¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, julho 28, 2013
 
PASTOR NÃO ENTENDE SUCESSO
DE PARCEIRO DE EMBUSTES



Marco Feliciano está enciumado com a receptividade que o papa Francisco vem recebendo no Brasil – escreve maliciosamente Lauro Jardim, em sua coluna Radar-on-line -. Agora resolveu comparar-se ao pontífice.

Não é que o deputado se compare com o papa. Apenas manifesta seu espanto. Defendem, no fundo, as mesmas bandeiras. Enquanto o papa goza de aura de superstar, o Feliciano é visto como a encarnação dos males do mundo.

Sem falar que sua igrejinha não tem os vinte séculos de prestígio da igreja do Chico. Foram dois mil anos de exibição de poder inconteste: pregação de dogmas absurdos, arbítrio, tirania sobre as mentes, torturas, fogueiras, orgias, matanças, intrigas, mentira sistemática. Dois mil anos impõem respeito, se impõem.

Feliciano precisa de mais vinte séculos e – se tiver muita sorte – uma crucificação das boas, com muito som e luz. E suco de tomate, ao estilo Mel Brooks. Só então poderá competir com o vice-deus romano. Continua Lauro Jardim:

“Diz Feliciano:

“- O papa é político, eu também. Assim como eu, o papa condena casamento de pessoas do mesmo sexo, a descriminalização das drogas e o aborto. Mas, no caso dele, a mídia aplaude. Por que o papa é tratado como popstar, ovacionado, e eu, tão atacado?”

Elementar, meu caro Feliciano. Você pode ser um bruto que ressurge da Idade Média. Mas é honesto em sua mesquinha visão de mundo. O Chico é hipócrita, como hipócrita sempre foi a Igreja. Defende seu mesmo deus, suas mesmas idéias. Mas não é besta para ir contra a maré. Seu discurso todo, em prosa e verso cantado por jornalistas que se pretendem argutos, não passou de lugares comuns humanísticos e apelos aos “jovens”. Quem ousaria dizer algo contra os “jovens”, que paralisam as metrópoles, depredam bancos e carros e gozam do beneplácito da imprensa? Só mesmo este fascista que vos escreve.

O argentino, com a malandragem de um compadrito, não disse uma palavrinha sequer sobre aborto ou casamento homossexual. Pega mal nestes dias em que as pessoas querem ser donas de seus próprios narizes. Não falou sequer da usual condenação do sexo pelo Vaticano. Não se fala em corda em casa de pedófilos, digo, de enforcados. Falou, isto sim, das drogas, cuja condenação é majoritariamente aceita. Os temas candentes que minam a fé católica foram deliberadamente deixados de lado. Mas conclamou os “jovens” a invadir as ruas. Vandalismo em país alheio é colírio aos olhos de nuestro hermano Paco.

Você, Feliciano, pode ser um obscurantista. Mas tem a coragem de seu obscurantismo. A Igreja, desde há muito viu que coragem não é boa política. Dissimulação rende mais crentes. E tem se roçado alegremente, ao longo dos séculos, com os poderosos. De vez em quando, um banho de multidão. Praias são a geografia ideal para tais banhos. Os milhares de banhistas que para lá acorrem em busca de sol são safadamente contabilizados com fiéis. Desta vez foram três milhões, dizem os jornais. A mídia estabeleceu um parâmetro de sucesso, o milhão. Papa que reúna menos de um milhão não é papa que se preze. É um fracasso.

Ainda Lauro Jardim:

"Em seguida, o deputado pastor mirou na Rede Globo:

"- Onde estava a TV Globo, que não mostrou as manifestações contrárias ao papa, o beijaço e etc? Isso é discriminação religiosa contra mim, contra o pastor Silas Malafaia e outros".

A Globo estava onde sempre esteve, em busca de grandes audiências. Seus jornalistas já foram hostilizados por denunciar as badernas dos “jovens”. Não seria agora que iria remar contra a unanimidade em torno ao papa.

O argentino criticou, no Santuário de Aparecida, os “ídolos efémeros do dinheiro e do poder”. Errou de púlpito. Melhor faria se falasse no Senado. José Sarney, Renan Calheiros e demais pares iam achar muito engraçado. Astuto, não cometeu a ingenuidade de João Paulo II, quando foi vender vento do outro lado da cordilheira.

O único jornal a relatar este episódio, pelo que me consta, foi o parisiense Le Canard Enchainé. Perorava Sua Santidade às juventudes de Santiago do Chile:

- Hermanas y hermanos que estáis hoy aquí reunidos! Verdad que renunciáis a las tentaciones de la sociedad de consumo?

Sua Santidade ouviu um sonoro "Sííííí!"

- Hermanas y hermanos que estáis hoy aquí reunidos! Verdad que renunciáis a los placeres del dinero y del poder?
- Sííííí!
- Hermanas y hermanos que estáis hoy aquí reunidos! Verdad que renunciáis a los placeres del sexo?

A multidão fez um profundo silêncio. Sua Santidade repetiu:

- Verdad que renunciáis a los placeres del sexo?
- Nooooo! - foi o que ouviu Sua Santidade. Pediu, levou.

Na favela de Varginha, falou sobre corrupção e pediu aos jovens que "nunca desanimem, não percam a confiança, não deixem que se apague a esperança" frente as "notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício".

De novo, palanque errado. Corrupção é a menor das pragas que infestam as favelas. Corrupção existe junto ao poder, não nos aglomerados pobres das periferias. Os coitados dos favelados não têm sequer a chance de serem corruptos. Estão longe da máquina estatal e do dinheiro farto. Corrupção é pra quem pode, não para quem quer. Favelado consegue no máximo vender serviço para traficantes. Corrupção que mereça o nome é de vereador para cima.

Mas o absurdo maior foi reservado para a homilia em Aparecida, quando pediu aos fiéis que vivam em alegria. "A terceira postura: Viver na alegria. Queridos amigos, se caminhamos na esperança, deixando-nos surpreender pelo vinho novo que Jesus nos oferece, há alegria no nosso coração e não podemos deixar de ser testemunhas dessa alegria. O cristão é alegre, nunca está triste. Deus nos acompanha".

As multidões parecem ter sido cegadas pelos séculos de cristianismo. Como pode falar em alegria o homem que porta como símbolo de sua fé um instrumento de tortura?

Até hoje não consegui entender o sucesso da cruz como logotipo. Mais que instrumento de morte infamante, é instrumento de tortura. Se para os romanos era um utensílio para a execução de sentenças, mal os cristãos chegaram ao poder transformou-se em estandarte anunciador de matanças. Em seu nome foram massacradas milhares de pessoas que não aceitavam o deus único cristão, em seu nome foram destruídos altares e cultos a outros deuses, em seu nome culturas inteiras desapareceram do mapa.

Pela primeira e única vez na história, um instrumento de tortura se transformou em bandeira gloriosa. A bandeira com a foice e o martelo ensangüentou o século XX, mas estes dois objetos pelo menos eram símbolos do trabalho e não de uma prática infame.

Se Cristo tivesse sido empalado, duvido que seus seguidores saíssem séculos afora empunhando uma estaca.