¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, março 25, 2014
 
ESPIRITISMO CONTAMINA
JUDICIÁRIO E MEDICINA



Ainda os testemunhos do Além. De Henderson Ogando, recebo:

- No caso das "provas" psicografadas, tem-se como corriqueira a prática em nossos tribunais. O fundamento, mais ou menos, é pela ausência de ilegalidade ou ilicitude do meio probatório, algo como "o que não é proibido é permitido". Dentro do mesmo assunto, quando há crime doloso contra a vida, o julgamento se dá por um colegiado de pessoas, os jurados, não havendo, portanto, a possibilidade, até por questão de justiça aos magistrados, de se "comprar um bom juiz". E mais, como você mesmo observou no caso de Viamão/RS, também não dá para saber se as tais provas psicografadas podem, ou não, ser o fiel da balança, embora possa convir contigo: em Uberaba/MG, talvez fosse...

Pode ser, Anderson. Mas a decisão no fundo continua dependendo de um juiz. É ele quem aceita ou não os testemunhos psicografados. Há juízes que não aceitam. Se este testemunho vale por não ser proibido o que é permitido, então por que não pedir logo o testemunho do Altíssimo? Há centenas de milhares de homens falando com ele, que sem dúvida tem mais autoridade e credibilidade que uma criatura sua no Além.

Ou o testemunho de santos, por que não? Eles também falam com os homens ainda vivos e estão aí para interceder por eles. Ou o de Maria, que é do ramo: “eia pois advogada nossa, vossos olhos misericordiosos a nós volvei...”. Quem ousaria duvidar do testemunho de mãe da deidade? Se o que baseia os testemunhos do Além é o respeito a fés alheias, no mínimo teria de ser respeitada a católica. Pelo jeito, os advogados cristãos, mais pudicos, ainda não ousaram lançar mão do recurso.

O Judiciário é tímido no Brasil. Se mortos podem enviar testemunhos do Além, por que não poderiam manifestar suas vontades em inventários? É o que me lembra o leitor Vanderlei Vaselek:

- Quero saber como vai ser na hora das brigas pela herança: “Tia Augusta disse que a fazenda de Petrópolis é minha!” “Mas o tio Ângelo disse que é minha!”

Ocorre que patrimônio vale mais que uma vida. O espiritismo tem uma trajetória curiosa. Nascido em país reputado por seus pensadores ateus e racionalistas, fez fortuna em países pobres. Os dois países com maior contingente espírita hoje são o Brasil e as Filipinas. Tabagismo e religião, costumo afirmar, preferem países atrasados e incultos.

Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec, misturou evangelhos com a teoria do magnetismo animal do austríaco Franz Anton Mesmer e construiu sua ficção. Mesmer era médico, estudava teologia e retomou a antiga picaretagem da imposição das mãos. Curiosamente, Kardec, que é francês e está sepultado no Père Lachaise, em Paris, é praticamente desconhecido em seu país. Sua tumba está sempre cheia de flores, colocadas geralmente por brasileiros.

Entre nós, o embuste invadiu não só o Judiciário, mas também a medicina. Temos a Abrame (Associação Brasileira de Magistrados Espíritas) e a AME-Brasil (Associação Médico-Espírita do Brasil), isso sem falar nas associações por Estado.

Em agosto de 2011, o ator Reynaldo Gianecchini deu ampla difusão à vigarice. Ao descobrir um linfoma do tipo não-Hodgkin (tumor que atinge os gânglios linfáticos), um mês depois começou a buscar ajudas espirituais para a cura da doença. Fez acompanhamento com um “médico astral”, no Instituto de Medicina do Além (IMA), em Franca, São Paulo. Quem o atendeu foi o médium João Berbel, que tem fama de cura pelas cirurgias espirituais que realiza, e que afirma fazê-las a fim de mostrar as profecias de Jesus.

“A gente não anda preocupado em fazer propaganda, a intenção é mostrar as profecias de Jesus, que a Terra da regeneração já chegou, e muitos aflitos vem aqui em busca dos nossos trabalhos gratuitos, que só são possíveis graças a rifas, doações de materiais e à renda dos livros”, diz Berbel. Bem entendido, Gianecchini não dispensou uma quimioterapia no Sírio-Libanês. Mas quem tratou do ator não foi exatamente o João Berbel. Este senhor é apenas um mecânico elétrico que recebe, isto sim, o espírito do clínico geral Ismael Alonso y Alonso, o “médico dos pobres”, que foi prefeito de Franca nos anos 50. “É visível a melhora do meu sobrinho desde o início do tratamento com o doutor Alonso”, disse uma tia do ator. “Ele está mais confiante para seguir o tratamento convencional, pois tem a certeza de que vai superar o câncer”. O dr. Fritz já era. Agora temos o Alonso y Alonso.

Não vi até hoje jornal nenhum denunciando estes absurdos, seja na medicina, seja no Judiciário. Em respeito a algum politicamente correto de ordem religiosa, a imprensa mantém um silêncio obsequioso. A Veja, sempre tão corajosa quando se trata de denúncias políticas, foi cúmplice da farsa:

"Gianecchini recebeu a visita do médium. 'O doutor Alonso colocou uma mão na cabeça e a outra no pescoço do Reynaldo, justamente onde está o foco do problema de saúde', lembra Berbel. Em seguida, ainda conforme o médium, o espírito encarnado fez uma oração pedindo a cura, proferiu uma reza batizada de Oração de Jesus (de sua própria autoria) e encerrou o ritual com o pai-nosso".

A imposição de mãos, na verdade, é uma antiga picaretagem já presente nos Evangelhos, retomada por Allan Kardec. Criação nada original. Se já está nos Evangelhos, basta voltarmos um pouco atrás e encontraremos a prática no Egito, no templo da deusa Isis, onde multidões buscavam o alívio dos sofrimentos junto aos sacerdotes, que lhes aplicavam a imposição das mãos. A vigarice nasce com a humana credulidade.

Ainda segundo a Veja, o biólogo Ricardo Monezi, pesquisador de medicina comportamental na Universidade Federal de São Paulo, testou a influência da impostação de mãos (técnica chupada tanto pelo reiki como pelos espíritas) em ratos com câncer, divididos em três grupos. No terceiro, submetido à impostação de mãos, as células de defesa foram até 50% mais eficientes no combate às células tumorais do que as dos outros ratos.

Se espiritismo cura até ratos, por que não curaria o Gianecchini? Em uma ofensa aos médicos e à medicina, os miraculados menosprezam a quimioterapia ou outras terapias a que foram submetidos e atribuem a cura às prestidigitações de místicos. O espantoso, em tudo isto, é ver médicos e pesquisadores universitários acreditando em tais superstições. E uma revista como a Veja endossando tais embustes.