¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, outubro 23, 2013
 
PERU NO STUART


Meus dias de Curitiba foram um tanto vazios. A cidade é rica, mas culturalmente pobre. A imprensa consegue ser pior que a de Florianópolis ou Porto Alegre, o que já é um feito notável. Tive no entanto grandes momentos no Stuart, junto à praça General Osório, o boteco mais antigo da cidade, que elegi para minhas leituras e charlas. Singelo, sem maiores luxos, oferece um cardápio pouco recomendável a moças: carne de onça e bagos de touro. Me ocorre uma tarde memorável.

Todos os dias, o bar faz uma ou mais rifas, com 12 ou 15 números, seja de um peru ou de um coelho. Quem cantava a rifa era um garçom jovem, de voz metálica. Nossa mesa jamais havia sido premiada. Até o dia em que tomamos uma decisão radical: compramos todos os números. Não havia chance de erro: o prêmio só podia ser nosso.

O garçom, sem mais cerimônias, nos trouxe o peru. Nada disso, meu caro. Queremos o ritual. Sorteio, anúncio público do número vencedor e entrega do prêmio ao felizardo. E assim foi feito. Não tinha graça alguma receber o peru sem o teatrinho.

Se alguém acha que vou falar do leilão do pré-sal, vou falar mesmo. O teatro foi feito. Onde se viu leilão com um só concorrente? Leilão, dizem os dicionários, é uma venda pública de objetos, sob o pregão de um leiloeiro, em que os arremata quem oferece maior lance.

As esquerdas chiaram, até mesmo contra dona Dilma: “Trabalhadores da Petrobras exigem a suspensão do leilão do campo petrolífero de Libra, o maior já descoberto no Brasil. A Presidente Dilma, que considerava a entrega do petróleo às multinacionais um crime, agora mobiliza o Exército para garantir o leilão”.

Manifestantes ocuparam por oito horas a sede do Ministério de Minas e Energia, em Brasília. Os grevistas também fizeram bloqueios em rodovias, como a que dá acesso à Refinaria Duque de Caxias do Rio de Janeiro.

“A decisão de leiloar o campo de Libra significa uma reviravolta em relação ao que a presidente Dilma Rousseff dizia durante a campanha eleitoral, quando atacava as privatizações de Fernando Henrique Cardoso e acusava o seu adversário José Serra de querer entregar o petróleo brasileiro às multinacionais. Para a atual presidente, isso era um crime. Hoje o discurso mudou e Dilma diz que "estes leilões vão injetar bilhões e bilhões na economia, gerando centenas de milhares de empregos".

Esperava-se 40 interessados. Com muita sorte, houve um mísero consórcio, no qual a Petrobrás teve de marchar com 41% de produção. Não houve maior lance. O lance foi um só, como em nosso peru no Stuart. Na verdade, o pomposo leilão tratou-se de uma banal operação de compra e venda.

As esquerdas, já há bastante tempo sem bandeiras, tomaram novo alento nas vésperas da entrega do patrimônio nacional aos pérfidos estrangeiros. Ali estava uma das boas, a defesa do petróleo ante a sanha do capitalismo internacional. Nas ditas redes de relacionamento, ressurgiu das cinzas um Tio Sam aquilino e obsoleto, estilo anos 70, pronto a pôr as garras em nosso ouro negro. As dissidências infantis do PT denunciaram a privatização do “é nosso”. Nem Tio Sam, hoje mais preocupado em extrair óleo do xisto, se interessou, nem o campo de Libra foi privatizado. Permaneceu sob controle do Estado.

Que fazer quando um wishfull thinking não se realiza? A atitude mais sensata é admitir que incorremos em erro. Mas fanáticos se definem por não serem sensatos. Melhor negar a evidência. A algaravia de privatização e entrega de nossos bens ao capital alienígena continuou firme nas redes. Até hoje você encontra quem jure de pés fatos, contra os fatos teimosos, que petróleo nacional foi privatizado.

Frustração total. Nem a sanha das multinacionais pôs a mão em nossos tesouros, nem o Grande Satã demonstrou interesse em nossas jazidas. Imagine o leitor se os EUA concorressem e uma empresa americana levasse Libra.

Seria um tônico extraordinário por mais de década para as desmoralizadas esquerdas tupiniquins. A bicicleta precisa continuar andando. Se não, a causa cai.