casher, o caso muda de figura em grandes centros como São Paulo, Buenos Aires, Paris, Londres, Nova York, onde as comunidades judias constituem um mercado a não se deixar de lado. Judeu só pode comer o que judeus produzem, só pode comprar o pão de padeiro judeu, só pode beber o vinho que judeus confeccionam. Sobra até para os cães. Cachorro de judeu deve comer o que judeus produzem para que seus cachorros comam. Isto abarca até mesmo a restauração, pois uma garrafa de vinho aberta não pode ser chacoalhada por um garçom idólatra.

Para que serve um rabino, além de cortar pintos e benzer carnes? Para produzir teologia. Precisam então merecer seus salários. Constróem então uma culinária dogmática, que raia a insanidade. Ao longo da história, os judeus se queixam de serem reduzidos a guetos. Ora, quem constrói tais guetos, senão eles mesmos?

Estamos diante de um caso raro, em que a culinária, que normalmente une povos, serve para dividir.