¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, julho 27, 2013
 
TURISMO LITERÁRIO
SE DEMOCRATIZA



Há dois dias, comentei o tal de Dia do Escritor, data tão vazia que passou despercebida. O personagem já foi em prosa e verso louvado ... pelos próprios escritores, é claro. Hoje, só chama a atenção de alguns gatos pingados. Pois o escritor, antes tido como uma espécie de farol da humanidade, vendeu-se, prostituiu-se, vulgarizou-se. Y a las pruebas me remito.

Há seis anos, uma dúzia e meia de malandros desejosos de conhecer o mundo a custas do Estado, reuniu-se em um projeto intitulado Amores Expressos, elaborou um ambicioso plano de turismo e tentou passar a conta ao contribuinte. Na ocasião, comentei a maracutaia na crônica que segue abaixo.

Dia seguinte, de Rodrigo Teixeira, o mentor das prostitutas, recebi o mail abaixo. Transcrevo, como recebi, com o português ilibado do condutor de escritores:

- Para seu conhecimento, quem está pagando pela estadia dos autores sou eu Rodrigo Teixeira. para seu conhecimento investi dinheiro meu e não publico e nem menos captado via leis de incentivo em um filme que está dando o que falar pelo seu resultado artistico e qualidade chamado Cheiro do Ralo, eu invisto em cultura, do meu bolso eu me arrisco e não consigo entender as suas acusações, leia a matéria da Folha de sabado, e quer saber projeto malandro (onde?) não existe aprovação, enfiando as mãos em dinheiro publico onde? prove que faço mau uso ou que no momento estou fazendo.

Um desmemoriado, o Rodrigo. Na Folha de São Paulo do sábado anterior, lá estava:

"O projeto, idealizado pelo produtor Rodrigo Teixeira e pelo escritor João Paulo Cuenca, tem um custo total de R$ 1,2 milhão e pleiteia verba de renúncia fiscal. Por enquanto, o processo ainda está em tramitação no Ministério da Cultura. Se a grana de incentivo não rolar, Teixeira diz que pagará do próprio bolso as viagens dos autores".

Seis anos depois, a maracutaia volta às manchetes. Leio na Folha de hoje:

Amor por encomenda

"Nem tanto amor, nem tão expresso. Mesmo com problemas, o projeto literário Amores Expressos, que levou há seis anos 17 escritores brasileiros a 17 cidades do mundo para que escrevessem histórias de amor, ainda rende rebentos. E uma "DR": obra de encomenda é arte menor?

"Mais dois livros da coleção acabam de chegar às livrarias: "Ithaca Road", de Paulo Scott, e "Digam a Satã que o Recado Foi Entendido", do colunista da Folha Daniel Pellizzari. O próximo, "Barreira", de Amilcar Bettega, será lançado no começo de agosto. Com esses, a série chega a dez livros publicados pela Companhia das Letras, editora oficial do projeto. Dos sete restantes, um foi recusado pela Companhia e saiu pela Rocco; outro, também recusado, está em negociação com outras editoras; e cinco estão sendo reescritos ou revisados, sem previsão de lançamento. (...) A possibilidade de financiamento público despertou a ira de escritores e blogueiros, que criticaram ainda a temática e o critério de escolha dos autores, que teria privilegiado amigos de Teixeira e do escritor João Paulo Cuenca, também idealizador da série”.

O problema parece ter sido o pequeno número de eleitos. Fosse o projeto mais abrangente, seria defendido com unhas e dentes pela guilda. Não é justo que apenas uma dúzia e meia de amigos do Rei saiam a gozar as delícias deste vasto mundo, quando todos delas querem usufruir.

O generoso mecenas não conseguiu enfiar a mão no bolso dos contribuintes. Pelo menos por enquanto. “Com a polêmica, Teixeira desistiu das leis de incentivo e, com dois sócios, financiou o projeto, reduzido a R$ 560 mil”.

Do que – permita—me o mecenas – muito duvido. Ninguém tira do bolso 560 mil para investir em um delírio fadado ao fracasso. Só louco rasga dinheiro e o benemérito incentivador das Letras de louco nada parece ter. De qualquer forma, Rodrigo ainda tem chances. Em troca, teria o direito de adaptar os romances para o cinema. Teríamos uma bela safra no glorioso cinema nacional, nada menos que 17 filmes.

Rodados a partir de histórias sem nexo de escritores desconhecidos. Mas algum leitor viu cineasta investir dinheiro próprio no cinema? Isto não existe no Brasil. Desta vez, lei Rouanet na certa. Se você, leitor, foi poupado em 2006, caso o projeto chegue a seus fins, agora você marcha, inexoravelmente.

Encomenda travou escritores da coleção – diz a Folha em manchete. “O tema fechado inibiu a imaginação e atrasou conclusão das histórias, dizem autores do projeto Amores Expressos (...) Crises de inspiração, acúmulo de trabalho e dificuldade em lidar com o tema da série partiram o coração de muitos escritores do projeto”.

O redator está sendo gentil. O projeto não era literário, mas turístico. É preciso ser estrangeiro ao mundo das Letras para imaginar que basta enviar um escrevinhador para um país que não conhece e cuja língua nem entende, para daí produzir um romance.

Reinaldo Moraes, que foi fazer turismo na Cidade do México no final de 2007, voltou de mãos vazias. "Esse negócio de livro de encomenda não deu certo para mim. Queria fazer um thriller simples, mas me enrolei com a genealogia do protagonista. Já estava com umas 200 páginas escritas e ele ainda não tinha chegado ao México."

Idem Lourenço Mutarelli. Concluiu seu livro sobre Nova York no começo de 2009, mas a Companhia das Letras – cúmplice da maracutaia - fez uma série de restrições. "Mas o romance era muito ruim mesmo, acabei concordado com eles", diz.

Antonio Prata – que em 2002 viu um Potosí a céu aberto no bolso do contribuinte e pedia ao governo uma carteirinha de escritor – também deu com os burros n’água. Suas vilegiaturas em Xangai deram em nada. "A dificuldade é uma questão inerente à escrita. A produção de um romance é sempre difícil, demorada, independentemente de ser encomenda ou não", argumenta.

Antonia Pellegrino foi para Bombaim em setembro de 2007. Nada feito. Adriana Lisboa foi contemplada com Paris, a pérola da coroa. Mas deparou-se com uma "questão estrutural quase insolúvel". O romance seria inspirado em uma história real, e a escritora não sabe se deixa isso explícito logo no início do livro ou não.

O turismo literário está se democratizando. Se antes era privilégio da universidade, agora se estende a escritores. Não bastasse já viverem de favores do Estado, exigem agora viagens a países distantes. Se voltam de mãos abanando, tanto faz como tanto fez. Ninguém vai cobrar mesmo.

CORRUPÇÃO NO MUNDO DAS LETRAS

26/03/2007

Está dando o que falar o último caso de corrupção no mundo das letras. Digo o último porque está longe de ser o primeiro. Trata-se do Amores Expressos, projeto malandro de um tal de Rodrigo Teixeira, que pretende enviar dezesseis escritores para dezesseis cidades do mundo, entre elas Paris, Berlim, Roma, Nova York, Tóquio, São Petersburgo, Praga e outras que tais. Dessas cidades, os escritores devem trazer uma história de amor. Quem pagará a conta? Claro que não serão os escritores. O projeto buscará os subsídios da famigerada lei Rouanet, que já serviu para financiar até mesmo a apresentação no Brasil de uma companhia milionária, o Cirque du Soleil. O leitor já deve estar intuindo: no fundo quem pagará o turismo privilegiado dos meninos serei eu.

Exato, meu caro. Aparentemente, você não paga nada. O que financia os jovens literatos é a chamada renúncia fiscal, parcela da tributação que a Receita perdoa aos grandes contribuintes desde que sejam aplicadas nessa palavra mágica e elástica, a "cultura", que significa tanto Julio Iglesias como Xuxa ou Gilberto Gil. Ora, a corda sempre rebenta na ponta mais fraca. Quando falta dinheiro ao Erário para pagar a vagabundagem e as farras de nossos deputados, professores universitários, sindicalistas e artistas, a União cria as CPMFs da vida, aumenta impostos. Em suma, enfia a mão no bolso do pagante final, você.

Em reportagem da Folha de São Paulo da semana passada, Rodrigo Teixeira é pintado como um "um jovem Quixote de pés bem plantados no chão". E as mãos enfiadas no dinheiro público, cabe acrescentar. Que me conste, Don Quixote nunca enfiou a mão no bolso dos contribuintes de sua época para financiar suas aventuras ou amores com a Dulcinéia del Toboso. Nem Cervantes foi pago para escrever sua obra em nenhuma capital européia ou asiática. A primeira parte foi escrita na prisão. Que a Folha encare o projeto com simpatia e o considere quixotesco, nada de espantar. Uma de suas colunistas, Cecília Giannetti, vai para Berlim. Sem carregar vergonha alguma em sua bagagem.

O projeto está orçado em 1,2 milhão de reais. As "obras" produzidas pelos escritores serão publicadas pela editora Companhia das Letras no decorrer de quatro anos. Ao investir 1,2 milhão de reais em autores praticamente desconhecidos do público, Luiz Schwarcz revela-se um editor de uma audácia extraordinária. Aposta no escuro, pois não tem idéia alguma de que os dezesseis produtos dos dezesseis autores sejam editáveis ou pelo menos vendáveis. Verdade que não é difícil ser audaz quando o investimento é a fundo perdido e não vem do próprio bolso. E é bom lembrar que o projeto do nosso Quixote - que certamente desdenha moinhos de vento, mas não é cego a uma pilha de reais, dólares ou euros - prevê uma segunda passada de chapéu, a transformação das narrativas em filmes. De novo, a mão no seu bolso.

Não vejo nada demais em uma editora financiar um escritor para escrever um livro. A primeira escritora que conheci, face a face, foi uma suissesse, em Estocolmo. Era jovem, chama-se Federica de Cesco, já havia escrito 25 livros, estava redigindo o vigésimo oitavo e tinha dois no prelo. Perguntei-lhe que fazia naqueles nortes. "Estou aqui para escrever um romance ambientado em Estocolmo. Sou paga para isso e tenho um ano para entregar meu trabalho". Primeira providência de Federica: inscreveu-se em um curso de sueco - onde a encontrei - para poder entender o país. Naquele momento, invejei a profissão de escritor. Quem a pagava era sua editora, e não o contribuinte suíço. E o editor estava apostando em uma profissional que tinha mais de 25 títulos no currículo.

Luís Schwarcz também não vê nada demais. Considera que se cinema e teatro são subsidiados, porque não o seria a literatura? Não deixa de ter razão. Ocorre que esta lógica é aquela do Stanislaw Ponte Preta: restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos. Mas isto não é o que acontece. Produtores e diretores de cinema ou teatro, no Brasil, jamais investem do próprio bolso. Só dignam-se a oferecer seu engenho e arte aos pobres mortais se os pobres mortais os financiam. Se a peça ou filme é uma solene empulhação e não tem público algum, tanto faz como tanto fez. A grana já foi embolsada e investida em mansões em ruas nobres, as únicas dignas de um grande diretor de teatro ou cinema.

Os editores parecem ter gostado dos tais de subsídios à cultura. Essas mordomias oferecidas a grupelhos de amigos nada têm de novo. Os Amores Expressos estão dando o que falar devido à desfaçatez do projeto. Em um país em que crianças estão estudando - quando estudam - em escolas de lata, é dose excessiva pagar o turismo de meninos apadrinhados com dinheiro público.

A prática é antiga no mundo acadêmico, particularmente na área de Letras. Acadêmicos brasileiros cruzam os ares, de Porto Alegre a Tóquio, de São Paulo a Paris, para fazer vitais comunicados - de vinte minutos - sobre lingüística, literatura comparada, teoria literária. Professores são enviados ao Exterior para defender teses sobre a obra de Machado de Assis ou Villa Lobos, Guimarães Rosa ou Clarice Lispector. Boa parte deles volta sem ter defendido tese alguma. Jamais vi, em minha não tão curta existência, um só professor ser demitido da universidade ou pelo menos obrigado a ressarcir o erário público. A farra é grossa, antiga e atende por intercâmbio acadêmico. Curiosamente, não ocorre a nenhum jornalista denunciar esta corrupção escancarada. O que parece soar insólito no trem dos Amores Expressos é que meros escritores queiram usufruir de privilégios privativos da universidade.

Há muitos leitores questionando a escolha das cidades para onde irão nossos bravos escritores, em geral capitais do Ocidente bastante próximas de nós. Ora, estamos fartos de histórias de amor em Paris e Berlim, Roma ou Nova York, o cinema as fornece à exaustão. Seria bem mais interessante, para o público brasileiro, ter notícias de histórias de amor em Irkutsk, por exemplo, na Sibéria. Ou Pyongyang, na Coréia do Norte. Quem sabem em Ashgabat, no Turcomenistão. Nada sabemos do amor em Grozni, na Chechênia e apesar do Iraque estar todos os dias nas primeiras páginas dos jornais, nenhuma notícia temos do amor em Bagdá. Mas suponho que escritor algum se digladiaria para pesquisar o amor em tais rincões.

Tenho sugestão melhor. Nossos escritores deveriam ir para a cadeia. Não estou fazendo piada, não. A prisão, ao longo da história, tem sido muito produtiva para escritores. A começar pelo manco de Lepanto, que escreveu na prisão a obra magna da ficção ocidental. Permanecesse em sua condição de coletor de impostos, Cervantes certamente não nos daria o Quixote. Ou ainda Dostoievski, que nos legou o imortal Recordações da Casa dos Mortos. Um fuzilamentozinho simulado - como aquele ao qual foi submetido Dostoievski - talvez não fosse fora de propósito. Ressuscitar quando achamos que estamos mortos será sempre uma experiência interessante para quem escreve sobre o ser humano e seus abismos.

Quem leu Cartas do Cárcere - sem entrar no mérito da obra - terá de constatar que a prisão permitiu que Gramsci sistematizasse seu pensamento. Mesmo entre nós, temos um Graciliano Ramos e suas Memórias do Cárcere. O escritor alagoano considerava muito salutar para sua literatura o fato de ser prisioneiro: "Naquele momento, a idéia de prisão dava-me quase prazer: vi ali um princípio de liberdade. Eximira-me do parecer, do ofício, da estampilha, dos horríveis cumprimentos ao deputado e ao senador; iria escapar a outras maçadas, gotas espessas, amargas, corrosivas".

Conhecendo como conheço as capitais do Ocidente, em nome da pujança da literatura nacional, acredito, honestamente, que a prisão seria melhor para nossos escritores. As noites de Berlim e Praga, a gastronomia de Paris ou Roma, as noites brancas de São Petersburgo e suas kagebetes, não sei não! Acho que tais apelos iriam desviar um tanto os jovens corruptinhos do nobre ofício de escrever.

Melhor prisão, mesmo. Sem falar que não oneraria o contribuinte brasileiro. Quem não adoraria ler um título como O Amor em Abu Ghraib?